Diário dos Açores

Corrupta iustitiae, Parte 1 Pena suspensa para violadores

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No início do mês de novembro 2024 um médico de Bragança (radiologista segundo uns, ginecologista, segundo outros órgãos de comunicação) foi condenado a 2 anos e 8 meses de prisão por dois crimes de violação de pacientes. Pena suspensa. Os juízes continuam a libertar violadores, pedófilos, acusados de violência domésticae outros criminosos, esperando que os processos por corrupção entupam de vez os tribunais.
Gosto de ficar em casa, sem ser visto na “civitas”. Não aceito a responsabilidade de lutar sozinho contra déspotas, tiranos, corruptos, medíocres, ao contrário do que fiz durante décadas. Estou lucidamente consciente, desta utopia, pois há sempre os favorecidos pela “sorte”, os ricos (NINGUÉM enriquece à custa de trabalho honesto!). Estou consciente de que a lei, qualquer que seja, em qualquer país, está cheia de iniquidades e favorece obviamente os ricos e os corruptos. Quem se “lixa é sempre o mexilhão,” pois são os pequenos e os incómodos que servem de exemplo na luta contra o nepotismo e corrupção. Basta nascer-se no Congo ex-Belga, em Kiribati (no Pacífico Sul) ou na Terra do Fogo para as hipóteses de futuro serem radicalmente distintas do que nasceu no palácio de Buckingham, e foi rei em velho, só para dar um exemplo dum “rapaz da minha idade”.
Jamais esquecerei a Ditadura Nacional, os anos que se seguiram e preencheram a primeira parte da minha vida. Talvez admita que a sociedade na ditadura aparentava ser menos corrupta, a justiça funcionava melhor, e a educação (elitista) proporcionava mais conhecimentos.
Querem-se políticos a pensar no país, a congelar 230 deputados inúteis, a desburocratizar, a pensar na Nação sem betão nem alcatrão. Queremo-los num hospital, repartição, tribunal, transportes públicos, a tirarem o número na fila sem privilégios nem mordomias, sem médico de família, como milhões de portugueses. Ando há meses a matutar neste tema. Devaneei que o país tinha deixado de ser Lisboa. Idealizei aldeias, crianças em escolas reativadas, campos cultivados e os mais idosos a usufruírem de boas reformas. Não podia continuar silente. Tinha de erguer o grito de revolta porque o que ouvimos é o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. Deputados, administradores de bancos e empresas públicas com reformas chorudas e corrupção. Lucros exorbitantes nos bancos e empresas com administradores ex-ministros, ex-deputados, recebendo dividendos desmedidos. Os professores como bode expiatório.Os alunos, sem estudarem, passam para não estragarem as estatísticas de Bruxelas e para brilharete de ministros.
A democracia é uma planta muito frágil que precisa de ser regada diariamente.
Poderes económicos de um capitalismo desenfreado, rendido ao mercado, dinheiro e interesses que à sua sombra se expandem, mortalmente lesivos dos princípios democráticos. Financiamentos ilegais de campanhas eleitorais, promoção de testas de ferro, candidatos fantoches, quadros dirigentes ao serviço de esquemas de corrupção, etc. As estruturas partidárias na obsessão pelo poder, alimentam ligações e oligarquias das negociatas, reprimem o contraditório e combatem o debate interno, essência da democracia política. O exemplo de uma semi-democracia, semi-autonómica, é visível nos Açores onde existe um parlamento regional e teórica liberdade de escolha, mas as decisões relevantes são definidas em Lisboa, ao atropelo e revelia das normas autonómicas, com a cumplicidade local.
O povo, que até nem é totalmente ignorante, vota com os pés (ie, abstendo-se) ou vota a favor dos que o mantêm subsidiodependente, num ciclo vicioso: vota em mim e recebes apoios, não votas e desenrascas-te sozinho contra a malha burocrática que te vai aniquilar. As vozes independentes, são poucas, raras e silenciadas pela autocensuranos meios de comunicação. Estamos a caminho da autocracia, mas ainda com a manta diáfana da aparência democrática. Infelizmente, o pior está para chegar. O nacionalismo e a xenofobia chegam ao poder com o voto do povo.
A Europa cresceu, o sonho da Europa unida medrou e cresceu descontroladamente, até ter mais olhos que barriga e ficar desesperadamente obesa na palhaçada que hoje é. Depois da década de 60, por toda a parte, uma após outra, as ditaduras iam sendo aniquiladas e substituídas por modelos de democracia onde, alegadamente, o povo e a sua vontade eram representados em parlamentos. Com a queda do Muro de Berlim e a glasnost a dar lugar a uma nova Rússia acreditamos que sonhar era isto, uma nova realidade na América Latina e América do Sul, mas já o neoliberalismo da nova ordem mundial tinha disseminado sementes com Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Não sabíamos que isso iria perverter todo o ocidente.
Lentamente, nos últimos vinte ou trinta anos assistimos a um constante retrocesso nas conquistas dos direitos fundamentais da humanidade: igualdade, solidariedade e justiça. Mais do que nunca as democracias estão a ser manipuladas criando a aparência de vontade popular através do voto universal, mas, na prática, substituídas por autocracias dos EUA, à Venezuela e dezenas de países, sem falar daqueles onde as escolhas democráticas foram substituídas por nomeações da grande e anónima banca internacional, do grande capital do petróleo às farmacêuticas que tudo controlam. Isto num mundo em que a verdade é ficção e a ficção é a neoverdade.
Ainda há dias a ler Umberto Eco, O Cemitério de Praga, me apercebi de que como isto sempre aconteceu sem nos darmos conta. Entretanto, países que se habituaram a mandar e a serem os xerifes do universo, como os EUA (em substituição dos decadentes grandes impérios que duas grandes guerras aniquilaram) continuam a inventar invasões, primaveras políticas, depondo ditadores ou democratas a seu bel-prazer.
Sempreafirmei e reitero, mesmo que já não sirva para grande coisa, o 25 de abril trouxe-me o bem mais precioso: a liberdade de expressão, a mim que sou um individualista nato e jamais conseguiria viver numa autocracia. Dantes, os países democráticos tinham eleições, os outros não (nem mesmo as mascaradas eleições do partido único em Portugal o ocultavam).
Hoje assistimos a um novo e preocupante paradigma, a semi-democracia onde existe a aparência com eleições e tudo o mais, mas sem que a realidade ali esteja representada, com resultados viciados, roubo descarado de votos e tanta manipulação que o resultado é a via autocrática travestida de democracia oca. O que temos assistido nestas décadas é um ataque à democracia, e são as próprias instituições europeias quem mais tem atrofiado o funcionamento dos sistemas. E mesmo eu, que me considero um otimista nato, tenho demasiadas dúvidas, rodeado por autómatos não-pensantes, obcecados com os pequenos ecrãs dos smartphones e impérvios aos atropelos à dignidade, equidade e justiça que acontecem em volta. Quando essa liberdade se perder, de facto só terei de me conformar e aceitar que me implantem um ”chip” para o meu próprio bem, como nem George Orwell (1984 e o Triunfo dos Porcos) nem Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) conseguiram imaginar.

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

 

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