A Leste nada de novo!

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A parte oriental da Europa sempre foi considerada diferente. Os povos eslavos que por lá predominavam até tinham uma escrita estranha para os nossos olhos habituados ao alfabeto latino. E o seu Cristianismo também era algo distinto do mais comum no Ocidente, mesmo depois da Reforma, que de resto por lá não aconteceu.
A Cortina de Ferro que se estendeu, segundo a famosa expressão de Churchill, desde o Mar Báltico até ao Mediterrâneo, confirmando o domínio imperial da Rússia Soviética sobre toda a Europa Oriental, afastou as duas metades do Velho Continente e isso durou quase meio século.
O súbito e algo também inesperado fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim e o colapso do império europeu da Rússia e do próprio comunismo, por Mário Soares magistralmente descrito como “o embuste do século”, trouxe-nos de volta ao convívio europeu a outra metade da Europa, permitindo a todos finalmente respirar, como disse o Papa João Paulo II, ele próprio um eslavo de origem, a dois pulmões.
No entusiasmo transbordante desses dias históricos, em que povos inteiros recuperavam  nas ruas e perante o Mundo, que tudo seguia em directo pela Televisão, a sua liberdade e independência nacional, ficou bem claro que por lá também se aspirava à implantação de instituições democráticas, tendo no horizonte a participação no processo de integração europeia, que já seguia de velas enfunadas a caminho da União, e a adesão à NATO. Esta última tinha como objectivo evidente garantir, com a aliança aos outros países europeus e a garantia nuclear dos Estados Unidos da América, que não tornaria a acontecer a invasão e ocupação pela Rússia de tais países, nem a sua dominação de tipo colonial pelos interesses russos.
Os anos 90 foram anos de euforia na Europa, com tantas coisas importantes a acontecerem, permitindo visualizar caminhos novos, cheios de expectativas positivas. Posteriormente, algum entusiasmo se foi desfazendo e os problemas revelaram-se mais difíceis de serem resolvidos do que inicialmente se pensara.
A União Europeia alargou-se para Leste, incorporando as novas democracias, cujas populações estavam ansiosas de beneficiar dos incentivos europeus para o seu desenvolvimento económico e social. E um a um também a NATO acolheu os novos estados membros, incluindo os Países Bálticos, Estónia, Letónia e Lituânia, que tinham sido incorporados no território da própria Rússia, durante a Segunda Guerra Mundial, ao abrigo do vergonhoso pacto acordado entre Hitler e Stalin, no qual também a Polónia foi amigavelmente dividida entre os dois pactantes ( ou não seria talvez melhor escrever, tratantes?...)
Na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e na Assembleia Parlamentar da União da Europa Ocidental, pude acompanhar, entre 1996 e 2015, o evoluir da problemática da Europa Central e de Leste. O fortalecimento da democracia comprovou ser mais difícil do que de início se pensava, tantos e tão intensos eram afinal os vestígios da dominação comunista na mentalidade dos povos e dos seus líderes. Por outro lado, o atraso deixado como rasto era deveras enorme, do ponto de vista económico e social, avultando uma pobreza endémica, muito longe dos padrões ocidentais.
Na falta de um novo esforço, por mim repetidas vezes defendido, equivalente ao do Plano Marshall, que permitiu desencadear os trinta anos gloriosos de crescimento e progresso social em todo a área do então Mercado Comum e mesmo nos outros países europeus aderentes à EFTA, a recuperação do desnível existente entre os novos e os antigos países membros da União Europeia tem sido lenta e talvez isso ajude a explicar o eclodir de movimentos populistas e autoritários em alguns deles.
Quanto à NATO, num primeiro momento pensou-se que seria possível estabelecer formas de cooperação com a Rússia e para isso até se desenharam e puseram a funcionar mecanismos institucionais. Mas a partir da chegada ao poder do actual Presidente, que depois veio a ser temporariamente Primeiro Ministro e agora voltou a Presidente e até fez alterar a Constituição para se manter vitaliciamente no cargo, ficou comprovado que o seu projecto de poder pessoal é incompatível com qualquer cooperação, porque nele se inclui o fantasma do inimigo externo como polo de fixação para justificar a repressão interna e a dominação dos povos incluídos no que é designado por “estrangeiro próximo”, onde se inclui o Cáucaso e afinal também toda a Europa Central e de Leste.  E não falemos do imenso império asiático da Rússia, conquistado pelos exércitos czaristas e mantido sob férrea dominação até aos nossos dias. Recorde-se a sangrenta repressão da revolta na Tchechénia, esmagada após duas campanhas ditas de pacificação.
É daí que surgem as exigências sobre o não alargamento da NATO à Geórgia e à Ucrânia, que já tiveram governos que em tal sentido se pronunciaram, e a retirada da mesma  da Roménia,  da Bulgária e da Polónia, que são membros de pleno direito da Aliança. Claro que isso é totalmente inadmissível, pois a regra da NATO é ser uma aliança aberta a quem dela quiser fazer parte, por decisão livre dos respectivos órgãos representativos democráticos; e não se pode nem deve reconhecer à Rússia um droit de regard sobre a política externa de países independentes, porventura com fronteiras confinantes.
Irá a Rússia invadir a Ucrânia, como parece estar ameaçando e até em preparativos de guerra? É certo que já lhe anexou a Crimeia e mantém em desestabilização permanente a rica região do Dombass. A protecção das minorias russófonas tem sido invocada para essas operações,  argumento falaz, igual ao que a Alemanha nazi invocou para reclamar os Sudetas, antes de ocupar e devastar toda a Checoslováquia, e que a Comunidade Internacional agora se recusa a aceitar. Julgo que não se concretizará a temida invasão e que as tropas russas a seu temo recolherão a quartéis. Mas operações de ameaça e simulação deste tipo vão certamente aparecer de vez em quando, servindo propósitos de política interna russa e as veleidades do actual Presidente, que se pretende, como Ivan, o Terrível, Czar de todas as Rússias, a primeira das quais historicamente foi a Ucrânia.


* Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico  

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