Diário dos Açores

COMPADECER E COMPAIXÃO

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Como curar as chagas e feridas deste mundo?

Quem se aproxima de quem precisa não retira do seu tempo, acrescenta e acrescenta-se. Quem doa, doa-se. O Tempo não é dinheiro, o Tempo é Doação, que Deus multiplica imensamente.
A Bíblia Sagrada tem imensos episódios e parábolas que nos faz nutrir de Compaixão, que é, de outro modo, o Amor, Agapê.
Quem foi o bom samaritano? Já há muito fiz - e publiquei, em parceria -, uma leitura e exegese da Parábola do Bom Samaritano, desde logo sentimo-nos compadecidos do que é bom, de quem sofre, se o outro está em nós e a sua dor é também a nossa dor. A Cruz é Una, feita com os pecados de todos nós, do tempo de Jesus, e de todos os tempos. Como explica nós estivemos lá a crucificar Jesus, a tornar pesada a Sua Cruz, porque as cruzes do Mundo não são salvíficas, a não ser que se transfigurem em luz.
Na Parábola do Bom Samaritano Jesus é perguntado: “E quem é o meu próximo?”. O mais próximo de nós é quem nos habita, é o próprio Cristo que em nós desperta sempre uma atitude de compadecer, de (Com)Paixão, de Compaixão. Mas temos essa Compaixão? A Compaixão está em nós como potência de ser, como um com - padecer. Paixão vem de “pathos” que é, simultaneamente, sofrer e amar, sofrimento e amor. Por isso o Culminar da Paixão de Cristo por nós é a Cruz, de onde todos se afastaram, mas João e Maria permaneceram junto à Cruz de Jesus porque estavam na Verdade.
Jesus narra a Parábola do Bom Samaritano. (Lucas, 10: 25-37). “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu em poder dos salteadores, que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto. “(…) O Sacerdote “passou ao largo” (ninguém é próximo se não se chega, o amor não estava no seu coração) passou um levita, também não se aproximou, “Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de piedade”. O Abandono é doloroso.
Primeira atitude, o levita aproximou-se. A compaixão decorre da e move-se para a aproximação, do sentir “piedade”, con-doer-se. Afinal o estranho, o estrangeiro, viu um irmão seu caído, que precisava de ajuda. Nada disso é possível sem um ato de com-padecer e de com-paixão. (é outro em mim, mas esse Outro só pode ser Cristo, no nosso Sacrário interior, seguir Cristo é aprender a amar, compreender o despojamento, a penúria existencial na qual pode estar a luz que brilha na ressurreição). Vejamos como o ato de compaixão em Cristo e nos Santos está na aproximação aos doentes, aos pobres e aos presos. Todos estão feridos, de tantos modos. Quem se aproxima não é um samaritano, mas o BOM SAMARITANO, que vê com a carne que se lhe sangra e sofre e sente-se impelido a dar-se e a doar-se. Afinal, o Bom Samaritano é aquele que se vê no outro e sente o outro em si. É assim o pulsar de um Coração com Compaixão.
Sigamos os passos do Bom Samaritano: “Aproximou-se, ligou-lhe as feridas (…) levou-o para uma estalagem e cuidou dele. “. Cuidar e cuidados, eis o verbo e o substantivo que mostra o movimento da misericórdia em ato, em intenção e ação, em (pre)ocupação. No final da passagem bíblica, Jesus confronta o “doutor da Lei”: Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?” Respondeu: “O que usou de misericórdia para com ele”. Jesus retorquiu: “Vai e faz tu também do mesmo modo”. Perguntou ao “doutor da Lei”, mas Jesus remete para a lei do Amor. Foi essa a lei que Cristo veio trazer, para sempre. É nesse amor que está o núcleo de se ser pessoa.
Mas há muitas passagens bíblicas em que Jesus mostra a sua misericórdia, a sua compaixão. O verbo compadecer, como atitude de ser, leva-nos a despojarmo-nos e a elevarmos quem precisa da nossa ajuda, esse elevar implica baixar-se na valeta, implica sujar a nossa roupa na lama da valeta. Elevar implicar aproximar-se até ao chão. Por isso ensinar ou é vocação e missão ou não atinge as suas finalidades essenciais. Vejamos a seguinte passagem no Evangelho segundo S. Marcos (Mc. 34): “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-Se deles, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, então, a ensiná-los demoradamente. (…)”. Vejamos. Cristo “viu uma grande multidão” mas essa/a multidão não era - não é - uma massa anónima, logo o narrador sacro afirma: “Compadeceu-Se deles”, são pessoas concretas, de carne e osso, que precisam de um Pastor, que “começou, então, a ensiná-las demoradamente”. Ora, vendo bem, ensinar a Verdade é uma obra de misericórdia. Mas esses ensinamentos visam a pessoa toda, visa fazer com que as pessoas, nós, nos libertemos do pecado, ensinar, é como fazia Sócrates e Platão, é tirar os grilhões da escravidão que é a condição de nos libertamos e assim alimentarmos o corpo e o espírito com conhecimentos saudáveis, nutritivos, alimentícios. Não é por acaso que essa passagem bíblica se refere ao milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Ora, para alimentar bem, e para que cada um se liberte mediante a Palavra, a busca do alimento leva uma pessoa que procura o saber para se saciar, uma procura constante, todos fome e sede de conhecimento e de Verdade. Será? Num mundo doente, que não quer aprender, no fundo tem de haver compaixão para despertar a fome e a sede de liberdade. Tudo isso vai na direção da compaixão, para ajudarmos a curar as feridas e as chagas da sociedade, com tanta pobreza social, num mundo à procura de Deus, como os peixes na água anda à procura de Água. O “Mestre Interior”, de S. Agostinho, faz essa viagem à procura de nós, dentro de nós, mas perdidos no mundo. É preciso termos compaixão de quem vive na alienação sem Deus. E todos corremos esse risco, o risco de um “ataque espiritual”. E nós andamos à Procura do Deus Vivo, que, em Cristo, manifestou a Sua Compaixão por nós? É tempo de meditar.
Emanuel Oliveira Medeiros

O Facebook tem-me ajudado a fazer uma reflexão sobre o lugar da Palavra de Deus nas nossas vidas e na vida Contemporânea. Neste sentido tenho partilhado, em liberdade, muitos dos Evangelhos, muitos deles antecedidos de uma reflexão como proposta de Leitura, mas partilhando os Evangelhos, na íntegra, de modo que para um possa confrontar-se, pessoalmente, com a Palavra de Cristo que, simultaneamente, nos fala para o Mundo e para o Alto.
Ponta Delgada, 26 de outubro de 2023
Emanuel Oliveira Medeiros
Escrito e publicado, originalmente, na minha Página no Facebook, no dia 26 de outubro de 2023.


No Olhar falam todos os sentidos

Dedico este Texto à minha Mãe e ao meu Pai,
Leontina Maria Oliveira Medeiros e José Manuel Alves Medeiros

No Olhar falam todos os sentidos. No Olhar fala todo o ser da pessoa que é e que conhecemos e que só no olhar manifesta a força, a paz e a serenidade de uma vida. No olhar é toda a vida que se mostra no modo que a pessoa decide olhar no seu íntimo e profundo sentir, nos seus sentimentos e pensamentos que são ou se tornam, na sua essência, um olhar que nos cuida e que exorta cuidados. Olhar é cuidar, é guiar, é dizer tantas coisas na Beleza de falar com movimentos e gestos de luz que nos iluminam e mostram o caminho, também, e essencialmente, o modo de Orar, de abrir caminhos que nos ajudam a ajudar e que nos fazem crescer. No olhar manifesta-se uma Profunda Sabedoria, que nos faz sentir tão pequenos quando pensamos que falar é com vocábulos, saber escutar o olhar é ler no indizível toda a densidade do dizer, da pessoa que se diz toda na plena transparência de olhar e um ouvinte sábio ser capaz de entender o outro pelo seu olhar. É impossível não comunicar e o olhar mais profundo diz tudo na intensidade de fazer falar o silêncio.
Quem ouve o olhar é alguém muito especial que comunica em empatia, também em compaixão que habita um Coração divino, um Coração que chega ao núcleo do ser-se pessoa, na sua Dignidade irredutível, olhar e comunicar é a luz que atravessa e aproxima na compreensão especial que dispensa palavras porque só o Amor aproxima e ilumina, por dentro, a Sabedoria de Compreender, na intelecção que apenas exige predisposição para ser pessoa como a vida nos ilumina desde um tempo primordial, num conhecer intuitivo, que mergulha na essência da vida que se partilha, num face a face que se entende no Milagre de Amar o Próximo, “o Outro totalmente outro”, como nos diz Levinas, fora de qualquer categorização limitativa.
Olhar é Ser e Nascer. Saber escutar o Olhar da outra pessoa é estar em Alegria, em cumplicidade, também no compadecer e na compaixão. Só um profundo olhar de luz desperta a nossa compaixão. Dar-se e doar-se, receber a visita de um olhar é estar à beira do Mistério e ver o Milagre acontecer, em ser, em Amor. Um olhar de amor diz tudo. Um olhar de amor diz tudo e os vocábulos podem, até, ser dispensáveis porque a verdadeira fala só o sentimento a consente e essa fala é a profundidade de uma comunicação que se torna pura luz, a expressão maior de um entendimento de modos singulares de perguntar que é o respeito de saber escutar, de múltiplas formas, de quem se faz entender. Só o tempo e a aproximação, também a familiaridade, ajudam a ensinar a outros como comunicar, como entender e fazer-se entender. O Olhar é Comunicar na responsabilidade de Cuidar, Cuidar-se e Ser Cuidado/a. Só o Olhar limpo e límpido desperta em nós modos infinitos de saber comunicar na Alegria da luz, sem dispositivos técnicos que só impedem a comunicação que se diz inteira num Olhar verdadeiro. A compaixão é a manifestação, a epifania, de Deus-Cristo em nós. A compaixão não é para exibição pública, a compaixão é a Verdade e o Despojamento no Segredo de tudo fazer face ao Olhar e Misericórdia de Deus. Não se instrumentalize a compaixão. A compaixão é, em si mesma, também o ensinamento da Verdade que liberta os grilhões e nos faz Ser. Só tem verdadeira compaixão quem é tocado por Deus e só é Beleza quando todos nos elevarmos e nos irmanarmo-nos.
Ponta Delgada, 31 de outubro de 2023
Emanuel Oliveira Medeiros
Escrito e publicado, originalmente, na minha Página no Facebook.

 

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia  da Educação

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