E a “obrigação de proteger”?

E a “obrigação de proteger”?

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As imagens que constantemente nos chegam da Ucrânia, mostrando a brutalidade da invasão pelas tropas russas às ordens do ditador de Moscovo, são deveras chocantes. Os comandantes, políticos e militares, mostram não reconhecer os limites ao uso da força, decorrentes das convenções internacionais sobre Direito Humanitário, e avançam com a destruição de alvos civis - escolas, hospitais, maternidades, creches, zonas residenciais - sem qualquer escrúpulo, utilizando armas inovadoras, e até se gabam disso... Os crimes de guerra assim cometidos não podem ficar impunes e a Comunidade Internacional tem de agir com determinação para levar os responsáveis directos e os seus mandantes perante os tribunais competentes, nomeadamente o Tribunal Penal Internacional, sedeado na Haia.
 Já aqui lembrei que a desculpa de estar cumprindo ordens deixou de poder ser invocada após os julgamentos de Nuremberga e de Tóquio, pelo que os operadores das armas que são apontadas para alvos civis devem saber que ao fazê-lo põem também a sua própria cabeça no cepo. Quanto aos mandantes, civis ou militares que sejam, estão de caso pensado a violar a lei internacional e sujeitam-se às sanções que bem conhecem ou têm pelo menos a obrigação de conhecer. Se tudo acabar com a amnistia prática de tais condutas criminosas, equivalentes a autênticos massacres, será o Direito Internacional a principal vítima, o que cobrirá de vergonha toda a Comunidade Internacional.
Desde finais do século passado foi sendo elaborada a doutrina sobre a “obrigação de proteger”. A Comunidade Internacional não pode assistir indiferente à chacina indiscriminada de populações inteiras e tem o direito e até a obrigação de intervir para pôr cobro a práticas tão repelentes e contrárias ao Direito das Gentes. O pretexto foi então o suposto genocídio em execução pelos exércitos da Sérvia no Kosovo e o uso da força contra o opressor foi considerado legítimo, levando ao bombardeamento de cidades pela Aviação Americana, a pedido das Autoridades Europeias, que assim confessaram a sua impotência para enfrentar a crise. A Rússia ainda protestou, em nome da solidariedade eslava, mas ficou por isso mesmo.
 Quando estive em Belgrado, alguns anos depois, para participar numa reunião da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, os vestígios das destruições causadas pelas bombas dos Aliados ainda estavam visíveis; mas a ditadura que conduzira a guerra tinha sido deposta e o país esforçava-se para cumprir os critérios para a sua futura adesão à União Europeia, mantendo difíceis negociações com o Governo da sua antiga província, já por muitos países, incluindo Portugal, reconhecida como um Estado independente.
Ora, a situação existente hoje em dia na Ucrânia assemelha-se, tragicamente, à que deu origem à doutrina sobre a “obrigação de proteger”. Mas não se vê que ninguém esteja disposto a invocá-la! Antes pelo contrário, parece que a Comunidade Internacional se encontra paralisada, transida de medo pela ameaça de recurso ao arsenal nuclear feita pelo regime ditatorial russo, com total despudor. Palmas para o Presidente Ucraniano é coisa que não falta nos Parlamentos de muitos países, entusiasmados com os discursos proferidos via Zoom e até aplaudindo de pé e unânimemente, coisa que talvez se não verificasse na nossa
Assembleia da República, caso algum dia ela venha a acolher uma dessas transmissões... Mas nisso temos ficado, repetindo o mantra de que não se enviarão tropas para o terreno. Ou seja, como já tive oportunidade de ler: estamos todos dispostos a defender a Ucrânia até ao último ucraniano!
É certo que se têm sucedido os envios de material de guerra por parte dos países da União Europeia e também de alguns dos nossos aliados na NATO, nomeadamente dos Estados Unidos. E a preocupação por evitar a generalização do conflito e a sua evolução para uma IIIª Guerra Mundial é justa e deve ser mantida. Mas já não percebo por que razão os países vizinhos do actual teatro de operações, e que bem se podem considerar ameaçados pelas doutrinas revisionistas do ditador russo, não se chegam mais à frente, enviando unidades militares, em regime de voluntariado, para contrariar o avanço das tropas russas e defender as populações civis.
Também me parece de considerar, como meio de pressão política para travar a destruição das cidades ucranianas e o morticínio dos seus habitantes, a organização de visitas de altos responsáveis dos países europeus e de outras partes do Mundo - dos 145 que votaram na ONU, condenando a invasão perpetrada pela Rússia! - anunciada com antecedência e responsabilizando o regime ditatorial russo pela respectiva segurança. A uma visita dessas por dia, Kyiv poderia gozar de uma trégua de quase cinco meses! Alguém deveria dar o exemplo e os outros decerto seguiriam.
O próprio Secretário Geral da ONU já deveria ter-se deslocado à Ucrânia, por menos que isso agradasse a alguns dos membros permanentes do Conselho de Segurança, cujo voto foi decisivo para a sua eleição e reeleição. Já no segundo mandato e sem pretensões a um terceiro, uma iniciativa arrojada seria importante, até para desfazer a impressão negativa causada pelas instruções divulgadas aos serviços da Organização para que não usassem as expressões “guerra” ou “invasão” a propósito do que se está passando, com escândalo geral.
Deve ficar claro que o repúdio do Mundo não se dirige contra a Rússia nem contra o seu Povo, muito menos a sua brilhante Cultura, que é também património nosso; mas sim contra o regime ditatorial e os seus beneficiários, os quais devem considerar-se banidos sem apelo da Comunidade Internacional, por mais que venham a declarar-se dispostos a negociar uma saída de paz. O seu destino está traçado e passa pelo Tribunal Penal Internacional.

* Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico  

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