Diário dos Açores

Duarte Freitas e as “Ilhas capitalinas”

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De vez em quando a atualidade política regional é agitada por declarações públicas que transparecem um evidente e crónico mal-estar no tecido social de algumas ilhas, sobretudo as designadas “mais pequenas”, que o são, na verdade, pese embora a sua dimensão territorial.
Aos mais atentos, não passaram despercebidas as declarações feitas pelo novo Secretário das Finanças, Duarte Freitas, na comissão de inquérito às agendas mobilizadoras.
Assumindo-se como natural de uma das ilhas ”pequenas”, o governante teve a coragem de serenamente afirmar: “O fato mais grave que aqui está foi não se ter considerado as Associações Comerciais de todas as ilhas [na composição do Conselho Económico e Social] e de considerar-se apenas aquelas das ilhas capitalinas, o resto dos resquícios do neocolonialismo.” Daí o ter solicitado aos deputados presentes e revisão do DLR 8/2018 para alterar esta disposição.
O governante picoense que, como os seus conterrâneos, conhece e sente na pele essa situação, teve a coragem de, pela primeira vez, assumir existirem “resquícios do neocolonialismo”, decorridos mais de quarenta anos de autonomia.
Esse resquícios abrangem também outros setores sociais.
A saúde é, certamente, o mais penalizador da vida dos picoenses, devido às distâncias e os meios de transporte terrestre e marítimo que têm de tomar para efetuar uma consulta de especialidade, ou um diagnóstico mais complexo no Hospital da Horta, para não falar de partos a que se sujeitam obrigatoriamente as grávidas.
O Secretário Duarte Freitas conhece perfeitamente as dificuldades dos seus conterrâneos, o contínuo e perigoso decréscimo demográfico que afeta toda a atividade económica da ilha, desde a agricultura à pesca, da construção civil ao comércio e ao turismo.
Ciente de que o atual Estatuto Político-Administrativo não permite a sedeação de departamentos governamentais fora das três antigas cidades das “ilhas capitalinas”, Duarte Freitas faz questão em manter um gabinete na sua terra Natal, onde exerce também as funções que lhe foram confiadas pelo Presidente do Governo.
Com a proximidade à vida dos seus conterrâneos e ao crescimento de uma parcela picoense à qual se perspetivavam desenvolvimentos interessantes no transporte marítimo de cargas e passageiros, desconheço como terá ele aceitado a decisão anunciada pela nova responsável dos transportes de o governo “deixar cair esse projeto”. E seria bom que se pronunciasse, mais não fosse para afirmar e recordar a importância que os transportes marítimos de passageiros, viaturas e mercadorias ganharam com a operação dos ferries.
Outra coisa bem diferente é a boa ou má gestão resultante dos equipamentos utilizados e a sua desadequação ao volume de passageiros e mercadorias.
Foi admitindo a importância desse meio de transporte para o mercado regional que ele integrou o programa eleitoral do PSD e do atual governo que prometeu interrompê-lo por dois anos para estudar projetos alternativos.
Essa decisão adiará, certamente, a ampliação do porto comercial de São Roque que também foi bandeira eleitoral do atual Presidente da autarquia.
O avião cargueiro - bandeira do CDS - que se pretende implementar no final do verão, não será nunca alternativa ao transporte marítimo de passageiros e viaturas. Ademais, desconhece-se o montante do serviço a pagar à SATA pelo Governo e o preço do transporte da mercadoria.
Ao longo dos anos, durante as minhas viagens de “ferry” entre São Miguel e Pico, fui-me dando conta da importância daquele meio de transporte na venda de produtos excedentários das várias ilhas.
De São Miguel, carrinhas, semana após semana, transportavam melancias e outros produtos hortícolas para o Pico; da Graciosa iam viaturas carregadas de melões, peixe seco e outros bens; para já não falar das viaturas de empresas de construção com equipamentos e pessoal para prestarem serviços de que algumas ilhas estão carecidas.  
As ligações marítimas de passageiros e viaturas inter-ilhas são um serviço público, desempenhado ou não por privados, existente nos vários arquipélagos europeus, nomeadamente a Madeira, Canárias e as ilhas gregas.    
É por isso que o seu custo-benefício não pode ter uma apreciação meramente economicista.
Há que ter em conta as raízes históricas e os fatores sócio-económicos das populações beneficiadas, muito mais num arquipélago de nove ilhas, de dimensões e vivências variadas.
O que aqui pretendo relevar é o desassombro de um membro do executivo em defesa de antigas e persistentes situações de dependência “neocolonialista”.
Ao contrário há outros políticos que, apesar de desconhecerem os problemas, têm a desfaçatez de se arvorarem em doutrinadores e paladinos da boa gestão dos dinheiros públicos, mas mais não fazem do que centralizar a economia criando sobre-custos que desconstroem a unidade insular e regional que tanto custa a construir.
Duarte Freitas colocou o dedo na ferida do bairrismo “capitalino”, centralista e anti-açoriano.
Será que os seus pares do Governo e do Partido o entenderam? Não são alguns deles bairristas encapotados, que zelam mais pelo seu eleitorado do que pelo desenvolvimento harmónico e da “causa açoriana”?


http://escritemdia.blogspot.com

*Jornalista c.p.239 A

José Gabriel Ávila*

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