Cautelas e caldo de galinha nunca  fizeram mal a ninguém
Mário Freitas

Cautelas e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém

Previous Article Previous Article Câmara da Lagoa testou contra a Covid-19 e vacinou contra a gripe funcionários municipais
Next Article Homem detido nos Arrifes pelo crime de violência doméstica na noite de Natal Homem detido nos Arrifes pelo crime de violência doméstica na noite de Natal

Conversas pandémicas (88)

1.    Recordes diários

Os EUA, a Itália, a Irlanda, a Dinamarca, França, Reino Unido e Portugal durante esta semana bateram, largamente, o record de novos casos de COVID19, diários.
Epidemiologicamente, a VOC Omicron é quase um outro vírus: muito mais transmissível, menos severo. Mas, saliento, não é uma “gripezinha”, muito menos uma “constipação”: Estudos apontam para que, nos indivíduos não vacinados, a sua taxa de letalidade seja 5 vezes superior à da gripe.
Neste momento estamos em compasso de espera, para perceber a evolução da interação entre as variáveis transmissibilidade e gravidade.
Para já, os cenários apontam para um enorme potencial de sobrecarga nos serviços de saúde, com as consequentes implicações nos doentes não-COVID19 (um número elevado de infectados condicionará a capacidade dos sistemas de saúde em manterem o seu normal funcionamento: por um lado, pelo congestionamento na prestação de serviços de saúde a um número extraordinário de “infectados ligeiros”; por outro, pela diminuição dos recursos humanos disponíveis para prestar os serviços de saúde - eles próprios infectados).
Exige-se prudência nesta fase, e aceleração na vacinação.

2.    E o que acontecerá depois da VOC Omicron…?

Sabemos que mesmo as pandemias mais persistentes terminam nalgum momento. Quando tal será alcançado, exactamente, no caso da COVID19 depende de vários factores. E, a variante Omicron tornou as previsões um pouco mais complicadas.
As vacinas oferecem uma boa proteção contra casos de doença grave, mesmo que nem sempre possam prevenir a infecção. A Omicron parece causar menos mortes do que as variantes anteriores. E aqueles que sobrevivem a uma infecção têm defesas adicionais contra as outras formas do vírus que ainda estão em circulação - possivelmente, também contra futuras mutações.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) acabará um dia por decidir que um número suficiente de países reduziu o número de infecções - ou, pelo menos, o número de casos de doença grave e de mortes -, e então declarará oficialmente o fim da pandemia. Esses valores-limite ainda não foram definidos. Por isso, aqueles que ousadamente (alguns de forma crónica) falam que a “pandemia acabou” ou “já estamos em endemia” erram.
Mas, mesmo disso acontecer é muito provável que o vírus permaneça galopante nalgumas partes do mundo, especialmente nos países mais pobres, com poucas vacinas, e com opções de tratamento insuficientes.
A maioria dos países poderá um dia alcançar uma situação “endémica”, de forma semelhante à da gripe. Em jeito de comparação: nos Estados Unidos da América, mais de 800.000 pessoas morreram nestes 2 anos, após serem infectadas pelo sarscov2.
Normalmente, entre 12.000 e 52.000 americanos morrem, em cada ano, como resultado da gripe. Percebe-se bem a diferença na grandeza de números…?
Portanto, a questão central, neste momento, é: quantos sacrifícios o mundo está disposto a aceitar…?
E esta é uma questão social e política, não é científica.
O Dr. Anthony Fauci estabeleceu uma meta, a de colocar o Sarscov2 sob controle, de tal forma que a sociedade e a economia deixem de ser prejudicadas. Embora este “novo normal” ainda não tenha sido claramente definido, há cada vez mais sinais de que os EUA, e outros países, estão a fazer esse caminho.
Graças às vacinações de reforço, a novos métodos de tratamento e ao uso generalizado de máscaras, a variante omicron, considerada particularmente contagiosa, ainda não exigiu confinamentos semelhantes aos que foram impostos em muitas partes do mundo no início da pandemia.
Segundo muitos especialistas, o futuro pode ser algo assim: após o fim da pandemia, o sarscov2 causará uma constipação nalgumas pessoas e doença grave noutras - dependendo do seu estado geral de saúde, do estado de vacinação e de infecções anteriores. As mutações continuarão a aparecer, e poderão exigir vacinações de reforço ajustadas, em determinados intervalos.
A vacinação é claramente a melhor maneira de superar esta pandemia. No entanto, neste momento, sem se saber o tempo real de protecção e eficácia da vacinação, não se pode fazer uma recomendação sobre a vacinação.
É fácil prever que, no futuro, alguém infectado com o Sarscov2 ficará apenas em casa uns dias, e depois regressará ao trabalho. Sendo certo que a sociedade terá de estar preparada para proteger os mais frágeis, e os serviços públicos de saúde, de sobrecargas. Mas, esse dia ainda não chegou. É preciso fazer, calmamente, esse percurso. São vidas humanas que estão em jogo.

3.    A abordagem “vacinas plus”

A carta aberta “Covid-19: An urgent call for global “vaccines-plus” action”,publicada no BMJ 2022; 376, [https://doi.org/10.1136/bmj.o1], de 03 de Janeiro de 2022, reúne um amplo leque de conhecimentos adquiridos em 2 anos de pandemia, e propõe uma abordagem a esta fase da Pandemia. Saliento:
“(…) Por todas as razões, a abordagem “vacinas plus” deve ser adoptada globalmente.
Esta estratégia retardará o surgimento de novas variantes, garantindo que existam num ambiente de baixa transmissão, onde possam ser controladas por medidas eficazes de saúde pública, enquanto permite que todos (incluindo os clinicamente vulneráveis) vivam as suas vidas com mais liberdade. (…) Consequentemente, apelamos à OMS, e aos governos nacionais, para:
1. Declare-se inequivocamente o SARS-CoV-2 como um patógenio aerotransportado, e enfatizem-se as implicações de tal na prevenção da transmissão. (…)
2. Promova-se o uso de máscaras de alta qualidade em reuniões em espaços interiores, e noutros ambientes de alta transmissão.
Os benefícios (significativos) do uso comunitário da máscara estão bem documentados. Máscaras N95, P2 / FFP2 ou KF94 devem ser utilizadas em todos os ambientes interiores onde as pessoas se encontrem, e pelos profissionais de saúde em todos os momentos.
3. Aconselhe-se a ventilação e filtragem eficazes do ar.
É hora de ir além de “abrir as janelas” e procurar uma mudança de paradigma para garantir que todos os edifícios públicos sejam idealmente projectados, construídos, adaptados e utilizados para maximizar o ar limpo aos ocupantes - estratégias que têm demonstrado reduzir a transmissão SARS-CoV-2.
4. Estabeleçam-se critérios para impor, ou relaxar, medidas de redução da propagação da covid-19, com base nos níveis de transmissão na comunidade.
Localização, testagem, rastreio, isolamento e suporte eficazes continuarão a ser essenciais para bloquear a transmissão. Baixar as taxas de transmissão permite que todas as medidas disponíveis tenham melhores hipóteses de serem eficazes, criando um ciclo positivo e auto-reforçador de controle da doença. (…)
5. Apoiem-se medidas urgentes para alcançar a igualdade global de vacinas, incluindo a partilha de vacinas, a suspensão de patentes, a remoção de barreiras à transferência de tecnologia e estabeleçam-se centros de produção regionais para criar um fornecimento local abundante de vacinas de alta qualidade em todos os paises.
O lançamento global de vacinas deve incluir esforços coordenados para lidar com a desinformação, para garantir que as pessoas tenham acesso a dados precisos e oportunos sobre a eficácia e proteção da vacina.”

4.    Prudência em cada passo dado

O Dr. Michael Mina, epidemiologista, partindo de uma experiência do Prof Saul Kato, elaborou um esquema extremamente interessante. O Prof Kato, aquando da sua situação de doença COVID19, realizou testes rápidos diários, monitorizando assim a infecção (que teve características de leve) de COVID19, há duas semanas atrás. Duas importantes conclusões podem ser tiradas:
(1) O Prof Kato foi “positivo”, mais de 9 dias.
(2) Os testes rápidos mostram uma graduação, que pode ter algum valor para monitorizar a carga viral nasal/ infecção, presuntiva.
Com dezenas de milhões de novos casos diários o risco de aparecimento de supervariantes é real, assim como real é o risco de sobrecarga dos serviços públicos de saúde. O momento é de enorme prudência, e, repito insistentemente, é aconselhável precaução.
O serviço de saúde público integra profissionais exaustos ao fim de 2 anos de pandemia, e qualquer colapso no Serviço de saúde põe em causa a saúde dos doentes não-COVID19. Não perceber isto é não perceber que o que está em jogo são vidas humanas, e uma concepção de sociedade civilizada.
*Médico graduado em Saúde Pública e Delegado de Saúde

Share

Print

Theme picker