Diário dos Açores

Perplexos

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O título deste texto exprime o modo como se sentem muitos dos que atentamente observam a vida política nacional e ainda não conseguiram perceber as razões que nos conduziram à presente situação.
Tudo estava a correr dentro de uma certa normalidade... E assim se diz porque não se pode qualificar como normal haver tantas saídas e entradas no Governo, para mais dispondo este de uma maioria absoluta no Parlamento, num período tão curto de tempo. Apesar de estar demonstrado que não havia a preocupação de reservar os postos de alta responsabilidade governativa para pessoas competentes e com elevada qualificação moral, predominando um censurável “amiguismo” de base partidária, o certo é que não era antecipável a queda do Executivo, nem a posterior dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições gerais.
Correm pelos meios de comunicação social diversas narrativas, cuja proveniência facilmente se detecta, ao apurar quem delas beneficia. Segundo uma dessas, o Presidente de República é o responsável de toda a confusão presente e dos males que dela se seguirão, caso não volte o eleitorado a votar em massa no PS, reconfirmando a maioria absoluta até aqui existente e dando um voto de confiança para a continuidade das políticas em curso. Mas convém lembrar que os últimos oito anos foram de generalizada decadência dos serviços públicos essenciais, com contestação aberta e greves constantes nas escolas, nos hospitais, nos transportes, bem como de paralisia económica e marcação de passo na lista dos últimos países da União Europeia.
Assim, a narrativa contrária atira para o Primeiro Ministro a responsabilidade do relativo caos instalado, imputando-lhe as más escolhas pessoais e a falta de vontade reformista, sem prejuízo de lhe reconhecer as inigualáveis capacidades para sobreviver a tudo, sacudindo de cima dos ombros os maus efeitos, sem olhar a consequências; para alguns, trata-se mesmo de uma manobra para sair em beleza de uma função bloqueada, reservando-se para futuros voos porventura mais altos, talvez como Presidente da República.
Em tudo isso haverá talvez parcelas de verdade, mas não é à volta de tais questões que giram as perplexidades de início aludidas. O que falta perceber é como surgiu a Operação Influencer e como se processaram os seus efeitos devastadores.
Pelos vistos, a investigação do Ministério Público iniciou-se já há algum tempo e foram autorizadas judicialmente escutas telefónicas sobre várias personalidades públicas. A Polícia Judiciária foi mantida afastada das investigações, substituída pela PSP e pela Autoridade Tributária. Foram feitas buscas, também judicialmente autorizadas, e até detenções de pessoas, as quais foram mantidas  presas até à decisão do Juiz competente, que ordenou a sua libertação,  exigindo em alguns casos pagamento de caução, noutros nem isso sequer. Dir-se-á que é o sistema judicial a funcionar conforme as suas regras próprias democráticas, mas não deixa de causar alguma apreensão aos cidadãos comuns que as liberdades individuais sejam afinal tão ténues.
A verificação posterior que há incorrecções no processo, algumas delas de palmatória, como as de transcrição do conteúdo das escutas telefónicas, têm também um impacto negativo sobre o próprio crédito, que é grande mas já foi maior, do Ministério Público. E não falemos da divulgação de passagens de tais transcrições aos órgãos de comunicação social, porque tal se tornou tão usual que já nem sequer há lugar a processos de inquérito para apurar responsabilidades. Vamo-nos habituando, o que é muito mau, em termos de consciência cívica e de respeito pelos direitos, liberdades e garantias contidos na própria Constituição.
Pelo que se vai sabendo, e embora a decisão judicial esteja em fase de recurso, há quem legitimamente se interrogue se faz sentido deitar abaixo o Governo e a Maioria Parlamentar e se porventura ainda será possível voltar com tudo atrás e anular a convocação de eleições.
Ora isso é que já não é possível! O Primeiro Ministro tomou a iniciativa de se demitir e foi no seguimento de tal atitude que o Presidente da República anunciou a dissolução do Parlamento e marcou a data das eleições. Sobre o conteúdo das escutas ao Primeiro Ministro nada se sabe a não ser que foram validadas pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sede onde decorre a correspondente investigação e o processo respectivo.
Com tais pressupostos, iniciou-se a corrida para a eleição do novo Secretário Geral do Partido Socialista, já com vários candidatos em campo, e a corrida para as eleições legislativas. Quanto a estas é muito grande a expectativa à volta do Parido Social Democrata, a cujo líder se reclama uma vitória retumbante sobre quem quer que se apresente como candidato do partido ainda maioritário, sob pena de imediata defenestração política e regresso ao passado com a solução passosrelvista.
Entretanto, talvez não seja exagerado pedir aos intervenientes nas várias corridas em curso, e a quem os acompanha ou se deve limitar a observar tudo à distância, que evitem ataques pessoais, que tanto repugnam e explicam o afastamento de muitos para a abstenção eleitoral.

João Bosco Mota Amaral*

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)    

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