Guerra e Paz
Teresa Nóbrega

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Quem nasceu no final dos anos 40, no rescaldo da Segunda Grande Guerra Mundial, cresceu, chegou à idade adulta e constituiu família num mundo bipolarizado entre dois blocos militares, ideologicamente antagónicos, que mantinham uma paz baseada no terror de um holocausto nuclear. Dos dois blocos, o chamado mundo ocidental, maioritariamente constituído por países livres e democráticos, onde florescia uma economia de mercado tendo por alicerce o consumo, disputava a hegemonia mundial com o bloco leste, onde imperava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, herdeira do império dos czares e restantes “democracias” populares de origem marxista-leninista, de economia planificada e sem liberdades individuais.
Em 1989, e nos primeiros anos da década de 90, o bloco leste e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas entraram em colapso. O Pacto de Varsóvia, constituído pela U.R.S.S. e pelos países que ela “libertou” da ocupação nazi, foi dissolvido. A Guerra Fria terminou e Boris Ieltsine, o presidente de uma nova Rússia virada para o capitalismo, abriu as portas a uma “Entente Cordiale”. Era a grande oportunidade para a paz, pois não existindo mais diferenças ideológicas não se justificavam rivalidades perigosas. Mas o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos da América, manteve-se reservado.
Talvez porque o complexo militar-industrial só faz bons negócios quando existe um inimigo. A NATO não só continuou a existir como passou a englobar os antigos países do Pacto de Varsóvia e as três Repúblicas bálticas que tinham pertencido à União Soviética. Pela primeira vez a NATO, que para os russos sempre significou ameaça, chegava às suas fronteiras. Grande era a ameaça e maior a humilhação.
A Ieltsine sucedeu Putin, antigo quadro do KGB convertido ao capitalismo. Fascinado pela história da Rússia imperial, Putin assumirá verdadeiramente o papel de último czar de todas as Rússias. Não rompeu logo com o bom relacionamento com o Ocidente, porque ambicionava integrar o clube dos ricos. Mas sentia todas as humilhações sofridas pela Rússia por parte do Ocidente nos últimos 30 anos. A última foi a sua expulsão das reuniões do G7, local onde os líderes ocidentais tinham a oportunidade de manter proximidade e relacionamento privilegiado com o autocrata russo. A sua expulsão do grupo foi não só mais uma humilhação como isolou definitivamente um homem perigoso dominado pela ambição do poder e da grandeza da Rússia. Uma péssima decisão dos líderes ocidentais.
É neste contexto que surgem as questões de fronteiras deixadas em aberto pelo final abrupto da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os litígios motivados por fronteiras mal desenhadas sempre estiveram, e irão continuar a estar, na origem da maioria dos conflitos entre nações em todo o planeta e em todas as épocas.
Na área da antiga União Soviética os territórios russos cedidos por Stalin à sua Geórgia natal foram resolvidos por Putin através da força militar. A Ossétia do Sul foi integrada pela força na Federação Russa e a Abecásia tornou-se independente mas na esfera da Rússia. Houve protestos do mundo ocidental mas a Geórgia não é bem Europa e o caso foi esquecido, mas serviu de aviso.
O caso da Ucrânia era mais complicado. A sua importância era fundamental para dar dimensão à Comunidade de Estados Independentes liderada pela Rússia. Mas quando a Ucrânia derivou estrategicamente para Ocidente surgiram as questões fronteiriças. Primeiro a Crimeia, que no quadro da União Soviética, o ucraniano Kroutchev  cedeu à Ucrânia, apesar da sua população ser maioritariamente russa, e que foi recuperada pela força em 2014. Seguiram-se sublevações de população de m, para além de outras reivindicações territoriais, exige um estatuto especial para a Ucrânia de neutralidade e e desmilitarização.
A guerra não está a correr bem aos russos, mercê da estratégia ucraniana de escolher como campo de batalha as cidades e do armamento adequado para esta estratégia fornecido pela NATO. No entanto, o preço a pagar por esta estratégia é muito alto. Resulta na destruição do país e das suas estruturas e a táctica utilizada faz da sua população alvo do invasor.
Valerá a pena? A Hungria (1956) e a Checoslováquia (1968) pouco reagiram a invasões russas e hoje são países livres e membros da União Europeia e da NATO. O rumo da história tem o seu tempo e interferir com o tempo da história pode ser demasiado perigoso. A Rússia não pode perder esta guerra. Seria a humilhação suprema. O urso enfurecido irá utilizar todas as armas ao seu alcance, mas perder, jamais. Os líderes ocidentais sabem disso mas continuam a alimentar a fúria do urso. É um jogo perigoso.
As sanções não estão nem vão resultar e também nos atingem. E os russos nunca irão compreender a reacção do Ocidente relativamente a esta operação militar, eles que nem reagiram quando os Estados Unidos da América e aliados atravessaram com os seus exércitos o planeta para invadir e destruir totalmente um país, o Iraque, cujo poderoso exército só tinha equipamento militar russo. Foram em busca de umas armas de destruição maciça que, como já se suspeitava, não existiam.
A PAZ não se constrói alimentando a guerra.

*Jornalista
A autora escreve segundo a anterior ortografia   

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