Os nossos Açorianos...tal qual os Reis Magos

Os nossos Açorianos...tal qual os Reis Magos

Previous Article Previous Article Dois séculos de Constitucionalismo em Portugal
Next Article IL dá prioridade à economia azul: “muito maior  do que tudo o que nos separa é o mar que nos une” IL dá prioridade à economia azul: “muito maior do que tudo o que nos separa é o mar que nos une”

Hoje é o dia do Santo Reis
Anda meio esquecido
Mas é o dia da festa do Santo Reis
Eles chegam tocando sanfona e violão
Os pandeiros de fita carregam sempre na mão.[...]
In: A festa de Santos Reis, Canção de Márcio Leonardo.

 

Um grande e venturoso Feliz 2022! Dou boas-vindas ao ano recém-nascido e marcado pela data histórica do bicentenário da independência do Brasil. Vamos vivê-lo em plenitude e resilientes às mudanças que se desenham na sociedade pós pandemia. Depois de um 2021 de tantos desafios e incertezas, 2022 promete ser um ano de retomada, de renovação e de reencontros e quiçá de ressuscitar a ética do país. Esperançar, recomeçar e fazer são os verbos eleitos,  pelo menos para esta escriba. Desejo viver bem cada um dos meus dias como se fosse um novo ano. Sem promessas, com alguns propósitos e tão somente a ousadia de sonhar, curtindo a energia gostosa de se sentir viva aos 75 anos.
Depois de dois anos sem poder celebrar a virada do ano, os catarinenses e turistas se reuniram e festejaram a chegada de 2022 dobrando em muitos milhares a população de “Floripa”. Ficará na história o “Mar de Gente” que brindou o final do ano e o alvorecer de 2022. Também ficará registrado o aumento exponencial de infecções por Covid-19, impulsionado pela rápida transmissão da doença, via variante da Ômicron e a grande incidência da gripe Influenza.
O calendário neste início de ano é recheado de festas típicas do verão, eventos efêmeros, festas tradicionais e parte da nossa cultura popular e religiosa como o Carnaval e Santos Reis. Nos 26 estados brasileiros a celebração dos Santos Reis ou Reisado não passou em branco ainda que de forma restrita à pandemia. A secular tradição religiosa e cultural que ocorre entre 24 de dezembro e 6 de janeiro celebra o nascimento de Jesus e a visita dos três Reis Magos com a passagem das Folias de Reis e dos Ternos de Reis de porta em porta, anunciando a chegada do Messias e o périplo dos Santos Reis desde o Oriente. De origem ibérica e presente no Brasil desde a época colonial, a sua formação varia de região para região trazendo roupagens, personagens e cantorias tão distintas como Reisado de Sergipe ou o Terno de Reis de Santa Catarina.

Dias atrás comentei no grupo de WhatsApp da Comissão Nacional de Folclore (com 22 comissões estaduais) sobre a chegada dos açorianos em Santa Catarina em Dia de Reis e a peculiaridade da sua celebração na terra barriga-verde. De repente e de jeito surpreendente, colegas folcloristas enviaram incontáveis exemplos de cantorias e de Reisados singulares dos lugares mais recônditos ou de grandes cidades do país, onde a festividade se manifesta com toda a força da tradição, mesmo em tempos de Ômicron. Os ventos do seu conhecimento sopraram tão fortes que decidi incluí-los neste artigo. O seu olhar alargado espelhou a universalidade do localismo, a identidade. O mineiro Ulisses Passarelli pesquisou a Tipologia dos Reisados Brasileiros; Affonso Furtado da Silva, fluminense, mentor do projeto Reisados Brasileiros, contou-me sobre o maior encontro de Folias de Reis do Sul de Minas que ocorre em Alfenas; o potiguar Severino Vicente, falou do resgate cultural da Folia de Reis (o primeiro é de 1598),da 112º Festa dos Co-padroeiros da cidade de Natal e matou a minha curiosidade sobre “Boi de Reis e seus brincantes”; de Goiás o registro do Reisado de Trindade e a louvação dos Santos Reis enviado por Izabel Signoreli; Marlei Sigrist, de Mato Grosso do Sul,  conversou sobre Aparecida do Taboado, onde está o mais forte Reisado do estado e de Miranda na região do Pantanal Matogrossense; Osvaldo Trigueiro, paraibano, enviou o vídeo de Luizinho Barbosa sobre Reisado de Pombal; o paulista Toninho Macedo, que há 50 anos fundou o grupo Abaçaí Cultura e Arte, apresenta o Reisado de Abaçaí, um encontro de danças, multiculturalidades e devoção; Eliomar Mazoco, capixaba, repassou rico material sobre o 71º Encontro Nacional de Folias de Reis, realizado no município de Muqui, no Espírito Santo; Rúbia Lóssio de Pernambuco narrou a jornada final do Pastoril das Meninas Encantadas e a “Queima da Lapinha no dia de Reis”. Trata-se de uma das mais antigas e tradicionais cerimônias de encerramento do ciclo natalino, realizada em Recife, no bairro da Várzea. Organizado por Berta Ferralc o Pastoril das Meninas Encantadas envolve toda a comunidade na produção dos figurinos e adereços em tons vibrantes do encarnado e azul, as cores dos pastoris; com Cláudio Sampaio, presidente do Boi Brilho da Lua, de São Luís do Maranhão, tentei compreender a “Queimação da Palhinha da Murta do Presépio”, no dia de Reis, na Casa das Minas (sincretismo afro-brasileiro). Cerimônia com cantorias na língua jeje e ladainhas com frases intercaladas em latim e português, marcada pela retirada e queima de galhos de murta que enfeitam o presépio.
Se o Brasil inteiro festeja os Santos Reis, Santa Catarina também comemora com a simplicidade dos seus Ternos de Reis e visitas às casas. Porém, para os catarinenses do litoral, o sabor da celebração vai além da tradição religiosa e cultural, ela abraça 274 anos de história.
Seis de Janeiro é dia dos Santos Reis e de celebrar a chegada da primeira leva de ilhéus açorianos à Ilha de Santa Catarina em 1748.O saudoso escritor açoriano Daniel de Sá,  no prefácio de “Na Esquina das Ilhas”(2011) escreveu:“ Esses que atravessaram o Atlântico em viagens de medo e morte, fugindo à pobreza que nestas ilhas reinava mais que El-rei D.João V, foram aí para fazer tudo desde o princípio.” Ao todo, cerca de 6000 ilhéus entre 1748-1756 se fixaram na Ilha de Santa Catarina e ao longo do litoral catarinense, constituindo a maior mobilidade humana para o Brasil Meridional com o propósito de povoamento dentro do império português. Hoje, assiste-se a uma geração de açor-descendentes que buscam suas raízes lusitanas e orgulhosos expressam publicamente os seus laços de sangue, citando nominalmente a genealogia de suas famílias e a Ilha de pertença dos seus ancestrais.
Os nossos açorianos estão por todos os lugares  da nossa Florianópolis e em muitos  dos 295 municípios catarinenses, transfiguram na rica gastronomia, na prosa,na poesia,na música, na arte pictórica, no traçado secular das rendeiras, na tecnologia dos engenhos, da louça de barro, da canoa bordada, no cuidar a terra e no lavrar o mar.Enfatizo, com veemência, não se trata aqui de uma identidade forjada na herança de 274 anos.E sim da “alma assentada” na história de nossos antepassados que se reinventa a cada dia, no contínuo caminhar das gerações.
Então...como não sentir orgulho dos nossos e vossos ancestrais que vieram de tão longe, atravessaram a imensidão atlântica e tal qual os Reis Magos, iluminados pelo Cruzeiro do Sul ( a estrela Guia da América do Sul), ofereceram ao Menino Deus, na ilha-presépio,assuas prendas –  esperança, sonhos e fé no amanhã?
Os nossos açorianos de hoje celebram os Santos Reis, estão nos Ternos de Reis e,com sua cantoria, percorrem os caminhos,visitam as casas.Os nossos açorianos de 2022,tal qual os Reis Magos, depositaram aos pés do Menino Jesus a sua fé na humanidade.Seu nome? Pode chamá-los por Ávila, Andrade, Aguiar, Costa, Ferreira, Melo, Sá, Silveira, Machado, Pires, Oliveira, Cabral, Coelho, Bittencourt, Dutra, Correia, Pereira, Sá, Almeida, Menezes, Medeiros, Martins, Nunes, Neves, Gomes... e tantos outros nomes de cá e de lá.


* Vice Presidente do Conselho Municipal de Educação de Florianópolis

Share

Print

Theme picker