Diário dos Açores

Viktor Órban: a ovelha negra na União Europeia

Previous Article Ao Som do Búzio de Laureano Almeida
Next Article Presidência do Governo abre portas do Palácio de Sant’Ana no Natal Presidência do Governo abre portas do Palácio de Sant’Ana no Natal

Recentemente, na cimeira ainda em curso no Conselho Europeu, em que estão reunidos todos os chefes de estado/governo de cada Estado-membro para debater e tomar decisões sobre várias questões políticas e prioridades que afetam a União Europeia, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, votou contra o processo de alargamento da UE para a adesão da Ucrânia. O processo de alargamento da UE é uma política que requer unanimidade no Conselho, portanto o veto de Órban gerou, inicialmente, um gridlock ao nível da política europeia.
Esta situação não é de admirar. Acredito que todos, ou quase todos, que estejam a par dos eventos políticos na UE têm em conta de que Viktor Órban não é flor que se cheire quando debatemos quem são os líderes democráticos na Europa e quais são as suas práticas (supostamente) democráticas. Desde a sua eleição para o executivo húngaro, Órban criou um regime no seu país em que ele descreve como uma “democracia iliberal”. De forma simplificada, uma democracia “iliberal” consiste na existência de instituições presentes numa democracia, como partidos políticos e eleições, mas com uma restrição nas liberdades individuais (como liberdade de expressão) e na separação de poderes. O conceito de democracia se desenvolveu ao longo das últimas quarenta décadas de tal forma que “liberdade” está corelacionada e até inseparável da teoria e prática de “democracia”. Restringir instrumentos como liberdades civis, Estado de direito, equilíbrio de poderes, e independência do poder judicial, a favor de propaganda populista, censura dos meios de comunicação social, e de castramento dos processos eleitorais, não é um ato apelativo para a prática de democracia. Por outras palavras, uma democracia “iliberal” não é democracia, e o regime de Órban está mais próximo de uma autocracia.
Ao nível da UE, Órban possui um histórico do uso do seu poder de veto em decisões importantes no Conselho Europeu. Por exemplo, juntamente com a Polónia, a Hungria votou contra o pacote orçamental de 1,8 biliões de euros da UE e o fundo de recuperação da COVID-19; opôs-se à entrada de novos migrantes e refugiados, preferindo aplicar controlos fronteiriços rigorosos, construir vedações e defender a soberania nacional na determinação das políticas de migração; e aprovou leis nacionais que restringem e até proíbem manifestações pelas causas LGBTQ+, uma posição que a UE amplamente criticou. Agora, o governo húngaro votou contra a entrada da Ucrânia na UE, bem como votou contra o pacote de ajuda à Ucrânia devido à invasão russa.
A situação no Conselho foi tão dramática que o chanceler alemão, Olaf Scholz, pediu a Viktor Órban que saísse do Conselho para ir, e passo a citar, “tomar um café”. Assim, os restantes 26 Estados-membros conseguiram votar por unanimidade, sem a presença de Órban, a entrada da Ucrânia. Pela primeira vez na história da UE, um membro do Conselho teve de sair da cimeira europeia para que os restantes membros votassem a favor de uma decisão. Este acontecimento pode levar-nos a uma das minhas duas conclusões precipitadas: ou o senhor Scholz é um génio nas negociações ou ele ficou sem ideias e esta foi a única hipótese colocada na mesa. Mas uma coisa posso garantir: se fosse a sua antecessora, Angela Merkel, nada disto aconteceria, para bem ou para mal.
A realidade é que a presença de Viktor Órban nas discussões políticas da UE pode levar-lhe à classificação de “ovelha negra”, uma espécie de rule breaker que quebra as normas e expectativas das tomadas de decisão na UE. Aliás, a Húngria e a Polónia (a última durante o governo do partido Lei e Justiça) formavam uma frente unida que frequentemente apoiavam-se mutuamente na oposição a medidas tomadas pela UE que consideravam uma afronta à sua soberania nacional. Agora com a alternância no governo polaco com Donald Dusk, com posições mais moderadas e europeístas, Órban perdeu um aliado essencial no Conselho Europeu e, pela expetativa, as tensões no Conselho podem ser aliviadas no futuro. No entanto, caso Geert Wilders seja eleito primeiro-ministro da Holanda, creio que essas tensões não irão melhorar. De facto, as ideias defendidas por Wilders parecem posicionar-se mais desfavoravelmente ao projeto de integração europeia do que as de Órban. Uma frente unida entre Hungria e Holanda no Conselho é bem possível, mas agora o melhor a fazer é esperar pelo inesperado.

Diogo Vieira Ferreira *

* Natural da ilha de S. Miguel, bolseiro de doutoramento em Ciência Política na Universidade da Beira Interior

Share

Print

Theme picker