Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (28):
Diário dos Açores

Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (28):

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Sobre o tal povo que não se governa...

A Ciência da Semana: o papel da comunicação social tradicional nos rumores

“Como é que se espalham online rumores sobre a vacinação: seguindo a disseminação de informações sobre eventos adversos das vacinas COVID-19”, de Tauel Harper e Katie Attwell, publicado na “Revista Internacional de Saúde Pública”, de 30.05.2022, é o artigo que resolvi trazer hoje para discussão.
Com a COVID-19 as autoridades de saúde diagnosticaram uma “infodemia”, caracterizada por desinformação, que circula nas redes sociais. Com o início dos programas de vacinação, ocorreram alguns eventos adversos destas vacinas. E rumores (infundados) circularam.
A Ciência já identificou informações sobre supostos eventos adversos como factores críticos na “hesitação vacinal”: um estudo de 2019 sugere que “a introdução de um pequeno risco, de um evento adverso à vacina, pode prolongar muito um surto”.
Os resultados do estudo que vos trago sugerem que, embora as redes sociais criem e espalhem rumores para além das audiências “tradicionais” dos meios de comunicação social (OCS), em tempo real, a preocupação do público ainda está fortemente relacionada com a cobertura dos OCS “tradicionais”. Estes verificam factos, e impedem a propagação de rumores infundados, sendo a cobertura hiperbólica e alarmista a excepção. No entanto, estas excepções difundem-se mais nas redes sociais do que a cobertura “razoável”. Nós conhecemos casos destes, bem próximos de nós, e pagos com o dinheiro público... Este artigo mostra que cada caso com aumento significativo no RSV do Google (métrica “Volume de pesquisa relativo”) resultou de uma notícia que inicialmente foi para o ar, ou foi amplamente coberta, em OCS tradicionais.
A verificação de factos, e a protecção contra “notícias falsas”, são cada vez mais importantes. Os jornalistas geralmente fazem um bom trabalho na verificação dos factos, desmascarando alegações e histórias ilegítimas. As reportagens dos OCS são marcadores de credibilidade, para os utilizadores das redes sociais. As comunidades cépticas às vacinas dependem de reportagens dos OCS para divulgar histórias, e acrescentar legitimidade, à sua perspectiva. O papel dos blogues e dos canais de notícias digitais também é importante, sendo frequentemente partilhadas “reportagens” de fontes não credíveis. Mas, os utilizadores das redes sociais sabem que partilhar de uma fonte de OCS é poderoso... O Daily Mail (do Reino Unido) publicou duas vezes histórias com manchetes associando a vacina à “paralisia de Bell” ou a problemas de fertilidade; cada uma dessas manchetes foi amplamente partilhada, e correspondeu a um aumento no volume relativo de pesquisas no Google. Os relatos hiperbólicos são partilhados amplamente, pelo que os redatores e as plataformas podem exagerar as afirmações. Idealmente, os jornalistas e editores deveriam relatar as notícias com a maior precisão possível. A utilização de “marcadores de credibilidade da fonte” nas redes sociais constituiria uma contramedida valiosa; as plataformas poderiam criar “sinais” em histórias e postagens, exibindo com maior destaque os comentários de pessoas com experiência demonstrada no assunto. O jornalismo (ainda) desempenha um papel crucial na verificação dos factos, nas discussões de saúde pública. Os cientistas e os profissionais de saúde devem (também) promover as suas próprias perspectivas, quando acreditam que uma história sobre eventos adversos necessita esclarecimento. Tal tem um impacto significativo, pelo que há necessidade de haver especialistas disponíveis para ajudar a corrigir a desinformação. É isto que se vai tentando fazer, com estes contributos semanais.

Os dados para análise: o pneu furado, onde se continua a injectar ar…

Três amigos, à volta de um almoço, debatem o “estado da saúde”, numa porção deste planeta. Falam das listas de espera monstruosas, para consultas, para cirurgias, para a realização de exames ecográficos, de TAC e Ressonância. As estruturas corporativas falam em falta de recursos humanos (RH) e em cansaço dos profissionais de saúde. Os mesmos profissionais de saúde que acumulam horas imensas no privado, segundo os OCS. Os custos com RH aumentam exponencialmente, sem o correspondente aumento na produção (e produtividade).
“O pneu está furado, mas não pára de ser injectado ar para dentro do pneu”, diz a certa altura um dos amigos. O financiamento não é feito com base em contratos-programa, contra compromissos de produção, mas para pagamentos de dívidas a fornecedores, com anos. Os credores são ignorados. Procuram contactos com os devedores, mas ninguém os recebe, ninguém os atende, ninguém lhes responde. Procura-se o favor, a cunha, para se conseguir um pagamento mais célere, de dívidas que podem representar a sobrevivência da empresa credora. Os ajustes directos aumentam.
Perante as listas de espera, monstruosas, no público o cidadão, legitimamente, procura solução no privado. “A urgência em resolver o meu problema de saúde não se compadece com o tempo que demora o Estado a pôr ordem na casa”. O Estado faz convenções com o privado, “rendendo-se”, reconhecendo a sua incapacidade. O Estado tem serviços que não respondem a tempo e horas, pelo que os profissionais desses mesmos serviços, no privado, são pagos pelo mesmo Estado para resolver esse problema, remata outro amigo.
Entretanto, os indicadores de saúde fazem o seu percurso, decorrente do “progresso”: aumento da prevalência das doenças crónicas, da obesidade e suas doenças, da Diabetes, mas também da incidência e prevalência de cada vez mais cancros.
A solução política…? “Dar cada vez mais à bomba, injectando ainda mais ar, no pneu furado”. E, de onde vem este “ar”? Do bolso dos contribuintes, concluem os três amigos, no fim do almoço.
Entretanto, fora daquele restaurante, na abertura de novas vagas para internato (formação de novos especialistas) o Hospital do Divino Espírito Santo, HDES, reduziu o número de novos internos a receber, o valor mais baixo do último triénio. Dados do “Diário da República”. O que significará em breve menos especialistas, num futuro cada vez mais próximo.

A homenagem da semana: Sucesso na Gestão de objectivos, de resultados e financeira.

O “Relatório e Parecer sobre a Conta da Região Autónoma dos Açores de 2022”, aprovado pelo colectivo especial, constituído pelo Presidente do Tribunal de Contas e pelos Juízes Conselheiros das Secções Regionais dos Açores e da Madeira, reunido em sessão de 30-10-2023, foi divulgado no dia seguinte. Refere o Relatório que, em 2022, para as entidades públicas reclassificadas, foram movimentados 268,6 milhões de euros, dos quais 258,4 milhões de euros (96%) destinados aos 3 hospitais da Região. Este fluxo aumentou, na globalidade, 19,7 milhões de euros relativamente a 2021, em resultado do reforço de verbas atribuídas ao Hospital da Horta, E.P.E.R. (+37,2 milhões de euros) e do decréscimo de fluxos financeiros para o Hospital Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, E.P.E.R. (-18,3 milhões de euros) (!!!). O Tribunal de Contas refere ainda que, em 2022, o Hospital do Santo Espírito da ilha Terceira, E.P.E.R., o Hospital da Horta, E.P.E.R., e o Grupo SATA “encontram-se em situação de falência técnica”.
Dos 3 Hospitais da Região autónoma dos Açores, apenas o Hospital do Divino Espírito Santo, HDES, de Ponta Delgada, não é referido pelo Tribunal de Contas estar em falência técnica, em 2022. Estas declarações mereceram o silêncio dos que tanto ruído criaram nesse ano, o de 2022.
“Há nos confins da Ibéria um povo que não se governa, nem se deixa governar”, disse Júlio César, há 2000 anos atrás. Errado não estava. Não estava então, nem estaria agora.

Mário Freitas*
*Médico  consultor (graduado) em Saúde Pública, com a competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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