O Presidente da Câmara do Comércio e Indústria de Ponta Delgada está preocupado com as consequências do conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, que também chegarão aos Açores.
Mário Fortuna, em declarações ao “Diário dos Açores”, começa por analisar os aumentos dos preços dos combustíveis, afirmando que os aumentos a que assistimos até agora “tiveram como origem os impactos da pandemia que, num primeiro momento, em 2020, fez descer preços, para o escoamento dos stocks das empresas, sendo que, num segundo momento, na segunda metade de 2021, com o início da recuperação económica, fazer reajustar os preços em alta, num contexto em que a recuperação, pela sua intensidade, surpreendeu a oferta. Nestas circunstâncias o ajustamento é sempre feito pelos preços, no curto prazo”.
Preços dependem das flutuações dos mercados
O líder dos empresários e também professor de economia reconhece que “o reflexo destes ajustamentos chega, também, aos Açores, porque estamos num mercado integrado e os nossos preços dependem, em boa parte, das flutuações dos mercados, mesmo com a maior fatia a depender dos impostos”.
E acrescenta: “Num contexto de subida dos preços do petróleo nos mercados onde o compramos ou passamos os custos acrescidos ao consumidor ou então o governo aceita reduzir os impostos sobre os combustíveis (tax holiday), o que não será muito provável dada a situação orçamental do país. Previa-se que o ajustamento dos mercados de energia se faria na primeira metade de 2022, regressando-se à normalidade a partir daí”.
Só que, esta situação, no entanto, tenderá a agravar-se com a crise entre a Rússia e a Ucrânia, “não só nos combustíveis como também no abastecimento de produtos alimentares”.
Perigo da economia mergulhar
na estagnação e inflação
“Estes países são grandes produtores de cereais e de combustíveis, sendo a Europa um dos seus principais destinos. As sanções económicas e a disrupção da produção vão, seguramente, refletir-se nos preços dos cereais e dos combustíveis”, explica o Presidente da Câmara do Comércio.
“É elucidativo a este respeito referir que a Europa importa 26,9% do petróleo, 41,1% do gás e 46,7% de combustíveis sólidos que consome da Rússia. Portugal importa 10% da sua energia da Rússia. Estando Portugal diretamente menos dependente do que a Europa, não está imune às variações indiretas dos mercados”, sublinha Mário Fortuna.
“Os impactos do conflito militar serão incontornáveis dadas as consequências do início da crise militar. O prolongamento desta crise terá consequências mais graves antes de os países encontrarem novas soluções de abastecimento, a preços previsivelmente sempre mais elevados. Começa a configurar-se algum perigo de a economia mergulhar numa situação de estagnação e inflação”, conclui.
A forte dependência europeia
Todos os especialistas mundiais são unânimes em considerar que a guerra entre os dois países e as sanções económicas vão ter fortes reflexos nas economias a nível internacional.
Um primeiro choque pode vir de um efectivo corte das relações comerciais entre as duas partes.
A Europa tem uma dependência significativa da Rússia como fornecedor de petróleo e de gás natural e, se essas importações deixassem de ser realizadas (para já, tal ainda não aconteceu), poderia haver problemas em alguns países da UE, principalmente os da Europa de Leste e Central.
No caso da Ucrânia, o que está em causa é o fornecimento de cereais. Em 2020 e nos primeiros 10 meses de 2021 a Ucrânia era o quarto mercado mais importante de importações agro-alimentares para a União Europeia, especialmente milho e trigo.
Depois da decisão de Kiev de encerrar a navegação comercial nos portos do país, no Mar Negro, o fornecimento de carga por via marítima de e para a Ucrânia está suspenso, o que pode vir a criar maior pressão fornecimento mundial de cereais.
Mesmo sem que se concretize uma interrupção total das exportações da Rússia, um cenário de subida dos preços dos combustíveis e dos produtos alimentares parece inevitável, e já está aliás a verificar-se.
No final da semana passada, nos mercados internacionais, o cenário confirmou todos os receios: os preços do gás natural chegaram a estar a subir 45%, o barril de petróleo superou a fasquia dos 100 dólares pela primeira vez desde 2014 (quando a Crimeia foi anexada pela Rússia) e os preços da electricidade tocaram em novos máximos históricos no mercado ibérico.
Nos cereais, a cotação do milho e do trigo registaram, na quinta-feira, subidas da ordem dos 10%, atingindo, no caso deste último, o valor mais elevado dos últimos dez anos.
Esta subida de custos acontece, ainda para mais, num momento em que a economia mundial já enfrenta uma alta da inflação muito significativa, que já vinha sendo motivada em parte pelo aumento dos custos dos bens energéticos.
Consequências nas empresas
e famílias
O choque proveniente do aumento dos custos energéticos pode ser particularmente significativo.
Para as famílias e para as empresas, especialmente aquelas que precisam intensamente de energia produzirem, o aumento da factura energética já tem vindo a condicionar de forma significativa a sua actividade.
Uma nova subida, para níveis recorde, promete reduzir mais o poder de compra das famílias e afectar a viabilidade das empresas, limitando-lhes a capacidade para investir.
Junta-se a isto a possibilidade, por causa de uma ainda maior persistência da inflação na zona euro, de o Banco Central Europeu (BCE) ter de adoptar, a prazo, uma política monetária mais restritiva, o que, para os portugueses, se reflecte imediatamente num agravamento das suas prestações de crédito.