“Com a saída da Ryanair, a SATA e TAP aumentaram as suas taxas de ocupação”
Diário dos Açores

“Com a saída da Ryanair, a SATA e TAP aumentaram as suas taxas de ocupação”

Previous Article Previous Article Bolieiro defende que os Açores devem liderar sustentabilidade do mar

Pedro Castro, especialista em aviação comercial

Tal como o Pedro Castro previu neste jornal há vários meses, o primeiro mês sem a operação normal da Ryanair não teve uma queda significativa de passageiros nacionais, segundo dados da Secretaria Regional do Turismo, que adianta que o mês festivo de natal e Ano Novo até está com mais procura do que no ano passado. As operações da SATA e TAP viram aqui uma alternativa para ocupar o lugar da Ryanair?
 A aviação é uma ciência, com múltiplas variáveis e interpretações, mas é uma ciência.
Há um elevado grau de previsibilidade nesta indústria que pode e deve ser aproveitado pelos decisores públicos e pelos agentes económicos, daí ser tão importante as companhias aéreas - incluindo as públicas - serem geridas por técnicos e não por políticos.
É igualmente importante que o poder público se abstenha o mais possível de qualquer interferência empresarial concreta - seja em prol de uma companhia privada ou de uma pública.
O importante é fixar um quadro jurídico-comercial transparente, igualitário, confiável e justo para todo o setor para que ele se possa desenvolver.
Nesse contexto, o poder público deve apenas ir prevendo e corrigindo os desequilíbrios.
É também importante felicitar a Secretaria Regional do Turismo por monitorizar esta situação - empenharam-se numa negociação com um agente económico em concreto e que a meu ver era desnecessária, mas tiveram de ceder às pressões populares e populistas, o que eu entendo.
 Esta monitorização muito acertada, permite verificar com factos e com números que, afinal, “está tudo bem, aliás, até está melhor”.
E isto ajuda muito para situações semelhantes futuras que se coloquem a este nível.
Esta situação, em concreto, era previsível. As operações da Ryanair nos Açores estão basicamente limitadas a voos para o Porto e Lisboa - ou seja, por serem já e desde sempre as rotas com maior capacidade disponível, a Ryanair torna-se facilmente prescindível.
Em primeiro lugar, porque nem a Azores Airlines, nem a TAP têm taxas de ocupação de 100%.
No caso da Azores Airlines anda em torno dos 75%, no caso da TAP gira pelos 80%; na Ryanair é de pouco mais de 90%.
Ou seja, em cada 100 lugares, 10, 20 a 25 estão vazios e podem ser ocupados.
 Por outro lado, quando a Ryanair compete em demasia e com preços baixos numa determinada rota servida pelas suas concorrentes, tanto a Azores Airlines como a TAP reagem com uma política comercial mais voltada para os passageiros de ligação - para Boston, Toronto, Nova Iorque no caso da Azores Airlines, por exemplo - e enchem assim os seus voos com menos passageiros locais (aqueles que se deslocam apenas entre Lisboa e Ponta Delgada neste exemplo dado).
Se estes dados das companhias aéreas fossem públicos, veríamos que após a redução de voos da Ryanair, a TAP e a Azores Airlines aumentaram significativamente a taxa de ocupação das suas rotas continente-Açores, aumentaram o número de passageiros locais (ou seja, passageiros que viajam sem intenção de transferir para outro voo) e, certamente, terão aumentado a tarifa média.
Por último, referir que a parte da procura pelo destino ter aumentado é o resultado do trabalho de muitas pessoas e entidades na promoção dos Açores.
A parte de existir capacidade aérea suficiente para absorver essa procura e a preços aceites pelo mercado, mesmo sem a anterior oferta da Ryanair, essa era a parte previsível que envolve o negócio aéreo.
 
O problema é que as duas operadoras portuguesas não praticam os preços low cost da Ryanair. Prevê que haja alteração de tarifário nesta época baixa?
Por mais bizarra que a situação possa parecer, de facto, são duas companhias do Estado que, neste momento, competem entre si.
Não só nas rotas de/para os Açores, mas também relativamente aos passageiros de ligação para Boston, Toronto, Nova Iorque e até Cabo Verde, que ambas se procuram roubar uma à outra. E o contribuinte a pagar estes sérios “descontos” que são aplicados a passageiros que apenas procuram o bilhete mais barato.
As companhias aéreas - low cost, híbridas e tradicionais - exigem, nos seus modelos de negócio, taxas de ocupação cada vez mais altas para serem rentáveis.
O destino Açores precisa do preço certo e não do preço barato.
O preço certo para o residente viajar, para os familiares e amigos visitarem, para as reuniões de negócio acontecerem e para o turista chegar. E é esta sensibilidade que as companhias vão testando, sempre com vista à obtenção do lucro máximo.
Estes equilíbrios não são fáceis, mas há outras situações em que é muito fácil: no caso dos operadores turísticos que fretam um avião para encher o seu hotel e em que o bilhete de avião é vendido a “custo” porque a margem de lucro está na estadia do hotel, nos passeios, nas refeições, etc.
Em Itália, o regulador tem estado muito atento a esta questão do equilíbrio de interesses e aos preços alegadamente astronómicos praticados pelas companhias que voam entre a península italiana e as ilhas de Sardenha e da Sicília.
Em Portugal, temos um caso semelhante há décadas entre Lisboa e Funchal - com pessoas por vezes a viajarem via Londres em certas alturas do ano para pouparem 300 euros num só bilhete.
Mas isto é um problema do regulador do setor (ANAC) e, em geral, da fraqueza das nossas entidades judiciais.
Aliás, eu próprio ainda estou à espera, há um ano, de uma resposta da ANAC e da Procuradoria uma carta com medidas concretas que propus para um tema tarifário diferente mas muito importante para os Açores.    
Dito isto, gostaria de deixar uma nota de preocupação com os voos do Porto que, neste momento, contam apenas com a Azores Airlines.
 Já no passado tinha previsto que a TAP teria de abandonar este tipo de rotas à partida do Porto por necessitar desses aviões na base de Lisboa para não perder slots na Portela por falta de uso, mas a perda da concorrência da Ryanair para o Porto pode refletir-se em aumento da tarifa média.
Esse aspeto tarifário também deveria merecer a monitorização da secretaria regional do turismo.
 Para os residentes, esta diferença é sempre compensada, mas para os turistas existe um preço a partir do qual ele desiste desse destino e procura outro lugar para as suas férias... é aqui que dá jeito pensar um pouco como um operador turístico quando se é dono de uma companhia aérea

Quanto ao processo de privatização das duas companhias, como vê a situação actual? Acha que ainda poderão ser revertidas?
 Em primeiro lugar, eu nunca teria lançado este concurso.
Como dei nota numa entrevista ao Diário dos Açores no passado, a Azores Airlines é demasiado pequena para interessar a alguém, as infraestruturas aeroportuárias dos Açores têm demasiadas restrições e afastam qualquer cenário de crescimento à escala necessária para este negócio - no Pico e na Horta são as pistas, na Terceira e em Ponta Delgada são os terminais, nos outros aeródromos são os horários de abertura, enfim, todos eles são um problema - e Portugal não é um país confiável para se investir... em nada, mas na aviação, depois da Comissão Parlamentar de Inquérito ainda mais.
Depois, toda a questão das estruturas comerciais, operacionais e administrativas paralelas e separadas que iriam ser necessárias para a SATA Air Açores e para a Azores Airlines - que implica dividir ainda mais o que já de si é muito pequeno... qual o sentido económico que um investidor vai encontrar aqui?
É natural que, no final, apenas dois consórcios portugueses se tenham apresentado e é normal que os valores tenham sido aqueles.
Eu teria categoricamente aconselhado qualquer empresa a não colocar nenhuma proposta e, sobretudo, a não partilhar nada com este Estado que temos que se comporta como accionista, como legislador, como coordenador de slots, como regulador e como executivo de forma totalmente imprevisível, corrupta e opaca.
 
Vai a Santa Maria participar num colóquio sobre aviação comercial. Que mensagem principal vai deixar?
É a segunda vez que vou participar na conferência que a sociedade civil de Santa Maria organiza anualmente através da Associação LPAZ por ocasião do dia 7 de Dezembro, um dia tão importante na aviação civil.
Foi neste dia, em 1944 - ou seja, há 79 anos - que se assinou a Convenção de Chicago, assim chamado o tratado internacional responsável pelo estabelecimento das bases do direito aeronáutico internacional até hoje em vigor.
É um documento excepcional escrito nos primórdios da aviação civil, mas que ainda serve nos dias de hoje!
Existem, claro, coisas menos boas que esta convenção criou, como a noção de acordos bilaterais de transporte aéreo entre Estados que é justamente aquilo que eu combato todos os dias.
Sou um acérrimo defensor dos chamados “céus abertos” que permitem deitar abaixo os “muros aéreos invisíveis” que este tipo de acordos permitiram construir e, como vivi uma parte da adolescência na Alemanha no início dos anos 90, sou muito sensível aos “muros”.
 Este ano o tema escolhido pelos organizadores foi o da aviação como instrumento de coesão.
Vou olhar para este tema com o seguinte prisma: existe a teoria e existe a prática.
A teoria sem a prática adequada é como ter um Porsche numa ilha onde não há combustível ou estradas - por mais potente seja, simplesmente não irá a lugar nenhum.  

jornal@diariodosacores.pt

Share

Print
Ordem da notícia3073

Theme picker