Diário dos Açores

As árvores de Natal dos lagosteiros da Nova Inglaterra

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Os pescadores de lagosta são conhecidos por se gabarem de que têm o barco mais rápido ou por terem apanhado mais lagostas azuis, o que não deixa de ser um feito visto ser uma probabilidade de uma em 10 mil.
O multicolorido dos crustáceos é assunto fascinante embora se pense que todas as lagostas são vermelhas, mas isso só acontece depois das pobres serem cozidas. As lagostas podem ser brancas, lilás e até amarelas, embora só uma em 30 milhões e resultado da dieta ou de mutações ambientais.
Mas nesta altura do ano os pescadores têm mais em que falar do que na surpresa colorida das lagostas, todos se podem gabar de que têm a maior e melhor árvore de Natal feita com armadilhas de lagosta.
É uma particularidade do Natal na Nova Inglaterra. Há muito que nas vilas piscatórias ao longo da costa pequenas árvores de Natal feitas com armadilhas para lagostas são uma decoração peculiar de jardim, mas em 2001 o histórico porto de Gloucester, Massachusetts, decidiu construir uma enorme árvore com armadilhas para lagostas no centro da cidade e a moda pegou.
Mais de vinte anos depois, a tradição continua forte em Gloucester, com a sua árvore de 12 metros de altura na Main Street e decorada com bóias pintadas por moradores locais e que posteriormente são leiloadas para apoiar o trabalho do organizador da árvore, Cape Ann Art Haven.
Cinco anos depois de Gloucester, Rockland, que é a capital da lagosta do Maine, começou com a sua árvore de armadilhas fabricadas por uma empresa local de armadilhas. A árvore deste ano tem 12 metros de altura com 152 armadilhas, mais de 125 bóias, 146 metros de coroas de flores e 3.000 luzes. A árvore ergue-se no Mildred Merrill Park, perto do porto e tem no topo uma lagosta de fibra de vidro de metro e meio que é a peça central do Festival das Luzes de Rockland
Quando se trata de lagostas ninguém supera o Maine, que tem mais de 5.600 lagosteiros que apanham por ano 45,4 milhões de quilos de lagostas. Por isso não faltam no Maine árvores de Natal feitas com lobster traps.
As turísticas cidades de Kennebunkport e Boothbay têm belas árvores de armadilhas, bem como a pequena ilha Monhegan.
Em Orange, a árvore ergue-se no city hall e em Trenton ao lado da ponte Trenton Lobster Pound. Em York a árvore ergue-se numa loja de mariscos (Fox’s Lobster House) e em Portland, a maior cidade do Maine, ergue-se num hotel  (Portland Regency), tal como em Ogunquit (Beachmere Inn).
Este ano apareceu no Maine uma nova árvore de armadilhas, em Jonesport, Beals Island. Consiste em 769 armadilhas, tem 15 metros de altura, é a maior do Maine e é capaz de entrar no livro dos recordes.
A árvore de Beals pode ser a maior, mas o Discovery Channel enviou este ano uma equipa de filmagem a Rockland e não a Beals, para uma reportagem sobre estas originais árvores de Natal.
New Hampshire tinha apenas uma árvore de Natal Lobster Trap em Winnacunnet, mas este ano a cooperativa de pesca de Seabrook, Yankee Fishing Co-op, montou também uma árvore.
Em Massachusetts, além de Gloucester, temos mais quatro árvores feitas com armadilhas de lagosta.
Depois de Gloucester, a mais antiga é a de Provincetown, criada em 2014 pelo falecido artista Julian Popko. A árvore fica na Lopes Square e é coroada por um conjunto cintilante de bóias. Em Cohasset, a árvore começou em 2012 e é montada à beira mar no pátio do restaurante Olde Sal House. Em Plymouth, os lagosteiros locais lançaram a sua árvore em 2013. Em Marshfield a árvore é montada desde 2014 por iniciativa da associação de pescadores.
Rhode Island tem uma única destas originais árvores na Block Island. Começou por ser construída em 2011 por um residente na ilha, Harold Hatfield, e hoje em dia mais de 200 armadilhas são utilizadas para fazer a árvore, que foi inaugurada no Dia de Ação de Graças e só será desmontada em janeiro.
Connecticut tem duas destas árvores festivas, em Stonington e em Milford. A árvore de Stonington foi criada em 2021 e este ano tem 10,5 metros de altura, foi feita com 450 armadilhas e 454 bóias, e está em exibição na 1 High Street até 7 de janeiro. As bóias, dedicadas a determinadas causas ou aos familiares dos artistas, são feitas por crianças e artistas profissionais e convertem a Stonington Lobster Trap Tree numa exposição de belas artes.
A árvore de Stonington foi ideia de Lisa Konicki, presidente da Ocean Community Chamber of Commerce, que se inspirou na árvore de Gloucester e comprou as armadilhas em Provincetown.
Além da árvore de Stonington, outra árvore armadilha para lagostas também retornou para o seu terceiro ano em Milford. Foi criada em 2021 por Makayla Silva, membro do Milford Arts Council, que se inspirou em Stonington.
Na Flórida temos também uma árvore feita com 45 armadilhas de lagosta, no porto de Key West, outrora sede da frota da pesca de camarão e hoje turístico terminal de cruzeiros.
A província canadiana da Nova Escócia aderiu também à tradição da Nova Inglaterra e as vilas de East Pubnico, Port Mouton, Sandy Point, Port Maitland, Toney River, Wallace, Cheticamp, Gabarus e Musquodoboit Harbour também erguem árvores de Natal com armadilhas para lagostas.
Estas árvores de Natal dos lagosteiros não celebram apenas o Natal, são uma forma de estimular também o orgulho local e por isso há árvores de Natal feitas de areia, carrinhos de compras e até ervas, como acontece desde 1957 em Chandler, Arizona, cujos residentes se orgulham de uma árvore de Natal feita com mais de 1.000 ervas orgânicas.
Em Lynchburg, Tennessee, onde a Jack Daniel’s tem as suas destilarias, é construída anualmente uma árvore de Natal feita com 140 barris de uísque.
Em Seattle, o Hotel Vintage Park começou por fazer uma árvore de Natal com garrafas de vinho penduradas pelo gargalo e a moda pegou.
A originalidade alia-se também à sustentabilidade e o resultado são árvores de Natal feitas com garrafas de plástico e de pneus, como acontece na Austrália, mais propriamente em Lismore, surgem todos os anos árvores de Natal feitas com materiais reciclados. Já foram chapéus de chuva, pneus, tampas, garrafas de plástico, palha, latas de alumínio e bidões, entre outros materiais.
Uma árvore de Natal feita com mais de 15 mil garrafas plásticas recicladas foi feita este ano em Caracas, Venezuela. E há dois anos foi instalada no Brasil, em Salvador, uma árvore totalmente feita com mais de 20 mil garrafas de plástico.
Ainda no Brasil, na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, voltou a erguer-se este ano a maior árvore flutuante do mundo. É iluminada por 3,3 milhões de pequenas lâmpadas e mede mais de 70 metros de altura.
Por muitas cidades espalhadas pelo mundo erguem-se nesta altura enormes e magníficas árvores de Natal originais. Na encosta do Monte Ingino, no centro da Itália, foi construída em 1991 uma árvore de Natal totalmente diferente e que é considerada a maior do mundo, uma vez que se estende por uma área que corresponde a 30 campos de futebol. Possui 750 metros de altura, 450 metros de largura e milhares de lâmpadas, que em 2011 foram acesas pelo Papa Bento XVI e o Papa Francisco também já lá esteve.
Mas nada disto se compara com a nova tradição das árvores de Natal com armadilhas para lagostas, uma rivalidade amigável entre vilas de pescadores da Nova Inglaterra e onde o humilde equipamento de pesca é magicamente transformado num espetáculo digno de oohs e aahs.

As árvores de Natal já estiveram proibidas na Nova Inglaterra

No século XVI, os cristãos na Europa começaram a decorar árvores nas suas celebrações do Natal e às vezes as árvores eram penduradas de cabeça para baixo, criando uma forma que evocava Cristo na cruz. Eram também usadas simples pirâmides de madeira, supostamente para representar a Santíssima Trindade.
Para as primeiras comunidades puritanas americanas, o Natal era sagrado, mas as celebrações eram banidas. Em 1659, o Tribunal Geral de Massachusetts declarou que qualquer forma de celebração no Natal, que não fosse um serviço religioso, era uma ofensa penal. As pessoas poderiam ser punidas por pendurar decorações de qualquer tipo. O governador da Colónia de Plymouth proibia o uso de árvores e decorações, que eram consideradas tradições pagãs.
A árvore de Natal só criou raízes nos Estados Unidos depois da independência e deve-se sobretudo à chegada de colonos alemães. As árvores eram uma tradição dos alemães desde o século 16, trouxeram essa tradição quando se fixaram na Pensilvânia em meados do século 18 e, no final do século 19 e início do século 20, a maioria dos americanos já decorava as suas árvores de Natal com enfeites caseiros.
No final do século 19, Edward Hibbard, sócio de negócios de Thomas Edison, desenvolveu e exibiu a primeira árvore de Natal iluminada por luz elétrica. A versão moderna da árvore de Natal ficou completa. Ter uma árvore de Natal bem iluminada em nossa casa tornou-se uma tradição americana.
A árvore de Natal acabou por chegar à Casa Branca em 1923, por iniciativa do presidente Calvin Coolidge, que era de Vermont, terra de pinhais e adorava a árvore de Natal.

Eurico Mendes, nos EUA

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