Diário dos Açores

Lá vai a SATA… prá Terceira, e eu com ela!

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Palavras e Ideias

“O homem tem preguiça, em geral, de pensar todo o pensável e contenta-se com fragmentos de ideias, recusa-se a uma coerência absoluta. Não leva até ao fim o esforço de entender. E, exactamente porque não o faz, toma, em relação à sua capacidade de inteligência, uma absurda posição de orgulho. Compara o pouco que entendeu com o menos que outros entenderam, jamais com o muito que os mais raros puderam perceber.” - Agostinho da Silva

Há quatro meses, mais exactamente a 25 de fevereiro, eu partilhei nestas mesmas páginas, uma longa reflexão, em tom zaragateiro, sobre a noticiada substituição pela SATA da rota estival Montreal – Ponta Delgada pela nova rota Montreal – Terceira. Ainda não encontrei forma de me resignar e submeter-me à sabedoria da prece que nos foi legada pelo americano Karl Paul Reinhold Niebuhr, a bem conhecida Oração da Serenidade: “Deus, conceda-me a serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar; a coragem para mudar o que me for possível; e a sabedoria para saber discernir entre as duas. [...] Se bem que a prece que nos foi legada por aquele bom teólogo americano era, pelo menos inicialmente, uma espécie de refúgio para os Alcoólicos Anónimos, eu revejo-me nela, sobretudo no que diz respeito à coragem: a coragem de expor publicamente, com todas as palavras que tenho armazenadas, o meu repúdio da mesquinhez covarde que levou um homem político, com história política marginal, a servir-se de gente indefesa e vulnerável, sem direito de voto, para saciar o seu inesperado gosto do poder. Ele, admito, teve aquela coragem, covarde, mas ousada. Imagino-o dizendo para os servis da SATA: “Que se lixem os calafonas de Montreal, mas os outros vão vir às minhas touradas.., nem que sejam apenas meia dúzia deles.”
E, lá vou eu para São Miguel, neste dia 15 de junho, naquele mesmo voo da SATA que eu venho denunciando. Alguns irão acusar-me de cinismo. Outros de covarde, como o outro. Bom, não é bem assim! Cheguei a ter passagens marcadas via Paris, com a Air France, até que bem mais em conta. E cheguei a pedir à minha nova agente de viagens que explorasse a opção via Lisboa, com a TAP que voa de Montreal para aquela cidade portuguesa. Estava disposto a pagar os 3000 dólares a mais para as nossas passagens em classe executiva. A executiva da SATA é na verdade uma “Economia Plus”, descaradamente mascarada de “Executiva”, mas que me oferece o conforto que a minha estatura prefere. Só! A minha nova agente de viagens conseguiu achar-nos a alternativa, e propôs-nos a opção via o voo inaugural da rota Montreal-Terceira da SATA. Depois de muita reflexão, e até hesitação, eu aceitei. Afinal, ao longo das últimas várias décadas, eu tenho contribuído muito mais para a sobrevivência da SATA do que que ele jamais será capaz de fazer, em toda a sua vida, ou em toda a sua carreira política efémera, o político que urdiu o plano estapafúrdio que nos cortou, nós micaelenses e nossos descendentes e amigos, o cordão umbilical ligado à terra-mãe… Os nossos bilhetes electrónicos “garantem-nos” um percurso total de 7 horas e quinze minutos, levando em conta a escala de 90 minutos prevista na Terceira, pouco mais do que as cerca de 5 horas e trinta minutos de um voo directo entre Montreal em Ponta Delgada. No entanto, quem tentasse comprar uma passagem hoje, através da SATA, para o mesmo trajeto, com saída no mesmo voo que o nosso, teria de amargar com um percurso de até 29 horas e vinte minutos, seja cerca de 24 horas a mais do que um voo directo. Louvado seja Deus… e o home da Terceira!
O pior, é que os nossos padrinhos políticos (naturais), aquela gente “boa e sensata” que tanto louva a nossa diáspora, todos os partidos confundidos, fecharam os olhos e deixaram que o messias da hora mostrasse que sabia caminhar sobre as águas, sem se afundar. Teve a ajuda de cá, é verdade, e até a mais inesperada, e ganhou a sua aposta estapafúrdia. Só sei, e disto eu não tenho dúvida, é que num contexto político mais “tradicional,” nada disto teria acontecido. Mais, estou convencido de que, levando em conta o acesso pessoal que tive àquela liderança durante alguns anos, um Executivo do PS Açores jamais teria sacrificado o maior grupo da comunidade açoriana do Quebec (de 80 a 90% dela) para satisfazer o novo slogan do “Não pode ser tudo para São Miguel!” Infelizmente, eles, os do antigo governo regional, também se têm mantido calados, reservados nas suas opiniões a este respeito, mas isso, infelizmente também, faz parte da realidade do caruncho político açoriano que chega a roer os cérebros mais sãos.
Estamos em território kafkiano, parece-me, e eu não me vou dar ao ridículo de defender um argumento que eu próprio ainda tento perceber. Citarei apenas aquele aforismo que nos deixou Franz Kafka que defende que “Não se deve prejudicar ninguém, nem mesmo o mundo, para alcançares uma vitória.” Aplica-se, no meu entender, neste triste capítulo que me rói, da nossa relação, nós Micaelenses de Montreal, com a geringonça açoriana. Uma recente leitura no Twitter leva-me a recordar que “Não é porque ele consegue instalar-se no palácio, que o malabarista se torna rei. O palácio, sim, transforma-se em circo.” Na verdade, aquela publicação do Twitter referia-se à condição de palhaço, mas eu acho que a minha do malabarista, vale tanto quanto…
 Sem dúvida devido à extensão fastidiosa do meu texto anterior (e este parece que vai no mesmo caminho…), foram raríssimos os Açorianos, incluindo os Micaelenses, que levantaram as a suas vozes para denunciar a estapafúrdia política que nos prejudicou e me trouxe aqui. Verdade que os nossos líderes comunitários locais também se têm mantidos calados… because, quiçá, as borlas! O nosso povo acha que “é bem másmelhó e más barato pela Terceira do que por Toronto”, mas acrescentam, todos e cada um, quase sem exceção, “aqueles f da p nã tinham que fazêisse à gente!” Nem mesmo o texto nestas mesmas páginas do meu amigo Norberto Aguiar, editor do mais importante jornal de língua portuguesa em Montreal, que precedeu o meu em fevereiro passado, e bem mais analítico do que o meu, e nada emotivo, chegou a captar a atenção dos leitores. Sim, uma ex-jornalista da RTP Açores, do alto da sua sabedoria “profissional”, chegou a questionar num comentário numa conta de grupo no Facebook, o fundamento da informação fornecida por Norberto Aguiar, explicando o alto nível de insatisfação aqui, no meio da nossa comunidade micaelense de Montreal, relativamente àquela mudança de rota decretada pela SATA. Whynot? Felizmente, segundo eu soube de primeira mão, vários são os quadros da SATA em Ponta Delgada, e membros das tripulações, que se mostram insatisfeitos e em total desacordo com a estapafúrdia decisão da empresa… “por razões políticas” dizem eles.
O Presidente da SATA, com a maior seriedade do mundo, a certa altura, questionado por jornalistas, defendeu que “as rotas da ilha Terceira para Nova Iorque, Oakland (Estados Unidos) e Montreal (Canadá), asseguradas pela SATA […] todas têm “viabilidade económica” e uma margem de contribuição total de “430 mil euros [visto que] a SATA melhorou a sua capacidade de venda, encontrou parceiros que garantem um valor significativo da ocupação e reduziu os custos da operação.” Ah é? Os mesmos parceiros, pelo menos aqui em Montreal, que sempre (historicamente) arriscaram os seus próprios negócios, sob a ameaça chantagista (sei-o de primeira mão) para garantir certos níveis de ocupação. Desta vez viram-se obrigados a vender a sua alma ao diabo… É verdade que eu já há alguns anos que “não estou na ativa”, e já não sou tão célere a fazer contas. Expliquem-me como, mesmo com uma aeronave totalmente ocupada (cerca de 80% com destino a Ponta Delgada, e 20 % tendo como destino a Terceira), uma rota Montreal-Terceira, seguida de uma ligação especial para Ponta Delgada, por A320, é, financeiramente, mais vantajosa do que uma rota Montreal-Ponta Delgada, seguida de uma ligação complementar para a Terceira, por Q200 ou mesmo por Q400? Isto ida e volta! Só a SATA mesmo para defender tais absurdidades. O que, aliás, a levou a Bruxelas…
Não, não vou bater no aleijadinho. Isso, Bruxelas já começou a fazê-lo, sem quaisquer reservas… e Lisboa vai dar-se ao prazer de continuar as pancadas, lá começadas. Isso dito, deixo um recado à classe política açoriana governante: nós não temos votos, mas temos voz e memória! Não se preocupem, mandem-nos os vossos representantes, pregadores das boas-novas à diáspora. Iremos recebê-los, os “sôs dotores”, de braços abertos… Não quero, tão pouco, que esta minha intervenção seja vista como um debate bairrista. Não o é, e os meus amigos Terceirenses bem o sabem. Aliás, durante estas minhas férias nos Açores, já tenho passagens marcadas, compradas à minha custa, para que visitemos, a meados do mês de julho, a querida e linda Terceira, onde estudei durante dois anos, que já visitei algumas vezes, e da qual tenho tantas saudades.

Duarte M. Miranda *

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