Produto avariado, contrato delido, crédito apagado, direito cumprido!
Mário Frota

Produto avariado, contrato delido, crédito apagado, direito cumprido!

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CONSULTA
“Aproveitando o período de saldos que transcorre, comprei numa empresa de referência (que por razões que se prendem com o conflito em curso não identificarei) um computador pessoal que me custou uns centos largos de euros. Mediante um crédito ali disponível. Cinco dias depois, o computador apresenta-me uma “senhora” avaria. Levei-o à empresa para o devolver. E, para me dissuadirem a mandá-lo reparar, dizem-me que se desistir da compra terei de pagar o empréstimo até ao fim, sem apelo nem agravo.
Mas agora pergunto eu: fico sem o produto e sem o dinheiro? Isto poderá lá ser?!”

PARECER
Formulada a questão, cumpre apreciá-la:
1. A Lei Nova das Garantias dos Bens de Consumo, que entrou em vigor a 01 de Janeiro em curso, estabelece que

“em caso de não conformidade do bem, …, o consumidor tem direito:
a) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem;
b) À redução proporcional do preço; ou
c) A [pôr termo ao] contrato. (n.º 1 do art.º 15)
2.    E, em geral, o primeiro passo é o da reposição de conformidade (a opção entre a reparação ou a substituição), ao contrário do que sucedera até então, salvo se o meio escolhido para a reposição for impossível ou excessivamente oneroso (impuser custos desproporcionados ao fornecedor).
3.    Mas há, neste particular, uma excepção, contemplada no artigo seguinte (o 16) , a saber, “se  a não conformidade se manifestar no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a sua  imediata substituição ou pôr termo ao contrato” por meio de declaração à contraparte: é o denominado “direito de rejeição”!
4.    No entanto, se a aquisição do produto tiver sido assistida de um crédito pessoal, a LCC - Lei do Crédito ao Consumidor de 2 de Junho de 2009 é expressa em considerar que
4.1.    A invalidade ou a extinção do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no contrato de crédito coligado (DL 133/2009: n.º 2 do artigo 18).
4.2. No caso de incumprimento ou de desconformidade no cumprimento de contrato de compra e venda … coligado com contrato de crédito, o consumidor que, após interpelação do vendedor, não tenha obtido deste a satisfação do seu direito ao exacto cumprimento do contrato, pode interpelar o credor para exercer qualquer uma das seguintes pretensões:
4.2.1. … “A extinção  do contrato de crédito” (por meio de resolução) [LCC: alínea c) do n.º 3 do artigo 18] .
4.2.2. Se o contrato de compra e venda for extinto (ou seja, se for objecto de resolução), o consumidor não está obrigado a pagar ao credor o montante correspondente àquele que para o efeito foi recebido pelo vendedor.
4.3. Por conseguinte, o consumidor que usa do direito de pôr termo ao contrato pela não conformidade da coisa, nos primeiros trinta dias após a entrega, perante o vendedor, não fica obrigado a honrar o crédito, continuando adstrito ao pagamento de cada uma das prestações até final, como se tem por elementar, sob pena de enriquecimento sem justa causa do vendedor.
5. Usa de má-fé o fornecedor que se socorre de um tal argumento para que o consumidor se retraia e não exerça os direitos que a lei lhe reconhece. Com efeito, nos termos da LDC - Lei de Defesa do Consumidor - se estabelece que
“o consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos” (LDC - n.º 1 do art.º 9.º).

EM CONCLUSÃO:
a.    Se a não conformidade do bem com o contrato ocorrer nos primeiros 30 dias após a entrega, é lícito ao consumidor optar entre a substituição e a faculdade de pôr termo ao contrato: é o denominado “direito de rejeição” (DL 84/21: art.º 16)
b.    Se o consumidor puser desde logo termo ao contrato, o crédito coligado cai, contanto que interpele a instituição de crédito para o efeito (DL 133/2009: n.º 3 do art.º 18)
c.    Se o fornecedor insistir, usando de má-fé, para que o consumidor não exerça os seus direitos, pode o prejudicado instaurar nos tribunais arbitrais de conflitos de consumo uma acção indemnizatória com base na preterição dos seus direitos (por meio de assédio ou de influência indevida) (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 9.º, n.º 1 do art.º 12) (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 11).
Este é, salvo melhor juízo, o nosso entendimento.


*Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

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