Diário dos Açores

Jovens com papel de adultos

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“A M. tem 16 anos vive com a irmã de 8 anos e com a mãe. Como a mãe trabalha fora da localidade que vivem, é necessário deslocar-se de transporte público desde muito cedo regressando a casa tarde. Cabe à M. na maior parte das vezes ir buscar a irmã à escola ou ao ATL, falar com a educadora, uma vez que a mãe está a trabalhar, inscrever na patinagem, buscar e ir levá-la aos treinos, ajudá-la com os trabalhos de casa ou tarefas diárias, entre tantas outras tarefas. Ajuda a mãe com o jantar, assumindo muitas vezes esta tarefa, assim como outros afazeres domésticos. A M. preocupa-se com a irmã, que esta seja uma boa aluna, que seja educada e que saiba ouvir um não.”
O testemunho desta jovem assemelha-se a muitos outros, que por força das circunstâncias da vida acabam por assumir precocemente um papel que não é o deles, a isto dá-se o nome de parentificação, que consiste na atribuição de funções inerentes ao sub-sistema parental a um ou mais elementos do subsistema filial. Isto é, o filho parentificado assume funções e poderes que cabem aos pais pelo que a parentificação implica a inversão de papéis e está relacionada com uma perturbação das fronteiras intergeracionais.
Há jovens que tendo em conta as características da sua personalidade, mais altruísta, sentido prático, foram “obrigados” a amadurecer mais precocemente assumindo um papel que não é o deles. Por outro lado, encontramos pais que por diferentes fatores, talvez porque foram pais muito jovens, ou derivado a histórias de vida muito sofridas, ou mesmo por características de personalidade mais insegura, baixo autoestima, ou outros, acabam por se acomodar em que outro ocupe o seu papel enquanto figura parental, mesmo que seja o próprio filho.
De salientar para o cuidado da relativização da parentificação, por vezes acontece socialmente acharmos que é normal, que o jovem está só a ajudar e até comentamos “que jovem madura” ou “vem a filha porque a mãe está a trabalhar”. No entanto a parentificação consiste no assumir um papel parental constantemente e não algumas vezes. Assim, o jovem deixa de viver a fase normativa do seu desenvolvimento para assumir responsabilidades para as quais ainda não está preparado emocionalmente ou mesmo psicologicamente. Estudos indicam que a parentificação contribui muito para a probabilidade de no futuro estes jovens virem a desenvolver doença mental.
Importa assim, enquanto profissionais e população em geral, estar atentos às famílias e ao desempenho dos seus papeis, identificando se ocorre parentificação, sinalizando/referenciando para os cuidados de saúde primária (exemplo: médicos, psicólogos, professores, assistentes sociais, etc.) de forma a se conseguir agir o mais precocemente possível.

Fique bem, pela sua saúde e a de todos os açorianos!

Um conselho da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Catarina Cordeiro*
*Psicóloga

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