Ponta Delgada:  A Prova dos 9
Teresa Nóbrega

Ponta Delgada: A Prova dos 9

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Os centros históricos das cidades são a sua identidade e reflectem o modo de ser e de estar da sua população. Ali nasceu a urbe e lá se concentraram os serviços públicos, com destaque para os Paços do Concelho, para além do comércio que abastecia a população. É também para lá que confluem os que visitam a cidade. E como todos para lá convergem é o espaço privilegiado para o convívio social.
Nas cidades de maior dimensão a afluência da população ao centro é grande. Para além das eventuais compras, que hoje em dia já não obrigam à deslocação ao centro histórico, os transeuntes procuram o calor humano que lhes é transmitido pela concentração de gente. Nas cidades de média dimensão revêem-se amigos e convive-se. Nas grandes cidades é a multidão que nos acolhe e nos aproxima de um mundo que nos enriquece pela sua diversidade.
A grande procura dos centros históricos por parte da população obrigou os gestores municipais a adequar os espaços de modo a bem acolher aqueles que o procuram. À grande concentração de circulação pedonal, em alguns arruamentos, a resposta foi o encerramento ao tráfego rodoviário.  
Na maioria das cidades a procura dos centros por parte da população tem aumentado significativamente. São poucas as cidades onde acontece o contrário, geralmente por deficiente planeamento urbano.
 É o caso de Ponta Delgada. A saída de muitos serviços públicos do centro, com relevo para o hospital, centro de saúde e Segurança Social, a abertura de um centro comercial, relativamente próximo, pertencente a uma cadeia nacional que reúne algumas das principais marcas das chamadas “lojas âncora” e dotado de parques de estacionamento gratuito para centenas de viaturas, a alteração de hábitos da juventude, que cada vez mais tem compromissos de carácter desportivo ou cultural após o horário lectivo, a dispersão de estabelecimentos escolares, alguns erros cometidos pelos comerciantes e pelos gestores autárquicos e o comodismo característico da nossa população conduziram a um divórcio entre os pontadelgadenses e o centro histórico da sua cidade.
É neste contexto que a nova vereação de Ponta Delgada, liderada por Pedro Nascimento Cabral, decide experimentalmente fechar ao trânsito algumas ruas do centro da cidade na quadra de Natal. A ideia teve o mérito de se ter revelado bem elucidativa do que acontecerá em Ponta Delgada com o encerramento de mais ruas ao trânsito rodoviário. Na época de maior movimento do ano a cidade desertificou-se. Nada que não fosse suposto acontecer, pois recordo que o Largo da Matriz, que há muitos anos atrás ao fim da tarde era ponto de encontro e convívio de muita gente, uma semana depois do encerramento ao trânsito de viaturas nos lados norte e poente passou a estar como o conhecemos agora. Deserto.
A iniciativa da Câmara Municipal de Ponta Delgada teve o mérito de ser a prova dos nove do que acontecerá com mais arruamentos fechados ao trânsito. Pela simples razão que só se fecham ao trânsito rodoviário ruas onde a circulação pedonal já é intensa, ou em português corrente, cheias de gente. E em Ponta Delgada propõe-se fazer o contrário. Criar mais zonas pedonais numa cidade vazia de gente. Mais vazia vai ficar.
Sem embargo de para isso se avançar onde tal se mostrar apropriado. A Rua Pedro Homem, das poucas em Ponta Delgada que ainda ostenta o seu nome de “baptismo”, tal foi a destruição da riqueza histórica da toponímia tradicional durante o século XX, tem vindo a mostrar uma interessante dinâmica cultural e empresarial. Mas os passeios são tão estreitos que não permitem um trânsito pedonal seguro nem confortável. Ou se fecha a rua ao trânsito rodoviário ou se proíbe o estacionamento e se alarga os passeios.
Um destino turístico urbano, como Ponta Delgada já é e quer ser cada vez mais, não pode apresentar um centro histórico deserto. Uma cidade deserta não é atractiva. Não se pode fechar ruas ao trânsito rodoviário se não houver gente para as encher. É um erro de palmatória. É preciso encontrar o caminho para reconciliar os pontadelgadenses com a sua cidade e o que foi o feito até agora foi afastá-los. É preciso pensar a cidade e planear o futuro, sem ideias preconcebidas e castradoras  


*Jornalista
A autora escreve segundo a anterior ortografia    

 

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