Diário dos Açores

Cuidar da atualidade descuidando a memória

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Opinião

Em termos de divulgação pela imagem, som, escrita ou redes sociais, a atualidade cada vez mais está sendo tratada descuidando, leviana ou deliberadamente, da memória a que ela está ligada, e transformando, por essa via, a sua divulgação isenta e factual em manipulação do conhecimento e das consciências, de acordo com certos e determinados interesses.
Assim está a acontecer com os ataques surpresa de sábado passado desencadeados pela resistência palestiniana sediada na faixa de Gaza contra Israel, ou melhor, contra o território palestiniano sob domínio israelita.
De imediato foi lançada pelo chamado mundo ocidental, aquele em que vivemos, uma campanha de solidariedade com Israel, contra os loucos e hediondos ataques terroristas perpetrados pelo grupo Hamas sobre o seu território, que fizeram inúmeras vítimas civis e outros tantos reféns israelitas.
Porém, para além destes factos (que são reais e mesmo condenáveis em si), muito pouco ou nada foi adicionado aos acontecimentos, manipulando-os deliberadamente. Em nome do rigor, seria necessário enquadrar este episódio bélico, na guerra que se trava no território da Palestina, desde que foi iniciada unilateralmente a sua ocupação político-administrativa pelo Estado de Israel, em1947, por imposição da Inglaterra. É uma guerra prolongada e sem fim à vista imposta a um povo, o povo palestiniano, que foi sendo remetido para espaços territoriais cada vez mais exíguos, sendo todos os dias violentado e escorraçado do seu território natural pelo ocupante, o exército israelita, a quem nenhum dos nossos informantes chama terrorista, apesar de só desde o início deste ano, já ter matado mais 190 crianças palestinianas (90 só nos três últimos dias). Apesar de bloquear, na faixa de Gaza, cerca de 2 milhões de palestinianos, há 16 anos, controlando o abastecimento geral de água e eletricidade, fechando milhares de fábricas, oficinas e negócios, condenando à pobreza (rendimento médio inferior a 2 euros) e ao desemprego (incluindo dezenas de milhares de licenciados) mais de 70% dos seus habitantes. Apesar de já ter lançado 3 guerras sobre este território, matando aos milhares e milhares e mantendo de momento sob prisão cerca de 6000, muitos deles sem acusação. Apesar de ignorar todas as resoluções da ONU sobre ocupação ilegítima de território e de negar o direito à constituição do Estado da Palestina. Apesar, apesar …
A nível mais doméstico, mas sofrendo igualmente de descuido de memória na informação, temos as recentes declarações públicas do Governo dos Açores a reivindicar, perante as estruturas comunitárias, a criação de um POSEI Transportes para contrariar os obstáculos económicos da ultraperiferia.
Sem deixar de saudar plenamente esta justa reivindicação, seria útil informar que ela, já muito antes era reivindicada pela CDU e constava precisamente do programa eleitoral da sua candidatura nacional ao Parlamento Europeu em 2019. Informar que depois destas eleições, os deputados do PCP mais uma vez propuseram a sua execução a qual foi, entretanto, rejeitada pelas prioridades da militarização da União Europeia e da chamada Política Agrícola Comum (PAC), entretanto subscritas pelos deputados do PSD e do PS. 
Além da atual mudança da posição do PSD/Açores sobre esta matéria, poderá o Governo das direitas coligadas dos Açores garantir que agora terá do seu lado os deputados do PSD no Parlamento Europeu, e que estes votarão ao lado da CDU logo que esta força retome a proposta? Ou serão simples contas eleitoralistas e inconsequentes à volta de uma justa reivindicação pela qual outros se empenham há muito?


Mário Abrantes 
 

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