Diário dos Açores

A Europa como lugar preferido

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O que nos estão dizendo esses milhares de desgraçados que chegam às costas europeias em condições lastimosas, quando não naufragam os frágeis barcos em que viajam e morrem pelo caminho, é que o nosso Velho Continente se configura como o lugar da abundância e, talvez mais ainda da segurança, que lhes estão faltando nos seus países de origem.
Esta situação coloca problemas muito melindrosos aos países da Europa e à própria União Europeia. Por um lado, é óbvio que não podemos acolher todos os infelizes do Mundo; mas por outro, também não podemos escorraçar quem nos bate à porta em condições verdadeiramente desesperadas. Estamos confrontados com um sério problema!
O mais fácil é fingir que não se passa nada, enquanto a questão não nos afecta directamente e às nossas praias não chegam embarcações carregadas de pessoas, oriundas da África ou da Ásia, incluindo velhos, mulheres e crianças, muitas delas órfãs e sem ninguém que delas cuide. A Itália e a Grécia, tal como a Espanha e a França, com larga exposição ao Mediterrâneo, não podem ignorar a situação, que quase diariamente, sobretudo na época de Verão, lhes chega a casa. Mas agora até ao Reino Unido viajam os mesmos imigrantes ilegais e também no Algarve já houve desembarques de tal género. Recordo que o problema desse novo “boat people” começou nas Canárias há já bem mais de uma década, e que os territórios espanhóis do Norte de África, outrora portugueses, de Ceuta e Melila, têm também sido alvos de abordagem por pessoas desesperadas, em busca de melhores condições de vida, que julgam existir nos países europeus.
Ora acontece que um pouco por toda a Europa vai alastrando uma séria crise económica ,com reflexos na sociedade, sensível no desemprego, na alta do custo de vida e nos problemas da habitação. Há um mal estar larvar nos nossos países, que transparece no discurso xenófobo e até racista dos partidos radicais e extremistas, os quais, não estranhamente, aparecem com crescente número de apoiantes e mesmo votantes em eleições democráticas e hoje fazem  parte de maiorias parlamentares e até de governos em alguns países da União Europeia.
Em tais circunstâncias, delinear uma política de acolhimento para os imigrantes ilegais é muito difícil. Estamos muito longe da situação alemã ao tempo da crise de imigração síria, com a então Chanceler Ângela Merkel a dizer que era capaz de receber e enquadrar socialmente um milhão de imigrantes, o que foi feito, não sem alguns problemas de ordem pública, que incluíram incêndios de centros de acolhimento e uma subida da votação do partido de extrema direita nas eleições seguintes.
Os governos italiano e grego apelam para os órgãos dirigentes da União para que promovam soluções solidárias, que permitam repartir o encargo de acolher os pobres africanos e asiáticos pelos vários estados-membros. Todos - ou melhor, quase todos - estão de acordo, mas daí nada se segue e há relatos de pessoas retidas em condições infra-humanas em autenticos campos de concentração nas ilhas gregas, esperando e desesperando por uma resposta aos seus pedidos de asilo político ou simplesmente de imigração.
Sob este ponto de vista o Governo Britânico não esteve com hesitações e já nos tempos do Primeiro Ministro Boris Johnson negociou a transferência para o Uganda dos requerentes de asilo, enquanto se processa o seu pedido, que se antevê decorra num tempo bastante longo... Tanto quanto é sabido não houve alteração recente de tal procedimento.
O Governo Português declarou-se disponível para acolher alguns desses imigrantes, mas os recentes acontecimentos, envolvendo a descoberta de fenómenos de exploração de mão de obra asiática e as condições de vida proporcionadas a tais trabalhadores, deveras vergonhosas, travaram as pretensões de fazer um brilharete. Acresce que o problema da habitação está a bater forte, um pouco por todo o país, acrescido com os despejos de casa arrendadas há muito e recentemente vendidas a fundos financeiros, que as pretendem refazer para condomínios de luxo, a vender a estrangeiros, ou então alojamentos locais para finalidades turísticas. Como quer que seja, há pelos vistos muitas famílias ameaçadas de ficar na rua, alojadas numa tenda ou em condição de sem-abrigo.
Claro que a solução certa era ter ajudado os países de origem dessas pessoas em grande necessidade, para que pudessem prosperar e dar uma vida boa aos seus naturais. Para isso se desenhou em tempos o “Processo de Barcelona”, quando a questão da imigração se punha em especial para os milhões de jovens dos países da África do Norte, que olhavam cobiçosos para o bem-estar da Costa Norte do Mar Mediterrâneo. Escusado será dizer que não passou do papel, porque veio logo o aperto financeiro necessário à desejado implantação da moeda única europeia.
Agora o problema tornou-se mais vasto e até planetário. Haja em vista o que diariamente ocorre na fronteira dos Estados Unidos, com milhares de pessoas que chegam a viajar a pé desde os seus países na América Central e do Sul para tentarem saltar o muro ou quebrar as vedações de arame farpado, construídas nos tempos do trumpismo, mas ainda não derrubadas. Estamos confrontados com um verdadeiro êxodo dos pobres do Sul do planeta, em busca da segurança e do bem-estar que tranquilamente temos gozado nos países livres e democráticos do Hemisfério Norte. Infelizmente, não me parece que vá ser fácil resolver o problema e que tudo acabe bem

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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