Diário dos Açores

O Direito à indignação

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Muito se tem escrito sobre o estado de abandono e de desinteresse do poder político pelo Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada. Neste contexto assumiu grande expectativa a recente visita do presidente do Governo Regional àquele Hospital. Num hospital votado ao abandono, naturalmente não tinha nada para inaugurar, o que não retirou importância à visita. Visita de trabalho, certamente aproveitada pela equipa responsável pela gestão do Hospital para sensibilizar o Presidente do Governo Regional para as necessidades mais prementes de um hospital sem condições para dar resposta a mais de metade da população dos Açores.
Um hospital crónicamente subfinanciado, que não acompanhou o exponencial crescimento da tecnologia de diagnóstico e tratamento e cujos profissionais de saúde não têm condições para prestar um serviço de qualidade para o qual estão preparados.
A situação  tem vindo a agravar-se, com monitores de sinais vitais de vários Serviços obsoletos.  
A esperança na mudança foi alimentada pelos “milhões” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a serem investidos na área da saúde, mas o que temos constatado, até agora, é que os “milhões” do PRR têm vindo a ser aplicados noutros hospitais da Região com equipamentos de última geração para aumentar a capacidade instalada. E, porque os novos equipamentos precisam de menos tempo para realizar os exames, vêm dar resposta às listas de espera de um Serviço de Imagiologia, que o Governo Regional reconhece que tem “algum significado”.
É caso para os doentes do Hospital de Ponta Delgada perguntarem ao Governo se a lista de espera com mais de um ano de cerca de 4000 TAC`s, e com doentes oncológicos que não fazem o controle da doença à espera do TAC, tem algum significado para o Governo Regional. Num hospital que chegou a cancelar biopsias para detetar a doença oncológica, perante o desespero dos doentes e a indignação dos profissionais de saúde. Aconteceu e acontece em Ponta Delgada, uma das zonas de maior risco de mortalidade por cancro em todo o país.
É também uma indignidade que doentes em fim de vida, internados no Serviço de Cuidados Paliativos do HDES, estejam a sofrer a angústia de não terem médico para os acompanhar da meia-noite às oito porque o Hospital cortou nas horas extraordinárias. Entre eles estão doentes em fim de vida à espera da hora de partir.
À espera por uma cirurgia continuam mais de 6000 doentes. É caso para questionar onde pára a Entidade Gestora do Utente em Espera, criada por este Governo para gerir as listas de espera, com poderes para transferir para o exterior  os doentes sempre que o Hospital ultrapasse o tempo máximo de resposta garantido, que numa cirurgia não prioritária é de 270 dias.
Preocupante é também o Serviço de Oftalmologia que está em situação crítica de  rutura. A partir de  Janeiro vai ficar apenas com um médico. O Serviço de Nefrologia está com a capacidade esgotada e a Unidade de Genética do Hospital precisa de evoluir para equipamentos de nova geração porque os atuais estão descontinuados.
A situação financeira do Hospital é preocupante, com pagamento a fornecedores a 180 dias, enquanto nos outros dois hospitais da Região é de 90 e de 120 dias. A dívida a fornecedores no final do primeiro trimestre era de 74,4 milhões de euros. Notícia de última hora revela que entre Junho de 2022 e Junho de 2023, o HDES duplicou o resultado negativo passando de -6,7 milhões de euros no período homólogo anterior para -13 milhões de euros. Resultado bem significativo do subfinanciamento do HDES, onde até os elevadores avariam com frequência por falta de manutenção.
O Governo Regional prevê investir 30 milhões de euros do PRR na área da Saúde. Quanto irá caber ao Hospital de Ponta Delgada? Na sua visita ao HDES, o Presidente do Governo deixou o compromisso de investir cinco milhões de euros no Hospital. Será suficiente para acudir ao estado de “abandono e degradação” que o Presidente do Governo constatou durante a sua visita?
Na recente inauguração das obras de remodelação do Centro de Saúde das Velas, em São Jorge, José Manuel Bolieiro reconhece o “direito à indignação”  dos jorgenses sobre o “abandono” do Centro de Saúde das Velas por anteriores governos. Por maioria de razão, e porque o HDES não serve só um concelho nem uma só ilha, os micaelenses têm direito à indignação pelo abandono a que o Hospital de Ponta Delgada foi votado pelos anteriores e atuais governantes.


Teresa Nóbrega*
*Jornalista

 

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