Diário dos Açores

Marcelo dá um passo em frente

Previous Article Previous Article Aldeia do Perlim Pim Pim volta à cidade da Ribeira Grande
Next Article “Sustentável 2030” beneficia os Açores

Opinião

Parece-me difícil interpretar a decisão do Presidente da República, de chamar a Belém os representantes dos partidos com assento na nossa Assembleia Legislativa, de outro modo que não seja de pretender significar um maior envolvimento pessoal do próprio com os assuntos da política regional, ao menos no tocante à Região Autónoma dos Açores.
É certo que o facto que dá origem á audiência não tem precedentes na nossa história autonómica de quase meio século. Pela primeira vez o Parlamento Regional recusou aprovação ao Plano e Orçamento que lhe tinham sido propostos pelo Governo. Assim, ficamos confrontados com a inexistência de documentos fundamentais para a governação dos Açores, remetidos para a aplicação, segundo a regra dos duodécimos, dos mesmos documentos correspondentes ao ano em curso, desactualizados das novas condicionantes da situação económico-financeira regional.
Mas não é certamente pela novidade da situação que o Presidente Marcelo resolve entrar em cena, para mais sendo certo que o Representante da República já tinha anunciado ir ouvir os partidos parlamentares sobre o resultado das votações realizadas na semana passada no Hemiciclo da cidade da Horta. Tal iniciativa do Embaixador Pedro Catarino justificava-se plenamente por ter sido ele a dar a sua aceitação aos acordos feitos no início da Legislatura em curso, nomeando o Presidente do PSD/Açores, José Manuel Bolieiro, para Presidente do Governo e as pessoas por ele apresentadas para os diversos cargos governamentais, passando por cima dos protestos do PS/Açores, partido que venceu, perdendo embora a maioria absoluta, as eleições de Outubro de 2020 e queria ter a oportunidade de ser ele a formar o Governo Regional, de resto conforme o precedente criado pouco tempo antes no plano nacional.
De certa forma,  Marcelo vem agora pôr-se do lado dos que preconizam, para quando da desejada extinção do cargo de Representante da República, a transferência dos poderes constitucionais dele, poderes esses sempre entendidos como vicários do Chefe do Estado, para o próprio Presidente da República. Afinal isso vai apenas confirmar uma tendência evolutiva da Autonomia Constitucional, que começou com um  Representante especial da Soberania da República sobre os Açores, designado de Ministro da República e ainda com amplas funções executivas, extinto alias na revisão constitucional de 2004. Já em anteriores revisões constitucionais os poderes do dito Ministro tinham sido recortados, correspondendo a sua saída do Conselho de Ministros, em 1997, à “grande machadada” na figura, como sempre tenho dito, o que até levou a protestos indignados dos então titulares, que encontraram apoio num certo catedrático conimbricense, desde sempre avesso à natural dinâmica autonómica.
Já Jorge Sampaio veio de propósito aos Açores para a abertura dos trabalhos parlamentares, num começo de Legislatura, aproveitando para se pronunciar, na sua função de Presidente da República, no sentido de a Autonomia ter já alcançado a sua máxima extensão, não se justificando novas ampliações dos poderes autonómicos. Tal propósito veio a ser contrariado pela Assembleia da República quando soberanamente votou a Lei de Revisão Constitucional de 2004, sobre cujo conteúdo, graças a um preceito oriundo do Projecto da Ala Liberal, recolhido na Constituição de 1976, o Presidente da República não tem o direito de se pronunciar mediante o exercício do direito de veto. 
A vinda do Presidente Jorge Sampaio tinha sido precedida pela do Presidente Ramalho Eanes, logo no momento fundacional das novas Instituições Autonómicas, para a sessão solene inaugural da Iª. Legislatura, em 4 de Setembro de 1976. E houve várias outras sessões parlamentares presididas pelos sucessivos Presidentes da República, incluindo a que ficou célebre pelo episódio das gravatas pretas e óculos escuros, que tanto enfureceu os Deputados do PS/Açores, ao tempo em posição francamente minoritária, mas que o Presidente Mário Soares, com o seu bem conhecido  fair play democrático, qualificou de “uma forma de protesto civilizado”. Recorde-se que na véspera o Presidente da República tinha anunciado, em comunicação ao País, transmitida pela rádio e pela televisão o seu veto, por pressão dos Altos Comandos Militares, à Lei de Revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovada pela Assembleia da República por unanimidade e aclamação. Estava-se a comemorar, com muita satisfação, o décimo aniversário da Autonomia Constitucional!
Que fará o Presidente Marcelo depois de ouvir os líderes dos partidos parlamentares açorianos? Desde logo é preciso verificar se os ditos líderes se apresentam em Belém sózinhos ou acompanhados pelos chefes nacionais dos respectivos partidos. Ou seja: se a questão é para ser resolvida entre o Presidente da República e os legítimos representantes do Povo Açoriano, ou se vai haver o aproveitamento das chefias nacionais para mostrarem que mandam também aqui... 
Quanto à decisão presidencial, só se pode de momento especular, mas terá de oscilar entre: aceitar a posição do Presidente do Governo Regional, como líder da Coligação PSD/CDS/PPM, de apresentar um  novo Orçamento dentro do prazo de 90 dias, conforme dispõe a Lei de Enquadramento Orçamental em vigor na nossa Região Autónoma, mantendo portanto tudo como está; ou então apoiar a posição do PS/Açores, do BE e da IL e dissolver a Assembleia Legislativa Regional, convocando eleições antecipadas, possivelmente para a data de 10 de Março, em que se vão realizar as eleições nacionais.

João Bosco Mota Amaral*
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo 
Ortográfico)     

Share

Print

Theme picker