Guerra Colonial Angola 1972-1974
Afonso Gomes

Guerra Colonial Angola 1972-1974

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Memórias do tempo

Ainda me lembro…!

Estávamos em Dezembro de 1971! Portugal continuava a enfrentar um guerra em três frentes: Angola, Guiné e Moçambique. Chegara a vez dos jovens, nascidos em 1950,1951, serem chamados e incorporados nas FA (Forças Armadas) e, quiçá, mobilizados para o então Ultramar.
Foi assim que, em Janeiro de 1972, um punhado desses jovens militares (onde eu estava), teve de deixar o “Continente”, rumando até aos Açores. O destino era o BII 17 (Batalhão Independente de Infantaria n.º17), aquartelado no Monte Brasil, em Angra do Heroísmo, Ilha Terceira. O objetivo era ministrar instrução física e operacional (recruta e especialidade) a  outros jovens açorianos recrutados e oriundos de todas as ilhas açorianas. E , passo seguinte, era formar um Regimento Independente para, “depressa e em força”, avançar para Angola.
Meus amigos: acabava de nascer aquela que viria a ser a Companhia de Caçadores 4741/72!
Depois, 8 a 9 meses mais tarde, em Agosto de 1972, precisamente há 49 anos, atracava, no Porto de Angra, o velho navio que, por ironia do destino, se chamava: “Paquete Angra”!
A cerimónia militar de despedida das tropas é rápida, mas comovente. Abraços de despedida e muitas lágrimas. Os camaradas açorianos dizem o último adeus a familiares e amigos. Ao deixar Angra do Heroísmo, segue-se uma fugaz paragem em Ponta Delgada. Aqui, é o último adeus de terras açorianas, de alguém que, antes, se calhar, nunca daqui havia saído…!
Com um oceano Atlântico bravo e alvoraçado, o Angra faz-se ao largo, a caminho de Lisboa.
Chegados à capital, é o desembarque. E, agora, para onde nos levam, interroga-se a malta?
A ordem não tardou. Seguir para Setúbal, a fim de cumprir, algures nos arredores da cidade o I.A.O. (Instrução e Aperfeiçoamento Operacional). E assim foi….Por ali, ficámos quase um mês, em pinhal sobranceiro à praia da Figueirinha, a “queimar os últimos cartuchos”.
Setembro de 1972, dia 2 – Do aeroporto militar de Figo Maduro, pelas 24H00, parte para Angola, em avião das F.A.P., a C.C. 4741/72, com a “nobre missão de defesa da Pátria”!
Já em Angola, ainda hoje não é fácil apagar da nossa memória aquilo que foram 2  intermináveis e ampliados anos de saudades, de alegrias e tristezas, preocupações e angústias, próprias de quem sentiu na carne situações muito delicadas e extremamente desafiantes!
Na verdade, permanecendo sempre inseparavelmente juntos, a nossa vida militar, em Angola, não foi, propriamente, aquilo a que se pode chamar um “mar de rosas”!

Se não, vejamos:
Uma vez em Luanda, não ficámos, por lá, no ar condicionado. O C.M.do Grafanil, acolheu-nos, por escassos dias e  ali pernoitávamos. Instalações pouco adequadas para seres humanos, e ainda não habituados, passámos um martírio com os “ataques” ferozes de  pragas de “mosquitos africanos”, que nos fizeram a “ vida negra”!
Depois…., quase sem nos deixarem respirar o ar de Luanda, lá partimos, em camiões civis, rumo a Santa Cruz, região do Huíge, no nordeste de Angola.
Esta região militar montanhosa, odiada por uns e temida por outros, era tenebrosamente conhecida pela sua “imensa, densa e impenetrável floresta! Considerado um “teatro de operações” traiçoeiro e perigoso, onde, anos antes, tropas de elite haviam sido parcialmente dizimadas, esta era a “prenda” armadilhada que, logo à chegada, nos estava reservada. E para se ter uma ténue ideia desta região, bastará dizer que, em locais de mata apertada e densa, pelo meio-dia, com o Sol a pique, havia a sensação de uma humidade e frio intensos, e não era possível “enxergar” alguém que fosse (IN), a escassos  2 a 3 metros de nós! Isto, só por si, ilustra bem o tipo de “palco” de guerra onde atuávamos e onde era desenvolvida a nossa  missão/ação!
Apesar das condições difíceis que enfrentámos em Santa Cruz, com disciplina e muito rigor no dia-a-dia, tivemos  ali um bom desempenho e não sofremos “baixas”. Todavia, ao contrário do que nos havia sido dito, fomos desviados do prometido “oásis do Úcua”, nos arredores de Luanda, e, ao fim de 12 meses, decidiram “desterrar-nos” para Quícua! Ou seja, a máxima foi subvertida: “castigou-se” a competência e o bom desempenho e  “premiou-se” a “mediocridade”!
Mas, afinal, o que era Quícua?
Região inóspita e deserta, situada a Nordeste de Angola, a 20 Km da fronteira com a Ex- República do Zaire, de Mobutu, e , hoje, República Democrática do Congo, aquilo era um autêntico “ campo de concentração”!
Ali “despejados” à nossa sorte, fomos encontrar uma “terra de ninguém”, sem vivalma, ou seja, uma região  fronteiriça, onde toda a população civil desapareceu, varrida pelos ataques do IN, Só assim se compreende que, num raio de 50 Km, não fosse possível enxergar aldeia ou lugarejo que fosse, isto é,  os chamados “musseques” ou “sanzalas” , como lá eram conhecidos.
Por isso, perante este cenário, é fácil de compreender, sem qualquer hesitação, que, quando nos movimentávamos em plena mata, a palavra de ordem era sempre: “tudo o que mexesse era para abater”!
O “aquartelamento”, ali sediado, resumia-se a um “pré-fabricado”, tosco, rudimentar e desguarnecido, onde nada existia e tudo faltava.
Assim, o único elo de contacto com o “mundo exterior” era uma pista de aviação, onde, com a segurança e todas as cautelas, a velha DO 27, vinda do Negage, aterrava, para nos fazer chegar o correio e alguns bens alimentares, cujo “stock” estava à beira da rutura.
Apesar de todo este ambiente hostil e adverso, nunca desanimamos ou virámos a cara à luta. Também aqui, fomos sempre iguais a nós próprios!
E, nem o simples mas temível facto de termos ido render um Regimento que sofrera pesadas baixas (eram flagelados praticamente todas as semanas), alguma vez nos assustou ou desmotivou.
Na verdade, neste “teatro de guerra” pouco animador, a nossa forma de estar e de agir foi sempre esta: respeitar muito as forças do IN, mas jamais demonstrar medo ou receio em os enfrentar!
Também a disciplina emocional, mental e operacional, em todas as situações complicadas que enfrentámos, foi fator determinante e decisivo para o êxito cabal da nossa missão.
Assim, não terá sido obra do acaso que, durante os 8 meses que permanecemos em Quícua, nunca tivéssemos tido oportunidade de “medir forças” com o “adversário” !
De facto, o IN sempre se furtou ao contacto direto connosco. Lá teria as suas razões!
Aliás, ele sabia bem que, do outro lado da barricada, esta uma Companhia açoreana, muito aguerrida e implacável.
Que nos recorde, apenas uma única vez, de forma indireta, nos quiseram “incomodar”!
Mas , fizeram-no, cobardemente, através de 3 minas anti-carro colocadas uns dias antes na picada. Uma delas foi acionada, mas apenas causou danos materiais numa das Berliets que nos transportava. Quanto às restantes, os nossos bravos Furriéis de Minas e Armadilhas , lá se encarregaram, com todas as cautelas, da sua plena desativação!
 

Caros leitores, designadamente os mais jovens:

A chamada “guerra colonial” foi uma dura e muito triste realidade!
Talvez tenha sido o acontecimento que mais marcou e influenciou, negativamente, a vida de todos os jovens Portugueses e suas Famílias, nos últimos 60 anos!
Odiada por alguns, mas também ignorada ou esquecida por outros, o que é um facto incontornável é que, quer queiramos  quer não, a guerra colonial existiu mesmo, provocou muitas mortes e vítimas na sociedade portuguesa, e arrastou-se por um doloroso e longo período de , aproximadamente, 13 anos (1961-1974)!
Por tudo isso, muito dificilmente ela poderá ser “varrida” ou apagada da História de Portugal, na Idade Contemporânea!
Como tantos outros Ex-Combatentes coagidos, também nós fomos protagonistas “ativos”, fazendo parte integrante daquela imensa geração de jovens portugueses que, direta ou indiretamente, foi sacrificada ou afetada pela guerra.
Foram tempos árduos e difíceis, mas, ainda assim, não devem deixar de ser claramente assumidos, e,  sem quaisquer preconceitos, corajosamente recordados, enquanto a Vida no-lo permitir!
Hoje, menos novos que ontem, aqui estamos, de cabeça erguida!
Ainda que, por vezes, se interroguem, alguns concidadãos mais novos, sobre as reais vantagens de se pretender continuar a falar destas “coisas” e a recordar factos que, inexoravelmente, já pertencem ao passado das nossas Vidas!
Mas estes que nos perdoem e dir-vos-ei o porquê:
“Quando o espírito fala e a memória não é curta”, as vozes dos Ex- Combatentes jamais se calarão, ainda que o reconhecimento e a gratidão por quem de direito, apesar das reiteradas e “envergonhadas” promessas, tardem em chegar, transitando, de uma vez por todas, da simples teoria à execução prática…!

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