Bombeiros dos Açores enfrentam “incêndio” de problemas e apresentam caderno reivindicativo ao Governo
Diário dos Açores

Bombeiros dos Açores enfrentam “incêndio” de problemas e apresentam caderno reivindicativo ao Governo

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Sem acesso a fundos comunitários, sem regras de financiamento e com transporte de doentes a preços de 2014...

As Associações de Bombeiros dos Açores enfrentam graves problemas de financiamento há longos anos e querem que o “fogo” de preocupações, que lavra em todas as corporações, seja apagado, ou pelo menos atenuado, pelo actual executivo regional.
O Diário dos Açores fez uma ronda por algumas associações e todas elas manifestam uma profunda mágoa por serem considerados sempre no fim da linha, mesmo em situação de crise, como se viveu agora, mais acentuadamente, com a pandemia.
Os bombeiros dizem-se mesmo “esquecidos, mal pagos e mal considerados” pelos governantes e políticos, que nem conseguem adaptar à região aquilo que há muito tempo já foi feito no Continente na Madeira.
 A 13 de Agosto de 2007 o país viu criada uma Lei onde se lê que “o Estado apoia financeiramente as associações com vista ao cabal cumprimento das missões dos corpos de bombeiros...”.
Mais tarde, a Lei n.º 94/2015, de 13 de agosto, definiria as regras do financiamento das associações humanitárias de bombeiros em Portugal continental, diploma este que foi adaptado à Região Autónoma da Madeira, mas nunca chegou a ser adaptado à Região Autónoma dos Açores, “pelo que a nossa Região é, neste momento, o único território em Portugal onde esta matéria não conhece legislação”, queixam-se os bombeiros açorianos.
E não é por falta de alertas, já que as associações vêm chamando a atenção do governo dos Açores, desde 2015,  para a necessidade de se implementar, na região, uma política de financiamento das mesmas pelo Estado.

Processo parado desde 2018

 Foi, por isso, com “natural satisfação e muita expectativa” que os bombeiros receberam, em Novembro de 2017, a notícia da criação de um grupo de trabalho com o objectivo de elaborar o levantamento das necessidades e da realidade financeira das AHBV’s (Associações de Humanitárias de Bombeiros Voluntários) nos Açores e propor um modelo de financiamento.
Do referido grupo de trabalho resultou uma proposta que incide sobre a atribuição de tripulantes para a constituição de piquetes de alerta, o que, embora obviamente redutor enquanto modelo de financiamento, era um primeiro passo certo rumo a uma proteção civil mais permanente, multidisciplinar e plurissectorial, na medida em que constitui uma medida de reforço do apoio às AHBV’s e respetivos Corpos de Bombeiros e, bem assim, representa o reconhecimento inequívoco da importância destas na prossecução das políticas e ações de proteção civil desenvolvidas pelo Governo dos Açores/Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores (SRPCBA), segundo os próprios reconhecem.
O problema é que o processo parou em 2018 e por aí ficou!

Caderno reivindicativo
para o governo

É por isso que os bombeiros apresentam, agora, um caderno reivindicativo ao Governo dos Açores, com a esperança de que, desta vez, os inúmeros problemas que afectam as corporações sejam resolvidos.
O caderno é constituído por 24 páginas dactilografadas, em que foi relator o Vice-presidente da Federação dos Bombeiros da Região Autónoma dos Açores, José Manuel Braia Ferreira, que é também  Presidente da Direcção da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do Faial.
O documento está nas mãos do Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, do Secretário Regional da Saúde, que tutela a Protecção Civil, deputados e outras entidades.
O Diário dos Açores teve acesso a este caderno reivindicativo, onde está descrita toda a história do processo de alertas que os bombeiros vêm lançando há vários anos, partindo depois para uma série de propostas, todas bem fundamentadas, para o futuro funcionamento das associações.
Desde logo, à cabeça, novamente a luta pela reforma do modelo de financiamento das Entidades Detentoras de Corpos de Bombeiros (EDCB’s) pelo Estado, designadamente através do estabelecimento de contratos anuais de financiamento que tenham em conta os custos fixos, os custos operacionais e os investimentos necessários à boa manutenção dos bens fixos e móveis, garantindo a capacidade necessária à cabal prestação do socorro e assistência aos cidadãos em situação de emergência - missão esta na qual, e sublinhamos, as AHBV’s e os seus CB’s substituem o Estado.
“ Não podemos continuar a aceitar que as AHBV’s substituam o Estado na função de segurança e proteção civil, mas que este perpetue a política de “mão estendida”, obrigando as Associações, na ausência de contratos de financiamento, a navegar constantemente à vista”, avisam os bombeiros.

O problema do transporte
de doentes

As corporações de bombeiros estão com os seus quadros cada vez mais envelhecidos e com uma falta enorme de voluntários interessados.
 Dizem mesmo que “na generalidade das AHBV’s, é notória a dificuldade em, nos períodos de férias, baixas médicas e licenças previstas na lei dos operacionais afetos ao serviço de transporte de doentes urgentes e emergentes, cumprir com as equipas previstas nos protocolos com o SRPCBA sem recorrer aos operacionais afetos à central telefónica e ao serviço de transporte de doentes não urgentes (ambos da responsabilidade das AHBV’s) e aos elementos do comando ou aos voluntários (quando estes estão disponíveis e, tendencialmente, em regime de remunerados por serviços prestados)”.
“Acresce que alguns turnos são assegurados integralmente por bombeiros voluntários, não remunerados; no entanto, nos meses de Verão, a disponibilidade dos voluntários tende a decrescer, o que levanta dificuldades adicionais às AHBV’s, não só em termos operacionais/humanos, mas também financeiros. Ademais e numa altura em que o voluntariado vai rareando (situação mais notória nos concelhos de menor densidade populacional), esta solução pode vir a ficar comprometida no futuro - além de que o SRPCBA não pode esperar que este serviço de interesse público, cada vez mais complexo e especializado, assente apenas e só em voluntários”, lê-se no documento a que o nosso jornal teve acesso.
E acrescentam: “  Em suma, o número de tripulantes/equipas e os montantes de comparticipação mensal destinados a fazer face aos encargos da emergência médica pré-hospitalar e evacuação médica entre unidades de saúde ficam aquém das necessidades reais e diárias de alguns concelhos/ilhas (situação ainda mais evidente em tempo de pandemia), obrigando as AHBV’s à mobilização de meios humanos não abrangidos pelos contingentes de pessoal definidos nos protocolos com o SRPCBA e, por conseguinte, a um esforço financeiro suplementar para assegurar a qualidade do serviço a prestar”.

Valores sem actualização
desde 2014

As associações reconhecem que,  relativamente ao serviço de transporte de doentes não urgentes, convencionado com os hospitais e as unidades de saúde de ilha, este constitui-se como uma importante fonte de receita para as AHBV’s da Região.
“Embora sempre passível de melhoria, entendemos que este serviço é uma mais-valia e, essencialmente, uma oferta de qualidade. Isto porque vai muito para além do veículo (que, por si só, já se diferencia pelos equipamentos que possui e pelo facto de permitir o transporte de doentes acamados): implica serviço humano de transporte, de e para o veículo, de doentes por vezes em situações muito complicadas (idosos, com mobilidade muito reduzida, por vezes acamados)”, reconhecem os bombeiros.
E explicam que não se trata meramente de transportar idosos para consultas, tratamentos, etc.; “trata-se, muitas vezes e na verdade, de oferecer a única forma que têm de o fazer e, adicionalmente, com comodidade, segurança e, sobretudo, dignidade. Este é, no fundo, o cerne da nossa atuação nesta área e a grande mais-valia do serviço prestado pelas AHBV’s”.

Revisão urgente

 “Neste enquadramento, as AHBV’s e os seus CB’s da Região não se têm poupado a esforços no sentido de cumprir esta missão (e as demais) sempre com rigor, profissionalismo e espírito de bem servir, valores que aliás norteiam a sua ação diária. Contudo, este setor enferma de vários “males” que vêm obstaculizando o seu crescimento sustentável: desde logo, os valores praticados, os quais foram estabelecidos em 2014 (iguais para todas as AHBV’s/unidades de saúde) e nunca mais alvo de atualização; adicionalmente, a dívida dos hospitais e unidades de saúde da Região para com as AHBV’s, que tem vindo, ao longo do tempo, a aumentar”, queixam-se as associações.   
Há-de haver muita gente que não sabe, mas a verdade é que as AHBV’s não estão obrigadas a prestar este serviço aos hospitais e unidades de saúde, fazem-no “por questões humanitárias e de respeito para com os acamados (sobretudo), porque, em termos financeiros, estamos a falar de valores desfasados do mercado e cujo pagamento é altamente imprevisível, logo coartando o desenvolvimento do setor”.
 No entender dos bombeiros, o modelo de parceria com os hospitais e unidades de saúde para prestação de serviços de transporte de doentes não urgentes “carece de uma revisão urgente (os valores praticados na RAA não são atualizados desde 2014, ao passo que os salários dos bombeiros já foram atualizados por diversas vezes), só possível de concretizar com sucesso se mediada pela tutela”.
 Outro problema é garantir financiamento para aquisição, reparação, conservação e manutenção de veículos, fardamento e equipamento especializado - indispensáveis à manutenção da operacionalidade dos CB’s.
“É uma preocupação constante das AHBV’s da Região, que implica um investimento anual considerável e tende a aumentar em função do desgaste ao longo do tempo. Contudo, nos últimos anos, tem sido parco o investimento do Governo dos Açores no que diz respeito aos outros veículos dos CB’s - aqueles que compõem a chamada “frota vermelha” -, bem como aos equipamentos e fardamento para os bombeiros”, sublinham.
 E a proposta é a seguinte: “Esta questão poderia ser atenuada, por exemplo, garantindo o acesso das AHBV’s da Região aos fundos estruturais disponíveis para a área da protecção civil, designadamente para renovação do parque auto e aquisição de equipamentos de proteção individual e coletiva, em igualdade de circunstâncias com as congéneres nacionais, o que atualmente não se verifica”.
Os bombeiros descrevem, neste documento, exemplos de programas comunitários onde se poderia recorrer a financiamento, isto porque “ não podemos aceitar que permaneça vedado o acesso direto das Associações de Bombeiros da Região aos fundos comunitários, continuando estas a depender do planeamento político e económico do Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores, pelo que continuaremos a lutar para que às AHBV’s seja conferida a oportunidade de candidatura aos fundos estruturais disponíveis para a área da proteção civil”.
Outras reivindicações fazem parte do documento entregue ao governo, nomeadamente  a atualização da tabela de preço do serviços de prevenção à descarga de combustível,  a Carreira e regime jurídico do bombeiro, o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) e Incentivos ao voluntariado, entre muitos outros problemas que afectam as associações.
O Diário dos Açores vai continuar, em próximas edições, a acompanhar a situação que os bombeiros enfrentam, com uma vasta lista de problemas a que o nosso jornal se propõe dar voz.

jornal@diariodosacores.pt

 

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