Alguns traços do Pensamento e Obra de José Ribeiro Dias (III)

Alguns traços do Pensamento e Obra de José Ribeiro Dias (III)

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Filosofia da Educação e Educação de Adultos

O Professor José Ribeiro Dias foi, por convite e aceite, meu Orientador das minhas Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, defendidas em fevereiro de 1997, e das minhas Provas de Doutoramento, defendidas no dia 18 de julho de 2003. A decisão decorreu de ter conhecido o Professor Ribeiro Dias numa deslocação à Universidade dos Açores. Sempre me orientou de modo a precisar bem o objeto de análise e investigação e, depois, alargar. O tema e título da minha Tese de Doutoramento traduz essa Orientação, livre, propondo, sem condicionar. O tema é A Filosofia como Centro do Currículo na Educação ao Longo da Vida. Sempre entendi a Filosofia em sentido formativo, útil para a vida e não um conjunto de noções e conceitos abstratos. Também com o Professor José Ribeiro Dias aprendi que não há restrições de bibliografia para tratar e aprofundar um tema. Já apanhei o professor José Ribeiro Dias numa fase avançada e madura da sua carreira. Quando defendi o meu doutoramento, em Educação, na Especialidade de Filosofia da Educação, o Professor José Ribeiro Dias já estava jubilado, com 73 anos, feitos no dia 20 de janeiro de 2003. Decidimos na complexidade. A vida é singularidade e perplexidade. Mas a vida é uma criação ou recriação infinita.
Fora do enraizamento da vida não fazemos educação e filosofia da educação que toque os corações, para ser e conhecermos mais e melhor, para que seja útil, formativo, ao longo da vida. As questões da educação permanente, da educação de adultos, e de educação ao longo da vida sempre constituíram temas maiores para o Professor José Ribeiro Dias. Além disso, o próprio estudo da educação de adultos sempre constituiu um reflexo dinâmico para a educação escolar.
Ao tematizar a Educação de Adultos, José Ribeiro Dias tematiza a Educação no seu todo. Afirma José Ribeiro Dias: “A existência humana dividia-se em duas partes, a da educação e a da vida. Hoje e partir da evolução da segunda metade do século, sabemos que não é assim. Entendemos a educação como processo permanente da vida toda, desde que nascemos até que morremos, através das suas diferentes fazes, de crianças, de jovens e de adultos. (Dias, 2002a, p. 28). Depois da Educação Secundária vem a Educação de Adultos, “na medida em que esta consiste em criar condições para que os adultos se tornem capazes de, eles próprios, procurarem  resposta para todas as suas necessidades e aspirações” (Dias, 2002a, p. 30). Não só estudou e investigou Filosofia da Educação e Educação de Adultos, incorpora e vive o que diz e escreve. José Ribeiro Dias era – e é – autêntico, no dinamismo da vida, a sua, a Vida e a coexistência, sempre atento à Comunidade Humana, na sua ecologia integral. Ele próprio é um exemplo vivo de Educação de Adultos.
    Ainda sobre a correlação entre a educação escolar e educação de adultos, escreve José Ribeiro Dias. “Na educação de infância verificou-se uma revolução copernicana, o centro passou do adulto para a própria criança.” Depois de falar na “educação de adolescentes e jovens” (Dias, 2002b. p. 24) José Ribeiro Dias fala na Educação de Adultos. E, escrevendo no final do século XX, afirma: “Na educação de adultos, descoberta nesta segunda metade do século, considera-se que ela constitui a última etapa da educação e que visa criar condições para que todos os adultos, escolarizados ou não, e a começar pelos mais desprotegidos, se tornem capazes de, eles próprios, procurem resposta para as suas necessidades e aspirações.” (Dias, 2002b, p. 25). Eis uma ideia forte: cada um, dentro das suas possibilidades tomar nas mãos os seus próprios destinos, que possam dar rumos às suas vidas. Mas com os fenómenos de pobreza, de exclusão social, com o agravamento das desigualdades sociais, também com o Covid 19, é preciso um Sistema Nacional de Saúde robusto e, em muitos casos é preciso dar a cana e também o peixe, numa atitude profundamente humanista, para que todos, e cada um/a, crie condições de uma vida autónoma e feliz. Temos, todos, o direito ao bem-estar e à felicidade. Não pode ser poucos a terem quase tudo e quase todos a terem quase nada. É preciso uma conceção de educação que dê possibilidades de iniciativas pessoais, na vida privada, no setor público e no setor privado. Não criar dependência, mas também há as partidocracias, que criam dependências, e que, aos poucos, vão sendo desnudadas. Coisa diferente é a nossa condição de pessoas e de cidadãos. Na Educação de Adultos, e já na escola, nos vários graus é preciso desenvolver uma literacia cívica e jurídica. Um dos autores que José Ribeiro Dias muito cita e trabalha é Paulo Freire, que muito chama a atenção para a nossa condição de sujeitos históricos, para a nossa historicidade, para a nossa vocação de “ser mais”, para a vocação de “dizermos a nossa palavra”, o nosso “direito primordial de dizer a nossa palavra”. Só assim, as democracias se fortalecem e podemos ter um discernimento das coisas, em “diálogo”, com “palavras verdadeiras”. Paulo Freire insiste muito na verdade como ambiente natural de existirmos e coexistirmos, tanto mais importante num tempo tóxico de “notícias falsas” e de “factos alternativos”. A Educação de Adultos enraíza-se nas nossas vidas. A verdadeira Educação de Adultos não deve partir de uma listagem de necessidades abstratas, enraíza-se nas vidas das pessoas para que haja uma “conscientização” e uma superação de toda a alienação. Essa superação exige sair do saber ingénuo para o saber consciente, para a tomada de consciência da liberdade. Como afirmara Husserl, “toda a consciência é consciência de…”. E essa consciência gnoseológica abre a consciência do todo que há a fazer. A pessoa é um todo, uma realidade antropológica que tem o direito natural de ser, de existir e de coexistir. Isto exige um compromisso e um comprometimento. O livro Pedagogia do Oprimido é um clássico contemporâneo. Para agir em humanidade concreta, uma vez liberto, o oprimido tem de ajudar a libertar. E nesse mundo há sempre grilhões para quebrar. Mas isso pode não acontecer, uma vez liberta, alguém pode ter o impulso de aprisionar, de tantas formas. Contra essa tentativa há que estar despertos. O poder de cada um de nós é -deve ser – para libertar, para sermos agentes democratas para fazer a democracia mas como isso pode não acontecer, por deformação, há que despertar o Ser para a sua verdadeira direção. José Ribeiro Dias afirma: “Paulo Freire foca o tema em “A Pedagogia do Oprimido”: o homem pode ser promovido a cada vez mais pessoa ou pode ser reduzido a cada vez menos ser humano.” (Dias, 2002a, p.27)
    Urge, pois, uma Educação Permanente. A vida é ela mesma a grande escola e a grande universidade, que põe problemas a resolver, com a participação ativa, consciente, livre e transparente, de todos e de cada um.
    Depois de falar na educação de infância, na educação de adolescentes, na educação de adultos, afirma José Ribeiro Dias:
“Da sequência destas três fases, emergem os conceitos de educação como processo global e sequencial ao longo de toda a vida do indivíduo – educação permanente – e de interação com os processos paralelos dos outros seres humanos de que resulta um processo global de envolvimento e desenvolvimento de toda a sociedade – educação comunitária. E a educação permanente e a educação comunitária passam a ser vistos como as duas colunas (E. Faure, Aprender a Ser (1972), de todas as futuras grandes reformas do sistema educativo.” (Dias, 2002b, p. 25).
Vemos como a reflexão sobre Educação de Adultos acaba por ter um forte influxo no sistema escolar. Daí José Ribeiro Dias falar na Educação de Adultos em “sentido preventivo”, as crianças e os adolescentes, têm um ser e um estado próprios mas um dia vão ser adultos, neste sentido tudo o que estudam é, de certo modo, educação de adultos em sentido preventivo, e a educação em “sentido supletivo” no sentido de oferecer programas de formação para os que, na idade regular, não tivesse acesso à escola, no sentido em que era – e é – desejável.  
Não posso deixar de escrever este texto sem uma Nota que só é aparentemente pessoal. Tem tanto de pessoal, de cívica e profissional. Desde que conheço o Professor José Ribeiro Dias, já lá vão cerca de 30 anos, encontrei sempre nele um dinamismo que nos incentiva a “andar para a frente”, em dinâmicas, mas manteve, sempre, a sua essência de Ser, mesmo na Educação, um dinamismo, mas em essência de ser. Há valores que são de sempre, os valores da Pessoa Humana, continua a Ser um Guardião dos Valores que nos dão o rosto e a fisionomia humana, mas sempre em reflexão, em problematização e questionamento, conhecimento das várias correntes do pensamento e deixando-nos, a nós, nas diferentes fases da carreira académica o desafio com o seu tão peculiar desafio: “veja lá”. Sempre nos deu tempo para pensar.
Dos vários autores, quer na educação escolar quer na educação de adultos, quer na interação entre ambas houve – e há – um filósofo brasileiro que sempre refere: Paulo Freire. E lendo a sua obra, a fundo, sublinhe-se a fundo, verifica-se que Paulo Freire, é, de facto, um clássico contemporâneo. Paulo Freire é autor com sólidas referências teóricas, ditas  e escritas - em simplicidade, profundidade e complexidade, mas em que as teorias e as ideias estão enraizadas na prática e na vida. Há um sentido de historicidade que é marcante na sua Obra e que muito nos ajuda a compreender estes novos tempos difíceis. Que de novos têm mais do cronos do que no logos. Ainda e sempre é preciso ir aos fundamentos, às razões, aos sentidos.
A Filosofia da Educação e a “Educação da Filosofia” têm sempre de desbravar caminhos para a compreensão “antropogénica” do Homem. No âmbito da Filosofia da Educação um outro autor que tenho muito estudado é o Professor Manuel Ferreira Patrício, que sempre defendeu a matriz cultural da Escola – que não se reduz “à escola cultural”, como, num tempo datado apareceu por oposição à “Escola Curricular”. O estudo do Professor Manuel Ferreira Patrício exige saber discernir o que permanece e o que ficou datado. Mesmo o que é datado tem um movimento de significação. O que nunca fica datado nestes dois filósofos da Educação são as suas capacidades de pensar a Educação e a Educação, na sua máxima abrangência e profundidade, ao mesmo tempo que as obras são abertas e sempre constituintes. A leitura das obras, dos textos, das participações em conversações, das entrevistas, dos diálogos mais informais, tornam tudo claro. José Ribeiro Dias e Manuel Ferreira, embora com abordagens diferentes convergem para a compreensão de nós, na indagação de nós, em termos pessoais, escolares, comunitários, políticos, etc, na nossa Humanidade concreta. Como seres em formação permanente, ao longo da vida e da vida toda. Para compreender estes duas magnas figuras da Educação é preciso continuar a fazer estudos biobibliográficos, em dinâmicas de revisitação. Neste texto aflora a Educação de Adultos. Para onde vamos? Quem seremos? Um desafio para nos Irmanarmos.

*Doutorado e Agregado em Educação
e na Especialidade de Filosofia da Educação

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