Dois séculos de Constitucionalismo em Portugal

Dois séculos de Constitucionalismo em Portugal

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O Presidente Eduardo Ferro Rodrigues marcou uma parte do seu mandato com valiosas iniciativas de celebração dos duzentos anos do Constitucionalismo em Portugal, iniciado com a  Revolução do Porto, de 1820, da qual resultou a eleição das Cortes Gerais Constituintes, onde foi aprovada a primeira Constituição Portuguesa, em 1822. O súbito termo da sua prestigiada presidência, em resultado da dissolução da Assembleia da República e da convocação de eleições legislativas antecipadas, não lhe permite levar o projecto até ao fim, o que decerto o penaliza pessoalmente; mas não impedirá a respectiva conclusão, em tempo oportuno e já sob a liderança do novo titular do cargo.
Bem merece ser celebrada tão provecta idade da nossa primeira Constituição e dos seus  naturais antecedentes políticos, que decorreram da difusão das ideias democráticas oriundas da Revolução Francesa.  ( Prefiro falar de democracia e não de liberalismo, termo que me parece ficar melhor aplicado na área das doutrinas económicas; por isso não gosto da expressão “democracia liberal”.) Mas a insatisfação das elites portuguesas da época, reflectida também no sentimento popular, tinha outros ingredientes, dos quais se deve destacar a ausência do Rei e do Governo do Reino no Brasil.
 Na altura da ida para lá, decidida in extremis quando as tropas napoleónicas já avançavam pela fronteira dentro, a todos pareceu avisada a decisão, que nos poupou ao vexame de ver no trono de Portugal um qualquer Bonaparte, como aconteceu em Espanha. Mas, expulso, com ajuda inglesa, o invasor, a permanência da sede do Poder do Estado no Rio de Janeiro começou a parecer injustificada e daí as sucessivas reclamações pelo regresso do Rei...
O Rei decidiu-se a vir, quando já não podia adiar mais a viagem para Lisboa, prometendo logo que aceitaria e juraria a Constituição que as Côrtes estavam elaborando. E assim fez, com toda a solenidade, embora tenha sido sol de pouca dura, tão agitado se achava então o País e as personalidades mais próximas do trono. Entretanto o sonho régio do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves tinha-se desfeito com estrondo, a começar logo pela dureza com que foram tratados os Deputados brasileiros nas Côrtes Constituintes e as suas razoáveis reclamações de auto-governo; despedidos das instalações do Palácio das Necessidades, onde as Côrtes se reuniam, com um despectivo “Adeus ao Senhor Brasil”, os líderes da nova nação brasileira, voltando apressadamente para casa, levaram por diante os seus intentos e, com o apoio do Príncipe Real, proclamaram a Independência!
Alguns dos episódios seguintes são dignos de uma telenovela e, à distância de quase dois séculos, quase nos fariam sorrir, senão fosse pelos terríveis prejuízos, físicos e morais, da Guerra Civil. É impossível evocá-los sequer com algum pormenor. Uma parte do drama decorreu nas nossas Ilhas, assim arrastadas de rompante para um dos capítulos mais tumultuosos da História de Portugal. A maior parte dos actores principais eram adventícios e, depois de infernizarem o pacato meio insular, sumiram-se daqui quase sem deixar rasto.
Tenho pensado algumas vezes, e já partilhei esta reflexão com os meus alunos, que as dores do fim do Império Português se arrastaram por várias gerações e ficaram marcando de certa forma a evolução dos nossos sucessivos regimes políticos.
A chamada “perda” do Brasil causou enormes perturbações em Portugal, que de repente se viu privado das quantiosas rendas de lá recebidas. Houve então quem duvidasse da viabilidade do próprio País e propugnasse a União Ibérica, fenómeno que também ocorreu do outro lado da fronteira, enquanto se lambiam as feridas da perda das colónias espanholas da América do Sul.
Valeu a Portugal, na época, a consolidação do Império Africano, a partir dos estabelecimentos existentes ao longo das costas da Guiné, de Angola e de Moçambique. E tanto se aferrou o País à ideia de que a sua sobrevivência dependia das colónias africanas, que a queda da Monarquia está ligada ao Ultimato Inglês e à acusação subsequente de não conseguir o regime defender o dito Império das cobiças que sobre ele eram patentes. A República e a Constituição de 1911 não esconderam os seus projectos colonialistas; a entrada de Portugal na Grande Guerra foi justificada pela defesa das possessões coloniais, já ameaçadas pela Alemanha, pelos vistos com a conivência, em acordos secretos, da nossa mais antiga Aliada...
O Estado Novo fez aprovar logo de início o Acto Colonial, no qual se organizava o Império, conforme os padrões da época. A grande revisão constitucional de 1951 transformou as colónias em “províncias ultramarinas”, na vã tentativa de obviar aos propósitos da ONU de promover a autodeterminação e independência dos povos colonizados.
Iludindo-se com a miragem de que os levantamentos do início dos anos 60 seriam afinal mais um episódio a resolver com “operações militares de pacificação”, como nos tempos do Gungunhana, a Ditadura lançou o País numa guerra em três frentes, que só veio a terminar com a Revolução do 25 de Abril. Reduzido às suas fronteiras históricas no Continente Europeu e aos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, pareceu então que os 500 anos do Ciclo Imperial tinham terminado e a Portugal faltava cumprir finalmente o seu destino europeu.   
A Constituição de 1976, com as suas posteriores revisões, aponta claramente em tal sentido. Parece haver, porém, quem ande por aí fantasiando um novo Império, agora principalmente marítimo, como se se pudesse repetir a História... Não irão longe!
 
* Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico)  

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