Escravidão Perpétua
Chrys Chrystello

Escravidão Perpétua

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“A escravidão não é coisa do passado e nunca foi tão lucrativa”.
O alerta vem do advogado, autor e ativista Siddharth Kara, especialista em tráfico de pessoas e escravidão, temas que leciona na Universidade de Harvard. “Nenhum país é imune e somos todos cúmplices. A escravidão permeia a economia global mais do que em qualquer momento do passado”. A estimativa é que a escravidão gere lucros de 150 biliões de dólares por ano. Há 21 milhões de escravos no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho. Em 17 anos, Kara entrevistou mais de 5 mil pessoas nestas condições em 50 países.
Mas afinal de que escravidão falamos? a generalizada e comum: “Nunca ninguém foi verdadeiramente livre” por mais aparência que existisse, como nas gerações 1960-1999, em que mais liberdadezinhas houve no mundo ocidental. Sempre houve normas e convenções, mas a humanidade esteve dependente dos desígnios da minoria mandante que dita os moldes da escravidão de cada era, da fixação do horário de trabalho, à remuneração, recompensa por bom comportamento dos súbditos, até à existência ou não de tempos de lazer, se tal não afetar a capacidade produtiva. Ninguém escapa à engrenagem, nem os que vivem off-the-grid (fora da rede), pois necessitam de bens produzidos pelo sistema e a troca direta “barter”, nem sempre é possível.
Os desprovidos são os desempregados, sem-abrigo e os que fugiram ao ciclo produtivo, com liberdade de fazerem o que quiserem desde que seja gratuito, o que os limita a viver à sombra da bananeira, numa ilha deserta, rica para a alimentação, vestuário e outras necessidades. Só é possível em literatura de ficção. Os senhores do mundo, usam os instrumentos ao seu dispor, desde a escravatura materialista das sociedades contemporâneas à religião, à contrainformação, aos espetáculos circenses que reproduzem a máxima romana de “pão e circo (panem et circenses)” que vai dos mundiais de futebol a outros alegados desportos dominados pela máfia do dinheiro, anestesiando as massas e criando escape a sentimentos reprimidos.
Basta averiguar o mito das férias que perpetuam a escravatura consumista. Se estiver numa ocupação produtiva remunerada, provavelmente recebe um montante extra para gastar, caso contrário, nem subsídio de férias.
Se (por ex.º) viver na Lomba da Maia, sem dinheiro extra nem carro, vai a pé 4 km até à Praia da Viola e chamará a isso férias, ou aproveitará o tempo para cuidar da casa, pintá-la ou renová-la com o seu trabalho e chama a isso de férias.
Se vai para fora (cá dentro ou lá fora) de férias e já entrou num esquema de crédito ao consumo, nunca mais se libertará do ciclo vicioso de pagar ao banco o que pediu emprestado e os juros exorbitantes da invenção a que chamam dinheiro. Endividou-se para estudar, então trabalhe, para reembolsar a banca, que sobrevive explorando-o a si e aos demais.
Se pensa que não é um escravo, pense na vida dos seus antepassados e verá como é apto o título desta crónica.
Se pensa que os donos disto tudo são livres, desengane-se, sem nós, escravos perpétuos, nada são e têm de se certificar de que há escravos (como nós), para manterem o sistema a funcionar. Por mais oleado o esquema, precisam de inventar continuamente de novas normas e retribuições, para que a roda dentada da engrenagem funcione e dê lucros, maiores. Até eles são escravos da escravatura que impõem aos outros. Seria uma vida mais livre e menos escrava antes de inventarem o dinheiro? Não há relatos.
Os poetas, sonhadores, escritores, enganam-se pensando que são livres, só na realidade virtual atingem esse modicum enganoso de liberdade.

 

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício 297713 (Australian Journalists´ Association MEAA)

 

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