Diário dos Açores

A Herança Açoriana

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Deu-me um aperto no coração. E não era para menos.
Há dias, no lançamento do livro de contos “Mar e Tudo e Outros Casos” de José Francisco Costa, Onésimo T. Almeida afirmou, a propósito do centralismo português/lisboeta que os Açores, ultraperiféricos em relação ao continente, têm de afirmar-se por si próprios estabelecendo laços mais fortes com a diáspora e as suas instituições e não as considerando ultraperiféricas.
O lamento de Onésimo vem de quem vive, sente e luta pela afirmação da portugalidade e da açorianidade num país enorme e diverso que tem na sua génese nomes e feitos de portugueses: João Rodrigues Cabrilho, João (Portuguese) Filipe  e de tantos outros que, ainda antes da independência, na Nova Inglaterra e na Califórnia fizeram vida na pesca, na caça à baleia, na agricultura, na indústria têxtil e na caça ao ouro, vontade de vencer. Pensava que viver nos “states” ou no estrangeiro proporcionava certas vantagens que um ilhéu, fechado na ilha, não conseguiria atingir.  
A questão da imigração, porém, é mais complexa e não se reduz à melhoria das condições de vida.
A matriz identitária alimenta o imaginário do açoriano imigrante e aprisiona-o numa saudade irresistível.
Daniel de Sá, percebeu bem este dilema quando afirmou que “Sair da ilha é a pior maneira de ficar nela!”
Passados alguns séculos, milhares de açorianos emigrados passaram aqui ao rol dos esquecidos, como antigamente acontecia com os embarcados para terras de Vera Cruz.
Do lado de lá, porém, tem-se desenvolvido iniciativas interessantes para preservar a “Heritage” (Herança), promovidas pelas academias e instituições culturais, incentivadas pela busca dos antepassados da diáspora e, recentemente, divulgadas pelas plataformas digitais e redes sociais.
Esse trabalho de investigação percorre todas as etapas do antigo circuito migratório dos Açores até à chegada aos Estados Unidos, com informações detalhadas sobre os portos e navios de embarque, os nomes, idade e profissão dos passageiros, até aos destinos finais em terras do Tio Sam.
Seria interessante e útil que, aqui nos Açores, as instituições interessadas por estes assuntos, nomeadamente a Universidade ou outras partilhassem também essa informação.
A crescente procura dos norte-americanos pelos Açores não está associada apenas às belezas e singularidades destas ilhas. Muitos visitantes da terceira e quarta gerações vêm à procura de parentes e descendentes, mas vão rareando os mais antigos que, por virtude de ofícios, conseguiam elaborar as árvores genealógicas.  
Exemplo do que acabo de dizer aconteceu há uns anos atrás. Um agente de viagens da Califórnia, por influência das suas raízes picarotas, entendeu formar grupos para visitar várias ilhas dos Açores e encontrar raízes.
Nas Lajes do Pico, o próprio operador quis saber se haveria quem o informasse das suas origens. Indicaram-lhe Ermelindo Ávila. Meu pai indagou do senhor quais os seus progenitores e chegou à conclusão: “Você é meu primo!”, filho de um tio que embarcara para os EUA há décadas atrás. O homem não queria acreditar e não coube em si de contente. A partir daí, quando visitava a ilha, reunia-se com os parentes para celebrar o reencontro da família.
As investigações genealógicas, por razões que se prendem com a concentração dos arquivos históricos nas “ilhas capitalinas” são difíceis de realizar para os amantes da genealogia. Por isso, tem de haver processos de aceder a documentos, por via informática, a essa informação, tratada ou não, de modo a que se comprove o circuito migratório e toda a saga da emigração.
Um longo trabalho há a fazer neste sentido que passa também pelo estabelecimento de intercâmbios com investigações realizadas junto da nossa diáspora.
Esta semana, por casualidade, tive acesso a um sítio1 do governo do Espírito Santo sobre a imigração para aquele Estado brasileiro, um dos 27 da Federação, situado a sudoeste e banhado pelo Atlântico. A norte faz fronteira com o estado da Baía, a sul com o do Rio de Janeiro e a oeste com Minas Gerais. Tem cerca de 4 milhões de habitantes e a sua capital é Vitória.
A referida plataforma é de muito fácil acesso. Contém informação pormenorizada sobre os imigrantes de várias nacionalidades europeias, nomeadamente açorianos, os primeiros de um grupo de 250 que para lá foram enviados entre 1812 e 1814, quase dois séculos depois da primeira leva de compatriotas nossos terem rumado àquele país e mesmo muito antes de os “casais” constituídos por 6 mil pessoas terem sido transportado, entre 1748 a 1756 para a ilha de Santa Catarina e para o Rio Grande do Sul.2
Em 1813, por exemplo, Manuel Caetano Silveira e Francisco Cardoso, de 46 anos, juntamente com sua mulher Beatriz de 37 anos e dois filhos Manuel de 7 e António de 5 emigraram para o Espírito Santo. De onde eram provenientes? Não é referido. Pelos apelidos depreende-se serem do Faial ou do Pico, mas são hipóteses. E seria interessante saber, cruzando documentos das Alfandegas, das capitanias e das paróquias existentes nos arquivos e partilhando essa informação com descendentes brasileiros de lá e familiares das gerações seguintes de cá. Vem-se constatando existirem muitos brasileiros a residir nestas ilhas e cresce o fluxo turístico do Brasil para os Açores.
Esta troca de informações sobre o destino da nossa diáspora levar-nos-á a um conhecimento maior sobre os nossos antepassados e seus descendentes e valorizará o papel por eles desempenhado e a sua influência na cultura do país de acolhimento.
Quanto mais abertos os Açores forem à numerosa diáspora americana, canadiana e brasileira, mais o seu valor e contributos serão relevados e conhecidos na construção daqueles países. Ganharão as nossas instituições com a sua experiência e saber e compreenderemos melhor a sua inserção e importância nos países de destino.
Importa rever comportamentos e libertar-nos de preconceitos que só contradizem a nossa história de permanente abertura ao mundo.
Ninguém é dono do torrão que pisa, nem pode alcandorar-se em açoriano de primeira, de segunda ou de terceira estirpe. Todos, em comum têm a alma, a cultura, os afetos, a saudade e a geografia das ilhas. É este padrão que nos identifica. Aqui ou na diáspora.

1 https://imigrantes.es.gov.br/Imigra.aspx
2 https://nea.ufsc.br/artigos/artigos-joi-cletison-2/

José Gabriel Ávila*

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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