Diário dos Açores

Centralidades

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Opinião

A ilha de São Miguel, com o seu peso demográfico, assume naturalmente uma centralidade que neste momento está a ser posta em causa pelo poder político regional. A centralidade política, económica e de serviços é um fenómeno inerente à cidade ou região mais populosa de qualquer unidade territorial, seja politicamente organizada ou não.
Nos Açores, em que a maior das nove ilhas tem mais de metade da população do Arquipélago, naturalmente é nessa ilha que reside a centralidade. Diferente seria uma aberração. E aberração é pretender ressuscitar uma centralidade do passado como se o tempo tivesse parado em princípios do século XIX.
Até agora, sucessivos Governos Regionais souberam conter com mestria os apetites, as frustrações e as ambições desmedidas geograficamente localizadas. Mas as promessas eleitorais em 2020, de quem nunca pensou estar em posição de formar governo, ressuscitaram velhos fantasmas.
É no mínimo insólito que um governo deste tempo procure impor artificialmente, “por decreto”, uma nova centralidade a uma parcela do território (ilha), que não tem dimensão, nem demográfica nem económica, para se afirmar como tal, gerando este propósito divisionismos e mal estar entre ilhas.
Já na apresentação da sua candidatura  na Ilha Terceira em 2020, Boleiro firmou o seu compromisso de recuperar a centralidade da ilha, desde logo “na defesa de uma reforma das rotas aéreas de passageiros que coloque a Ilha Terceira não apenas ao serviço de si própria mas de todas as ilhas dos Açores, como um elemento decisivo e central” para além de plataformas logísticas no Porto da Praia da Vitória. 
Ainda há poucos dias, na inauguração da nova porta de embarque da Aerogare  Civil das Lajes, o Vice-Presidente fez saber que “este é um pequeno passo para uma grande ampliação do Aeroporto da Ilha Terceira que permitirá devolver a centralidade à Ilha, algo que está patente no programa do Governo Regional”. Estranho discurso político, pois a defesa de uma centralidade opõe-se claramente aos princípios de descentralização e desenvolvimento harmónico, fundamentos da Autonomia Açoriana.
A ideia de utilizar a Base Aérea militar como infraestrutura para recuperar uma centralidade do tempo das Armadas da Índia, começou a ganhar forma com o ataque à pequena Ilha de Santa Maria, retirando-lhe algo que ninguém quer, as ruidosas e poluentes escalas técnicas. Para aquela pequena ilha eram importantes porque “a punham no mapa” e o Aeroporto era um pilar essencial para a sua pequena e debilitada economia. As escalas técnicas voaram para a Base das Lajes e a pequena ilha de Santa Maria saiu do mapa a favor de uma centralidade que está a ser construída  contra tudo e contra todos.
Seguiu-se o episódio dos cabos submarinos. A pretexto de acautelar a segurança das comunicações, o cabo principal e o de recurso não poderiam amarrar na mesma ilha. E foi determinado que amarrariam em ilhas diferentes. O cabo principal passará para a ilha que tem 20 % do tráfego e o cabo de recurso continuará na ilha que é origem e destino de 60% das comunicações. Facto tão insólito como absurdo, carregado de simbolismo centralista é, acima de tudo, um ultraje à Ilha de São Miguel.  
Mas, e para já, a principal vítima da “centralidade” da Ilha Terceira, parece ser a Ilha do Faial e a sua cidade da Horta, pois é manifesto o seu progressivo apagamento no cenário político açoriano.
Afinal o que faz correr desesperadamente a Terceira neste momento por uma “centralidade”?
A resposta poderá estar no sucesso dos Açores como destino turístico de excelência, que se vem firmando nos últimos anos. E em qualquer destino turístico o potencial e a atractividade turística difere de localidade para localidade e de ilha para ilha. É notório que São Miguel, pela beleza das suas paisagens e originalidade dos fenómenos vulcânicos, e as “Ilhas do Triângulo” pela sua paisagem arquipelágica dominada pela grande “montanha”, são as ilhas de maior potencial e atractividade turística.
Pela segunda vez na sua história a Terceira teme ser relegada para 3.º plano, como já aconteceu na era dos Dabney, dos cabos submarinos e da construção do porto da Horta. Daí a necessidade de centralizar o acesso aos Açores na Base Militar das Lajes, de modo a gerir os fluxos de passageiros e  a  centralizar na ilha a política de promoção turística. Onde já estão a ganhar terreno. 
No “Triângulo” tem vindo a ganhar notoriedade turística a Ilha do Pico. Aquela montanha tem um poder de atração difícil de explicar. E em Portugal o Pico já está na moda.
Importante para o Pico e para os Açores é o prolongamento da pista da ilha, garantindo ligações com o exterior sem penalização. Mas desenganem-se aqueles que acreditam no aumento da pista do Pico. A “centralidade” da Terceira dificilmente o irá permitir. Uma centralidade artificial, criada “por decreto” que é contra tudo e contra todos que possam beliscar os seus interesses.

Teresa Nóbrega *

*Jornalista
A autora escreve de acordo com a anterior ortografia

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