Diário dos Açores

É Espírito Criador O Pneuma de Deus Pai, é Criação e Arte

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O Veni Creator Spiritus

A Iconografia, ilustra a descida do Espírito Santo sobre a Virgem e os Apóstolos, na efusão dos carismas.

No cristianismo, o Espírito Santo é a terceira pessoa da Santíssima Trindade, juntamente com Deus Pai e Deus Filho, por isso, é o Deus único e omnipotente.
Ele, é uma das pessoas de Deus trino que revelou o seu santo nome YHWH (IAVÉ) ao seu povo em Israel.
Os primeiros versos do hino, Veni Creator Spiritus, em notação musical antiga, é um hino do uso litúrgico da Igreja Católica e de outras igrejas cristãs e ortodoxas.
O hino, situa-se na fronteira entre Teologia e a Música, tendo como doutrina associada a Pneumatologia, na forma de diálogo doutrinal e experiência estética do mistério, em sintonia com a área pastoral, e experiência cristã.
Como nasceu o ícono Hino,Veni Creator Spiritus e a sua função na Igreja?
A Música, como mediação sensível do Mistério, integra-se à Teologia num diálogo bidireccional permitindo elaborar e integrar o hino num discurso teológico a partir da experiência que a linguagem musical possibilita, de se fazer
Teologia a partir da arte musical.
O material musical (hino), foi composto por Santo Ambrósio de Milão, no século IV, e associado ao hino cristológico intitulado de: Hicestdiesverus Dei. (Este é o dia do verdadeiro Deus).
Mais tarde, no século IX, pela autoria de Rábano Mauro, a melodia ganha a sua letra pneumatológica, concebendo o hino, que hoje a humanidade reconhece e a Igreja canta com entusiasmo e devoção espiritual, o Veni Creator Spiritus, realçando a dimensão criadora do Espírito Santo.
Constata-se que a melodia, no decorrer do tempo, foi modificando-se mediando diferentes aspectos do mesmo Mistério plasmados na linguagem musical, articulando as poéticas cristológica e pneumatológica.
Toda actividade artística, busca trazer a sua novidade ao mundo sensível, o que normalmente é atribuído a uma inspiração cristã artística que relaciona com a Terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo.
É Nele, que o humano expande toda sua capacidade criativa, por tal motivo, Ele ganha o título de Espírito Criador, e nessa dimensão, toda a Igreja tem particular estima pelo hino que invoca,e coloca-o como lugar teológico.
A natureza do hino na palavra escrita, revela dupla origem cristológica e pneumatológica, que obriga a profundar e investigar, o contexto musical na teologia de dois momentos diferentes da história nas figuras centrais de: Santo Ambrósio de Milão no século IV e Rábano Mauro no século IX, apontando o primeiro como autor da melodia original com o texto cristológico, e o segundo como autor da letra pneumatológica que acolhe a melodia de Santo Ambrósio.
O realce da leitura teológica da obra com seus desdobramentos verbais e musicais, revelam as possibilidades do hino ter uma poética viva, capaz de iluminar novas interpretações e composições do mesmo impulso Criador, que acompanha o desenvolvimento da linguagem musical pelo pulso métrico, que o hino ambrosiano possui, e reconhecer duas questões: a alegoria da música com coração que sustenta a sacralidade da música métrica, ea possibilidade de uma versão métrica do Veni Creator Spiritus  fazer justiça ao estilo da melodia original.
A criatividade artística-humana, explorou a riqueza poética cristológica, e o sopro divino com a sua inspiração, encarregara de adaptar às estrofes do hino, uma nova melodia de improvisação, do ”Fabordão”.
O Fabordão, é melodia improvisada que adapta à sua forma original gregoriana o hino, de puro canto gregoriano, enriquecendo o intercalar, estrofe gregoriana, com o estilo sálmico a três ou quatro vozes masculinas“ Fábordão” ou falso bordão (Termo utilizado na música sacra.
Inicialmente, era um método de improvisação de harmonias paralelas ao cantochão, com a melodia na parte mais alta; no uso moderno, o termo significa uma harmonização de um hino nas igrejas, em virtude de estar unido ao texto litúrgico, de âmbito restrito, sem acompanhamento instrumental, e de unidade de tempo livre.
A sua riqueza aliada ao canto Gregoriano, está especifica no texto, e fornece ao homem o alimento necessário ao espírito. A música no seu estilo, é o alimento de que o seu coração precisa, pois ambos, dão completa expansão ao ser humano nas suas relações com Deus. É um hino que deve ser cantado com o coração, motor essencial que alimenta a vida de toda a criatura humana, desde a sua concepção no seio materno, porque respira, canta e alimenta-se.
O hino, composição do século IX de Rabano Mauro, Monge Beneditino, da ordem de São Bento, ou Beneditina, antiga ordem religiosa católica de clausura monástica, que, se baseia na observância dos preceitos destinados a regular a convivência social, iniciadora do chamado movimento monacal.
O texto original do hino em latim, é normalmente cantado em canto gregoriano litúrgico monofónico, em uníssono por coro masculino, praticado por monges, acompanhando a sua melodia apenas as palavras bíblicas sem uso instrumental ou, no máximo, o uso de órgão de tubos.
É uma invocação ao Espírito Santo, cantado nas celebrações litúrgicas da Festa do Pentecostes (tanto nas Terças como nas Vésperas das horas canónicas), e em outras ocasiões, como na entrada dos cardeais para a Capela Sistina aquando de um conclave para escolha e eleição de um Papa; na sagração de bispos; ordenação sacerdotal; no sacramento da Confirmação (Crisma); na dedicação de templos; instituições sócia caritativa; celebração de sínodo ou concílios; na coroação de reis; na profissão de fé de membros de instituições religiosas e em outros eventos solenes; como as aberturas sapienciais de instituições escolares e académicas; nas coroações do culto de Irmandades do Divino Espírito Santo nos Açores; no continente português; em variadas partes ou lugares onde a emigração O levou como tradição; sendo também amplamente usado pela comunhão Anglicana e outras religiões ortodoxas cristãs ou não.
Considera-se que o Veni Creator Spiritus, possui autoria humana, Santo Ambrósio de Milão e Rábano Mauro, a imagem do Criador, e como prolongamento e autor divino, o próprio Espírito Criador, apontando-se a concepção do Veni Creator Spiritus como compêndio unificador vivo da Terceira Pessoa da Trindade, desde os primeiros séculos até hoje, por ser um dos hinos mais importantes da cristandade.
O valor místico do hino, é tão espiritual e profundo, que Rábano Mauro opina e defende, que,“se um candidato carece do dom da musicalidade não pode ser instituído clérigo pois não poderá exercer suas funções sagradas”, por entender que o Espírito Criador age na inspiração artística humana. Neste plano, o artista é compreendido como co-criador e artífice das obras junto com Deus.
Os artistas imbuídos do Espírito Santo, são capazes de provocar “novas «epifanias» da beleza para oferecê-las ao mundo como criação artística, que é preciso alertar as limitações da palavra como portadora da mensagem cristã, e o papel que desempenham outras linguagens no processo de evangelização.
A música, não pode ser considerada simplesmente como elemento decorativo ou recreativo, mas como portadora da mensagem sensível da experiência do sagrado.
Os símbolos variam, e as divindades mudam de nome; mas o conteúdo cultural converge de tal modo, que as religiões se tocam e vão desenhando padrões ou estruturas de culto, embora os cenários do Sagrado sejam diferentes, o sujeito que os experimenta e interpreta é o mesmo: a pessoa humana, homem religioso .
O discurso verbal do Veni Creator Spiritus , é explorado por vários teólogos em diferentes momentos da história.
A partir do século passado, a pneumatologia contida no hino foi ampliada por avanços de estudos históricos e estudos críticos dos princípios, factor de relevante interesse, que é o visível fenómeno de reavivamento no Espírito Santo, que a Igreja tem experimentado até depois do II Concílio vaticano.
Outro aspecto importante no hino, é a eclesiologia que comporta, não só na sua mensagem sensível simbólica, lírica e musical, mas também pela trajectória histórica na cristandade, seja no contexto da Igreja Católica, seja no contexto das demais Confissões cristãs.
O hino, composto antes do cisma de 1054 e da Reforma do século XVI,  atesta o Espírito Santo como princípio e artífice da unidade da Igreja, irradiando sua beleza e seu conteúdo em toda a comunidade ecuménica, hino que preservou ao longo dos séculos a sua pertinência artística, histórica e teológica, por ser um texto eminentemente ecuménico e ajustado à época em que vivemos, e por tratar-se do único hino latino antigo recolhido por todas as grandes Igrejas saídas da Reforma.
O hino Veni Creator Spiritus, permite, que todos os cristãos estejam unidos na invocação do Espírito Santo, que é quem nos há-de conduzir à unidade e à verdade.
Ao cantar-se a quarta estrofe do hino, especificamente na parte infunde amorem cordibus,(os corações, enchei de amor), está clamando pelo amor fraterno entre os baptizados, pois a unidade é a comunhão em amor.
Quando isto é interpretado em conjunto entre diferentes denominações, não foca o processamento intelectivo apenas, valoriza ecumenicamente a dimensão sacramental da música, do hino e seu conteúdo.
Um dos principais motivos pelo qual o Veni Creator Spiritus construiu a sua história até chegar à actualidade nas diversas denominações cristãs, é a sua musicalidade, por ser um hino que as assembleias cantam unidas revelando seu poder simbólico, ser prazeroso entrando em conexão com a sensibilidade do ser humano, antes do seu intelecto.
É um hino que eleva a mente e o coração à inefabilidade do Paráclito, manifesto em desejos, luzes e dons  sendo Ele mesmo, o Amor na Trindade.

Que fontes serviram de inspiração?
Em relação ao Pai, dispomos não só da Escritura, mas também da filosofia, que nos diga algo sobre Deus; em relação ao Filho, valemo-nos não só da Escritura, mas também da história, pois Ele fez -se carne e entrou visivelmente na nossa história. E, para o Espírito Santo, a que haveremos de recorrer, além da Escritura? A resposta é: à experiência.
O Veni Creator Spiritus  é uma obra exigente a ser encarada do ponto de vista histórico, por ser composta por elementos provenientes de épocas diferentes e distantes entre si, a sua complexidade poética teológica que os autores exprimem nos elementos componentes do hino.
A lírica desse hino ambrosiano, é uma poética cristológica, exalta a alegria pascal dos cristãos com a linguagem musical transmitida pela oralidade, melodia que chega ao século IX, quando Rábano Mauro se apropria da melodia retirando a lírica cristológica e fundindo a poética pneumatológica.
Uma vez composto na forma hoje conhecida, o Veni Creator atravessou diferentes tradições confessionais, tecendo uma forte unidade intelectual-sensorial na diversidade de Igrejas e liturgias, articulando e explicitando o que o Espírito Santo significa para a Igreja.
A força com que o Veni Creator  se impregnou na história, suscitou diversas releituras, desde traduções e interpretações insculturadas até expansões contrapontísticas e novas composições, mantendo laços concretos com a composição original.
Dentre as principais composições citam-se: “Komm, Gott Schöpfer, Heiliger Geist, em 1524” de Martinho Lutero no séc. XVI, usou –o como base para o seu coral de Pentecostes; retomado por Johann Sebastian Bach para órgão no século XVIII;   Gustav Mahler, e a primeira parte da “Sinfonia n.º 8 em mi bemol maior” de Gustav Mahler no início do século XX. Gustav Mahler, no início do Séc. XX usou o texto latino para a primeira parte da sua sinfonia n.º 8 em mi bemol maior. O texto foi também adaptado para coro e orquestra por CristóbalHalffter;um motete para vozes femininas com base no hino é uma das últimas obras de Hector Berlioz.
O compositor Krzysztof Penderecki, escreveu um motete para coro misto, e Paul Hindemith concluiu o seu concerto para órgão e orquestra com uma “fantasia” baseada no “Veni Creator Spiritus.”
Maurice Duruflé usou a melodia como base para uma composição sinfónica para órgão intitulada “Prélude, Adagio et Choralvariésurlethèmedu ‘Veni Creator’” em 1930.
Os hinos de Santo Ambrósio, são uma inovação com poucos precedentes na cristandade ocidental, como também seu ajuste com as fontes clássicas e bíblicas.

Cantar com o coração, diz Santo Agostinho, quem canta reza duas vezes
Santo Agostinho, registando o pensamento da época, caracteriza o canto de hinos litúrgicos e laudatórios como canto do coração , como reflexo da capacidade que a música tem que tocar o coração, dado o carácter espiritual do Veni Creator Spiritus,e no seu uso litúrgico retoma por essência a característica focada no coração .
Muitas culturas, por via da experiência, associam o coração à vida, fazendo do coração uma analogia do amor e da subjectividade afectiva, do uso recorrente na linguagem verbal, sobretudo na tradição do Romantismo dramático e literário.
A Sagrada Escritura, amplia e aprofunda o sentido analógico de coração por representar a centralidade vital  da pessoa, e a unidade central da pessoa como um todo.
O coração é sede da aliança, não só afectiva (cordial) mas efectiva (moral) para com Deus (cf. Dt 6,5), por residir a inteligência e as forças morais da pessoa (cf. Sl 118,34). Como tal, a pessoa pode ter um bom ou mau coração, virtuoso ou avarento (cf. Sl 118,36), e entregar-se a Deus de todo coração” significa adesão radical à fonte de luz e de prudência (Prov 3,5); e assim, como o decálogo foi escrito por Deus nas tábuas de pedra, a misericórdia e a verdade inscrevem-se nas “tábuas do coração” (Prov 3,3).
Na poética semita, ferir o coração pode significar tristeza ou perda da consciência, próxima à loucura (cf. Ct 4,9).
É também no coração, que reside o Espírito de Deus dado à criatura humana: o Espírito forja um “coração novo” (Ez 36,26), derramando ali “o amor de Deus” .
Este simbolismo do coração, remete às suas funções vitais, donde nascem as analogias: com sua tonicidade muscular, oxigenação e distribuição do sangue, batimento em sístole e diástole, o coração marca o ritmo da respiração, e bate ao modo de um instrumento vivo de percussão.
Esses aspectos  assumidos na linguagem musical ganham destaque no discurso teológico defendendo a pulsação cíclica como elemento de interpretação do repertório silábico gregoriano, menciona que “a pulsação musical é resultante de uma marca mental adquirida antes do nascimento: o feto, escuta o coração da mãe”, por ser uma realidade antropológica inerente a todo ser humano.
Relacionando tal fato com a visão de Rábano Mauro e o poder da música nos animais, podemos estender esta ideia a todos os seres vivos que possuem um sistema circulatório sanguíneo bombeado pelo coração. Pensando em notação moderna, isto pode ser representado metricamente num compasso de 3/4, mantendo uma certa liberdade de organização musical entre as sílabas tónicas e átonas, segundo a métrica antiga de”motu próprio Tralesollecitudini“, sobre a Música Sacra, que consagra os princípios e normas que devem presidir à utilização da música nas funções do culto da Igreja Católica, “regra geral” o que Pio X escreveu em 1903:

“Uma composição para a Igreja é tanto sacra e litúrgica quanto mais se aproximar, no andamento, na inspiração e no sabor, da melodia gregoriana, e tanto menos é digna do templo, quanto mais se reconhece disforme daquele modelo.”

José Manuel Graça Teixeira Gaipo *

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