Diário dos Açores

Porque é que os preços não baixam?

Previous Article Rua... sem dó nem piedade

Diário inconveniente

Há um mistério crónico no mercado regional que ninguém ainda soube decifrar: porque é que os preços, dos produtos em geral, são mais caros nos Açores?
O IVA é mais baixo do que no resto do país, os impostos das empresas também, mas olhamos, por exemplo, para a inflação dos produtos alimentares da região e ela está, desde Abril, a subir, ficando agora nos 15%, mais do dobro do que a taxa de variação homóloga mensal da região.
A taxa de inflação dos produtos alimentares não transformados está nos 14,40%, quando há um ano estava nos 1,83%.
Por sua vez, a dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas está nos 15,18%, quando há um ano era de 3,62%.
Estamos nisto, de preços altíssimos em bens essenciais, desde o início do ano, mesmo com aplicação do IVA zero em mais de 40 produtos alimentares, enquanto que no Continente nota-se uma descida destas taxas.
Como se explica isto?
No ano passado diziam-nos que era a pressão dos produtos energéticos, mas o argumento não colhe este ano, porque a taxa de inflação nesta categoria desceu abruptamente.
A explicação mais corrente, que já vem de longa data, é que a culpa é dos transportes.
Ora bem, chegados aqui, que é o que nos interessa para o efeito desta crónica, a pergunta que se impõe é porque não se faz um levantamento ou estudo sobre a influência dos preços dos transportes nos produtos vendidos ao consumidor na região?
Esta seria a lógica de qualquer estudo sobre transportes marítimos de mercadorias. 
Ou seja, é verdade ou não que o modelo de transportes agrava os preços dos fretes e, consequentemente, é repercutido pelos empresários no custo final?
Ora bem, o Governo dos Açores mandou fazer um estudo com vista à eventual escolha de um novo modelo de transportes marítimos de mercadorias, só que, em vez de responder às tais questões fundamentais de eficiência (menos custo) e de eficácia (melhor serviço), apenas dá cobertura a mais um arranjinho político, que a coligação se prepara para decidir, criando mais do que um ‘hub’ e agravando os custos do actual modelo, prejudicando novamente S. Miguel, onde a coligação está a pôr-se a jeito.
O Comandante Lizuarte Machado, uma das maiores autoridades nesta matéria, já veio desmontar todos os argumentos e cenários do estudo, classificando-o de “muito fraco”, conforme publicação no “Diário dos Açores”, e o CEO da Transinsular também já alertou para a gravidade da escolha de um modelo que venha a agravar os preços, conforme entrevista concedida ao “Correio dos Açores”, onde defende o actual modelo, mas com melhorias.
É a posição dos armadores desde sempre: não mexam que estamos confortáveis assim.
O problema é ter coragem para mexer com custos de eficácia, mas há muita gente interessada que tudo se mantenha na mesma ou, para mexer, que seja para criar mais capelinhas de ilha.
Por agora a questão continua como há vários anos: temos um sistema de transportes muito caro, por opção política da sua formatação, mas as autoridades políticas não dão a devida compensação às empresas pelos custos extra que o modelo acarreta.
 A consequência é que temos transportes super caros, que custam não só nas exportações como também nas importações. E como importamos muito mais do que exportamos temos custos acrescidos muito agravados.
Há muitos anos que a nossa Região prefere proteger o orçamento público, para depois gastar em espetáculo político e massacrar silenciosamente a economia.
De resto, nunca ninguém propôs um modelo com preços diferenciados para as ilhas, mas sim um modelo com preço competitivo, e o serviço público para as ilhas que precisam, a ser suportado pelo governo. 
Foi, aliás, o que foi feito com o transporte aéreo, com impactos muito maiores.
A história da vantagem deste modelo para a exportação de gado vivo é outro anacronismo. 
O transporte de gado vivo está a acabar e deve acabar, exceto em situações extraordinárias. 
A estratégia deve ser valorizar o gado onde ele é criado e não exportá-lo sem valorização para o exterior.
De resto, como muito bem explica o Comandante Lizuarte, os custos do transporte correspondem aos custos diretos mais os custos decorrentes da distância a percorrer, crescendo com esta e sendo geralmente combatidos com melhor gestão portuária e com as economias de escala geradas pelos grandes navios.
É ele que também denuncia que, “considerando a oferta nominal em cada porto, por não conseguir considerar a capacidade disponível dado não saber a carga que a cada momento se encontra a bordo, temos taxas de ocupação que variam entre um mínimo na Graciosa, de 1,12%, e um máximo em Ponta Delgada, de 56,5%. Daqui se conclui que, mais uma vez, se privilegiou a garantia da prestação do serviço em detrimento da eficiência na afetação de recursos, única forma de, neste enquadramento, se conseguir os resultados desejáveis, tal como definidos no regulamento da cabotagem insular”.
Outro especialista açoriano, Luís Machado da Luz, doutorado em Sistemas de Transportes pela Universidade de Coimbra, profundo conhecedor do nosso sistema de transportes nas ilhas, publicou também um artigo esclarecedor no “Diário dos Açores”, desmontando algumas partes do estudo, concluindo “que nada de profundamente inovador terá resultado do estudo da VCDuarte, uma vez que o problema com que os Açores se confrontam desde há cerca de 30 anos é um problema de âmbito logístico, não de âmbito exclusivamente associado ao transporte marítimo”.
Resumindo tudo, nunca se olha para a eficiência do modelo, mas para quem beneficia dele e para calar, politicamente, as vozes críticas de algumas ilhas.
Este estudo e a comissão que vai estudar o estudo são pretextos para o governo lavar as mãos da decisão polémica que vai tomar, com o risco de agravar os custos, que acabarão, sempre, por serem pagos pelos consumidores finais, sobretudo os das ilhas mais pequenas.
No último fim de semana falou-se tanto de investimentos e o governo anunciou mais um estudo para atrair investidores.
Quem é que quer vir investir numa Região que não consegue organizar um sistema de transportes marítimos favorável às nossas exportações?
Como atrair investidores se os seus produtos para exportar serão mais caros e, consequentemente, menos competitivos, devido a um sistema de transportes anquilosado e que só beneficia clientelas?
Chegados aqui é preciso denunciar que os Açores estão capturados, há muitos anos, por lobbies políticos e empresariais de ilha em matéria de transportes marítimos de mercadorias.
A nossa Região paga mais facilmente 40 milhões de euros de renda para as SCUT de S. Miguel, mais 15 milhões para a Parceria Público Privada do Hospital de Angra, e não consegue um sistema mais eficaz e barato para os transportes marítimos.
Andamos nisto há vários anos e o ovo de Colombo foi apenas para os transportes aéreos, porque as pessoas dão votos, já as mercadorias é coisa que se dilui nos preços dos supermercados sem ninguém reparar.
No meio disto tudo, há por aí muita gente a enriquecer à custa dos cidadãos consumidores, os últimos da linha que estão sempre a pagar estes erros dos decisores políticos.
Os conformados dirão que são os Açores que temos, com quase 50 anos de Autonomia.
Nem para nós sabemos decidir.

Osvaldo Cabral
osvaldo.cabral@diariodosacores.pt

Share

Print

Theme picker