Antecipar o futuro, hoje
Mário Freitas

Antecipar o futuro, hoje

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Conversas pandémicas (78)

1.    Boas notícias para a vacinação em idades mais jovens
Nos EUA comprovou-se esta semana que a vacina anti-COVID19 da Moderna é segura, e produz uma resposta imune poderosa em crianças entre os 6 e os 11 anos. Após a imunização, as crianças apresentavam níveis de anticorpos 1,5x mais altos do que os adultos jovens. A dose da Moderna para crianças 6-11A é de 50 mcg (100 mcg para adultos). A Pfizer para crianças é de 10 mcg, e está a mostrar resultados muito semelhantes.
A Moderna está a recrutar crianças entre 2 a 5 anos, e entre 6 meses a 2 anos, para testes da vacina nessas faixas etárias. A empresa inscreveu para testagem cerca de 5.700 crianças, nos Estados Unidos e no Canadá.
A Moderna testou duas injeções da vacina administradas, com 28 dias de intervalo em 4.753 crianças. Elas receberam 50 microgramas da vacina, metade da dose adulta, em cada injeção.

2.    A importância da filtragem de ar
Um estudo mostra a remoção bem-sucedida do SARS-CoV-2 transportado pelo ar, assim como de outros patógenos, através da filtragem de ar e da esterilização por UV. O SARS-CoV-2 aerotransportado foi detectado numa enfermaria antes da activação da filtragem de ar/UV, mas não o foi quando o filtro de ar/UV estava operacional.
A pandemia da COVID-19 sobrecarregou a capacidade de isolamento de doentes com doenças respiratórias nos hospitais; muitas enfermarias, sem alta frequência de ventilação, foram reaproveitadas para o tratamento de pacientes infectados com SARS-CoV-2, que requerem tratamento padrão ou intensivo. O contágio da COVID-19 num hospital é um problema, tanto em pacientes quanto em funcionários, com evidências crescentes da relevância da transmissão aérea.
O estudo que aqui saliento estudou o efeito da filtragem do ar e da esterilização por luz ultravioleta (UV) no SARS-CoV-2 aerotransportado, e noutros bioaerossóis microbianos, e cruzou dispositivos portáteis de filtragem e esterilização de ar numa enfermaria COVID de ‘surto’ e UCI de ‘surto’ reaproveitadas. Amostradores de aerossóis ciclônicos do Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional (NIOSH) e ensaios de PCR foram usados para detectar a presença de SARS-CoV-2 aerotransportado, e outros  bioaerossois microbianos, com e sem filtragem de ar/UV.
SARS-CoV-2 aerotransportado foi detectado na enfermaria, em todos os 5 dias antes da activação da filtragem de ar / UV, mas em nenhum dos 5 dias em que o filtro de ar / UV estava operacional; O SARS-CoV-2 foi detectado novamente em 4 dos 5 dias, quando o filtro estava desligado. O SARS-CoV-2 aerotransportado foi raramente detectado na UCI. A filtragem reduziu significativamente a carga de outros bioaerossóis microbianos tanto na enfermaria (48 patógenos detectados antes da filtragem, 2 após, p=0,05) e na UCI (45 patógenos detectados antes da filtração, 5 após p=0,05).
Estes dados demonstram a viabilidade de remover o SARS-CoV-2 do ar de enfermarias de ‘surto’ reaproveitadas, e sugerem que os dispositivos de filtragem de ar podem ajudar a reduzir o risco de SARS-CoV-2 adquirido em hospitais.
O estudo pode ser lido aqui: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.09.16.21263684v1
3.    O mundo pós-COVID19
Há 2 dias tive a oportunidade de ler um belíssimo artigo do New York Times, na senda daqueles que este jornal nos habituou, ao longo desta pandemia, da autoria da jornalista de investigação Katherine Eban.
A jornalista partilhou connosco a sua felicidade no dia 14 de Maio, por (como vacinada) ter podido correr sem a sua máscara, ao ar livre, no Prospect Park, na Brooklyn. Depois de 14 meses a calcular riscos - “os perigos de uma viagem de elevador ou a desgraça de uma viagem ao supermercado” - de repente ficou mais fácil, para ela, imaginar um futuro sem Covid. A 4 de julho o presidente Biden anunciou: “Hoje, estamos mais perto do que nunca de declarar nossa independência de um vírus mortal”. A jornalista exultava.
O que aconteceu nas semanas seguintes? Os casos aumentaram e as UCI transbordaram nos EUA, mostrando o poder da Covid para nos enganar.
O Dr. Anthony Fauci, numa conferência de imprensa este mês, na Casa Branca, disse: “Será muito difícil - pelo menos num futuro previsível e talvez nunca - eliminar verdadeiramente este vírus altamente transmissível.”
Que o SARS-CoV-2 possa ficar conosco para sempre é um pensamento sombrio. Mas, diz a jornalista, “puxar essa alavanca mental pode ser exatamente o que precisamos fazer para nos organizarmos com eficácia por muito tempo, melhorar drasticamente a nossa resposta à pandemia e incorporar salvaguardas na nossa vida quotidiana”.
Todos nós queremos que isto acabe. Mas o planeamento de contingência, para uma resposta de longo prazo, é absolutamente essencial. Na verdade, o optimismo pode see “um dos maiores obstáculos” para fazer esses planos, disse o Dr. Jeremy Farrar, diretor da Wellcome, uma fundação global de saúde com sede em Londres. Se acharmos que a Covid-19 está a acabar, vamos baixar a guarda e não vamos fazer investimentos essenciais, agora.
Ali Mokdad, diretor de estratégia de saúde populacional da Universidade de Washington. Epidemiologista, começou a fazer projeções para o seu centro hospitalar no início da pandemia: quantas camas seriam necessárias para cuidar de pacientes infectados? Com uma equipe de 15 pessoas, ele fez as contas necessárias, então. Agora, com uma equipe de 60 pessoas, ele divulga projeções da pandemia, por 4 meses, para todos os países do mundo.
Ele acabou de rever as suas contas para os Estados Unidos, para cima, para pelo menos 828.000 mortes totais, pela pandemia, em 1 de fevereiro de 2022. As máscaras, que tantos americanos abandonaram quando parecia que o fim da pandemia estava próximo, ainda podiam fazer a diferença: se 95% dos americanos usassem máscara, o seu modelo projecta cerca de 56.000 mortes a menos, até 1 de fevereiro. Num futuro mais distante, o Dr. Mokdad não vê que possa acontecer a “independência de um vírus mortal”, para citar Biden.
À medida que chegarmos a acordo de que teremos connosco a Covid para sempre, como será a nossa vida diária? Máscaras durante todo o dia, nas escolas e escritórios, continuarão indefinidamente? Teremos que reduzir a nossa lista de convidados de festas de fim de ano, nos próximos anos? Os testes em casa, antes de qualquer reunião social, tornar-se-ão obrigatórios? As máquinas de venda automática, em todas as estações de serviço, terão máscaras KN95 baratas?
O Dr. Mokdad prevê que teremos surtos sazonais de Covid-19 semelhantes a gripe, acompanhados nalguns anos por um grande número de mortos. Isso pode levar-nos ao uso de máscaras sazonais, a tomar uma vacina anual nos meses de inverno e a fazer melhorias contínuas na ventilação em espaços públicos críticos.
Quem melhor souber tomar as medidas necessárias, antecipando o futuro, melhor protegerá os seus cidadãos, e mais vidas salvará.

 


*Médico graduado em Saúde Pública e Delegado de Saúde

 

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