Diário dos Açores

Os calceteiros e as obras inventadas

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Um amigo que tinha uma empresa de construção civil  e muito sentido de humor dizia que o melhor engenheiro que tinha era um inventor de obras.
Que tinha um olho especial em sugerir obras e trabalhos que lhes poderiam ser adjudicados e suficientemente credíveis para passarem no crivo da opinião, com o beneficio da dúvida, sobre a sua necessidade ou oportunidade, nem falando nos custos.
Do outro lado estamos todos, que vemos montes de coisas a serem feitas que não acrescentam nada à nossa vida, ou que depois de prontas nem nos lembramos como eram antes.
Outras lembramos mas não compreendemos de todo, e um exemplo evidente é a bagacina da nova prisão e 3 milhões (??) de euros por um terreno que nem sabemos e ninguém nos diz sequer se vale isso.
E, curioso, a bagacina é algo que encontramos nas nossas propriedades privadas, mas não podemos mexer, porque é protegida e até cara, mas ainda pagamos 3 milhões para a tirar?!
E nem sequer aparecem umas canadas , das muitas que os Presidentes de Câmara modernos esquecem todos os dias dos seus mandatos, forradas com essa bagacina que, aí sim, teria um resto de função social e comunitária.
O inventor de obras do meu amigo empreiteiro sonharia com uma invenção destas, mas este género é decidido e pago a outro nível da nossa hierarquia Nacional e Autonomista, sim porque só uma congregação de esforços, autorizações e colaborações e participações a todos os níveis do funcionalismo público pode levar para a frente uma obra inventada como esta.
Com os 3 milhões estourados nisto, durante anos sem fim, teria sido possível criar estruturas de apoio ao deficiente sistema prisional em Ponta Delgada, e quando já não fossem necessárias voltariam ao apoio social normal, em que nunca são demais.
Os calceteiros são sim, esses mesmos, os Presidentes das cidades e vilas e não só, os destruidores de exemplares de calçada com muitas dezenas ou centenas de anos, para lá porem calhaus embutidos em cimento e betão que nem se dignam disfarçar, na criação de esplanadas turísticas para as manifestações de massas e festas de todas as cores.
No caso de Ponta Delgada não é nada de novo, vem atrás de muitos ilustres destruidores que construíram o que é esta ” linda” urbe, que poderia hoje ser uma atração como uma pequena porção de Veneza no Atlântico, mas em vez disso é uma cidade de Avenida como qualquer outra, quase sem interesse nenhum, em que o que restou à destruição intencional e muitas vezes corrupta, durante dezenas de anos, foi o que seria demais destruir e muito do que se construiu a reboque de alguns arquitectos deficientes e medíocres, é tão mau que se tenta não olhar nem chamar a atenção a quem vem de fora. E sempre destruindo algo antigo e apreciado para construir algo pretensamente moderno, caro e desnecessário, ou até perigoso, como se verificou na Ribeira Grande, com muitas quedas e internamentos, quando as lajes serradas lisas apanhavam água; e no Faial, igualmente, para além da destruição de padrões de decoração urbana antigos a troco de imaginário pseudo Autonomista, tão fraquinho e inseguro, que só se suporta na total eliminação e destruição do existente, não coexistindo com secções do mesmo por medo do ridículo da diferença de qualidade e aceitação.
Mas, claro que é uma questão de gosto e sensibilidade, e gostos não se discutem e sensibilidade e sentido estético ainda menos.
Agora, e a reboque do turismo de massas em construção diária na ilha de S. Miguel, fala-se de mais uma obra inventada para supostamente proteger os turistas que enxameiam no Verão como moscas ou baratas tontas na Ferraria da poça de água quente;  sim porque  nós que nascemos ou vivemos cá já nem entramos na equação destas cabecinhas corruptas.
Estava no mar a 800 m da poça da  Ferraria para o lado das Feteiras a fazer caça submarina no dia em que se deram as derrocadas e, para além da água turva, vi as primeiras quedas de terra e pedras e regressei à poça que estava cheia de gente com um dia lindo, um pôr do sol fantástico, e logo a seguir caíram  muitos milhares de toneladas de terra e calhaus enormes na baía a seguir à Poça.
Pensar que é possível com um paredão impedir ou minimizar uma coisa daquelas é não ter a mínima noção do que é a natureza.
A zona da poça, na Ferraria, é diferente geologicamente daquela onde houve as derrocadas com a linha de costa antiga à vista e muito menos terra e mais rocha firme e menos probabilidade de derrocadas, para além do escorregamento do material recente encostado, que não vem de 60 metros de altura (e que na verdade acontece quase todos os dias, gozamos imenso com os turistas que perguntam) .
Deviam encomendar um estudo independente sobre os desvios de águas e ribeiras na zona das derrocadas. Água e terra não são uma boa combinação.
Os sucessivos governos da autonomia já fizeram obras demais na suposta reserva da Ferraria, basta ver as centenas de parafusos ainda cravados na escoada lávica e os restos de deck-plástico que ainda vamos recolhendo cada vez que há um temporal. Se querem dar um aspecto melhor e diminuir as queixas mantenham os balneários dos turistas decentemente e não no nojo que têm estado, com tudo degradado e enferrujado  e muitas vezes sem água. Para terminar, há uma obra que poderiam ter inventado e hoje seria muito útil: a ligação entre a via rápida para a Fajã da Secretária Berta e a 2ª circular do Presidente César, mas diziam com piada que os asfaltos deles eram incompatíveis.  Pelo menos os moradores acima da 2ª circular  dizem que seria muito bom para ir logo para o aeroporto, sem terem de dar a volta  na rotunda inclinada ou participar nos engarrafamentos da mesma em horas de ponta.

João Paim Vieira

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