Diário dos Açores

As semanas de estudo da Autonomia

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Opinião

Depois de terem sido reactivadas, em 2021,numa colaboração com o Azores 2027, com sessões, em Ponta Delgada e na Horta, dedicadas a pensar a cultura nos Açores, as Semanas de Estudo, gesto maior do Instituto Açoriano de Cultura, voltaram a acontecer no último fim-de-semana. Para quê? Para pensar a questão da “Lei do Mar”, assunto que merece toda a preocupação dos açorianos.
Quando, em reuniões recentes do IAC, se falou da premência de se falar da questão do mar, surgiu a ideia de tratar do Direito do Mar. Matéria decisiva numa altura em que os Açores procuram ter uma palavra sobre os destinos do mar que circunda o arquipélago.
Colocam-se perguntas no momento: poderá ou não haver poderes partilhados entre a República e a Região na gestão do seu espaço marítimo adjacente? Pode haver vários graus de partilha e de gestão em conjunto no que toca ao mar? Poderá, algum dia, o Tribunal constitucional ser sensível à participação das Regiões Autónomas no que toca a esta questão?
Alguns dados recentes alinhados em cima da mesa – retirados, ipsis verbis, de notícias. Em julho de 2022, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais duas normas da designada Lei do Mar, aprovada em 2020, que prevê a gestão partilhada do espaço marítimo entre a República e as regiões autónomas. Recentemente, houve uma posição do Governo dos Açores a considerar inconstitucional a proposta apresentada pelo Governo da República no parlamento, que altera a Lei de Bases do Ordenamento do Espaço Marítimo, relegando o papel das autoridades regionais a um simples “procedimento de participação” (idêntico ao que está previsto para municípios e associações), quando estiverem em causa questões relacionadas com as suas águas territoriais.
No entretanto, há dias, foi celebrado um Protocolo entre a Marinha e a Escola do Mar. Gouveia e Melo, Chefe do Estado Maior da Armada, que se deslocou aos Açores para a apresentação do projeto da pista de drones a ser construída na freguesia da Praia do Norte, ilha do Faial, declarou o desejo de que “o mar português, no seu todo, seja aproveitado por todos. Para que esse mar tenha um valor económico”. Ou seja: sem o dizer de modo explícito, tocou no ponto do valor económico, a necessitar de ser partilhado sob o ponto de vista das decisões.
Álvaro Dâmaso, Hugo Ramos Alves e Francisco Monteiro da Silva, os três palestrantes, todos juristas – perante uma assistência participante e a ausência estranha e escandalosa da comunicação social – trouxeram preciosos pontos de vista para a discussão. E, não tenhamos medo de assumi-lo, para o combate necessário.
Hugo Ramos Alves, docente (doutorado) na Faculdade de Direito de Lisboa, começou por salientar que que os Açores, pela dimensão da sua área marítima no contexto português, merecem ser um actor de primeira grandeza nesta matéria. Referiu que o arquipélago “pode (e deve) testemunhar o desenvolvimento de novos negócios marítimos alicerçados na dita economia azul, sem descurar a pesca ou os transportes marítimos”. Apontou as áreas emergentes do ecoturismo, da biotecnologia, da aquacultura, da exploração de recursos minerais e da investigação científica, a exigir uma componente importante de conhecimento e de especialização. 
Deixou ainda uma ideia original: “Bem vistas as coisas, poderia ser hipotizada a criação de uma Agência Marítima Portuguesa, à imagem da Agência Espacial Portuguesa, que, como é sabido, terá sede na Ilha de Santa Maria, precisamente nos Açores”. É para isso que as Semanas de Estudo também servem – para ajudara construir novas soluções.
Álvaro Dâmaso, autor do (recente) livro “Autonomia Política e Razão de Estado – Quinhentos Anos de Antinomia”, entre outros gestos, destacou o Tratado de Alto Mar, assinado a 20 de Setembro de 2023, que, entre outras obrigações, estabelece um comando legal para a ampliação das áreas de protecção ambiental e inclui uma disposição para a partilha de recursos genéticos marinhos, tais como material biológico de plantas e animais. Tudo isto considerando benefícios derivados, como produtos farmacêuticos e alimentos. Conclui, por motivos vários, impossíveis de inserir, na totalidade, neste texto, que a sentença do Tribunal Constitucional é condicionante e centralizadora. Acrescentou uma observação luminosa: “Se idêntica legislação recaísse sobre a exploração do subsolo insular, ainda hoje os Açores não disporiam do seu programa geotérmico”.
Acerca da intervenção de Francisco Monteiro da Silva, que está a preparar a defesa da sua tese de mestrado nesta área, a defender na Universidade Nova de Lisboa, falarei no próximo artigo. Apenas digo que é fabuloso haver, entre os jovens açorianos, quem, usando do seu conhecimento técnico, vá defender a Autonomia dos Açores em território que pouco ou nada a percebe. Precisamos de gente assim.

Nuno Costa Santos

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