Diário dos Açores

Com lista de espera ou sem lista de espera

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Quando estou na Terceira, todos os dias leio o Diário Insular no Atanásio e o dia 12 de Julho não foi excepção.
Por uma decisão editorial ou coincidência feliz ficaram lado a lado nas folhas 6 - “Mais de 10.000pessoas aguardam por uma operação nos Açores - Lista de espera cirúrgica aumenta em Abril e Maio “, e 7 - “Sistema de incentivos com 360 milhões de euros”.
A folha 6 era um filme de terror para os que aguardam por melhorias na saúde, prometidas pela Autonomia desde há dezenas de anos e individualmente falseadas pelos sucessivos Governos, para os que sofrem todos os dias aquilo que a Autonomia lhes reservou e foi acumulando ao longo dos anos.
Se já é civilizacionalmente indesculpável que existam listas de espera e com prazos até dois anos e mais ainda, pior é que continuem a aumentar, para desespero de quem aguarda pelo menos um pouquinho de transparência e informação; há pessoas que durante seis meses nem recebem qualquer informação sobre como vai a sua lista de espera.
Mas não é coisa que os preocupe muito, tanto os anteriores como estes, a realidade é que muito raramente lá vão com o sistema de Salazar que adoptaram com muito gosto: “Um país duas saúdes”  ou, neste caso, “Uma Região duas saúdes”.
E pior ainda, desviaram dinheiro que era da Saúde e nela foi aplicado, mas na deles, ainda antes do Plano da Roubalheira e da Rapinagem se instalar, 20 milhões a fundo perdido e sem contrapartidas nenhumas para construir um Hospital na Lagoa que lhes evitava terem de ir sempre a Lisboa.
Se tivessem negociado por exemplo 1000 operações nestes anos, nas disponibilidades do HIA, parte desta situação não se tinha instalado, e agora que autorizaram a transferência para a CUF terão posto algumas condições?
Se parassem de atirar as culpas para os hospitais e as corporações da saúde (que deixam andar em roda livre) e dessem condições talvez os prazos fossem aceitáveis.
Mas, claro que a “nossa” CE e EU e outras pseudo Europas nem querem ouvir falar de pura e simplesmente pagar seja a quem for para resolver as listas de espera dos pobres, porque é disso que estamos a falar, de discriminação da inclusiva “Autonomia “ aos mais pobres.
Na folha 7 é o “Construir 2030”, 360 milhões de euros a fundo perdido para os amigos de cá e de fora; já nem é preciso haver corrupção nem tráfico de influências, são os que dizem precisar que escrevem os documentos da distribuição do maná até propaganda para os de fora “Venham estrangeiros que lhes damos dinheiro á vontade a fundo perdido”;  até julgava que tinha sido engano meu ao ouvir na “nossa” RTP-Açores, até andava com o tempo para trás e ouvia de novo várias vezes sem querer acreditar: “Nove oportunidades para o seu investimento de sonho com o novo sistema de incentivos Construir 2030 pode encontrar a solução perfeita de incentivo a fundo perdido para o seu negócio”
Para uns dizem “espera vai-te aguentando não há dinheiro” e aos outros sai já o milhão que pediu sem lista de espera e sem terem de justificar os falhanços a posteriori, dinheiro entrado é dinheiro gasto, como o vemos todos os dias a circular nas nossas estradas e noutros sinais exteriores de riqueza (desculpem já não há disso, até as Finanças omnipresentes a receberem até ao último tostão que devemos já retiraram os mesmos das suas preocupações e das declarações de IRS).
Muitos sistemas pseudo-produtivos que a Autonomia instalou, desde as vacas aos Vinhos do Pico (e estes ainda produzem qualquer coisa), e muitas outras sinecuras permanentes, são falsos negócios, porque adulterados todos os anos com subsídios compradores de votos.
Veremos o que acontece às novas vacas, o turismo de massas, quando houver uma crise como a que se adivinha já no horizonte próximo.
Ainda acabamos com mais um monte de despedidos às costas e a subsidiar a minoria que realmente vem lucrando com o turismo de massas micaelense, terceirense e picoense, á custa do bem-estar da população em geral.
E que, pelos vistos, tem uma ideia bipolar do que são receitas a anunciar os sucessos do turismo de massas e receitas para pagar impostos que são muito diferentes, e devo ser eu que não sei fazer contas, mas faltavam uns milhões do lado dos impostos.
Mas esperemos que o milagre económico se mantenha e que esse dinheiro todo que corre como as ribeiras sempre para os mesmos sítios permita a este ou outro governo pelo menos parar um momento e resolver o problema terrível de muitos dos que estão nas listas da vergonha açoriana.
E que este ou outro que venha não tente matar o mensageiro ou eliminar a mensagem, como em França, ou no nosso Portugal (que teria de separar deste escrito ou faria os Açores brilharem; por cá, que eu saiba, ainda não se morre à espera nos corredores das urgências ou na rua sozinho numa ambulância, ou com 35 anos se é enviada para casa com um bebé e morrem os dois).
Para terminar, apenas o caso de França e um pequeno grande ponto do “LePoint” sobre a liberdade de imprensa e a lei de 1881 que a defende.
Há dezenas de anos que o “LePoint” publica uma classificação dos Hospitais que sempre foi considerada um ponto de consulta generalizado e que, como a nossa, dos estabelecimentos de ensino, nunca pretendeu estar acima de críticas ou reparos, evitar a comparação com outras classificações com outros horizontes ou o diálogo em geral.
Este ano o governo Macron pretende intervir na elaboração da classificação nos mais pequenos detalhes, ameaçando cortar o acesso aos dados através de uma multiplicidade de burocracias.
Termina o “LePoint” afirmando claramente que é uma censura de classe e que quem a faz sabe onde é melhor ir para obter tratamento de qualidade mas não o pode afirmar em público (onde já vimos isto em Portugal?).
Por cá, apenas uns pequenos subsídios aos jornalistas, perdão às empresas, para ajudar nos salários, enfim, não faz mal desde que não lhes peçam nada em troca.
É pena que os mais desfavorecidos da sorte não tenham capacidade de organização e reivindicação, porque se tivessem, bastaria parte dos 10 mil da lista de espera e um familiar descontente para serem eles a decidir o próximo governo.

João Paim Vieira *

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