Diário dos Açores

Retalhos do Passado Atalhos do Futuro

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Memorandum

Breve nota prévia

Confirmo que os comentários adiante registados representam apenas a opinião livre do signatário: são meras reacções (ou respostas) a uma série de perguntas formuladas por um reputado conselheiro do então Mayor de Fall River, Mr. John Mitchell (1991-1996).  Considero apropriado confirmar que algumas das questões interrogadas (porventura consideradas desactualizadas no tempo) continuam a meu ver susceptíveis de oferecer a desejada fresquidão mental para iluminar ideias ou perspectivar ideais…
Gostaria de dedicar a transcrição ipsis verbis desta entrevista à juventude açoreana, sobretudo aos que porventura terão nascido no ano em que este trabalho foi publicado nas páginas do jornalismo regional (edição de quinta-feira, 4 de Fevereiro de 1993).

1 - Pergunta: Descreva-nos, na generalidade, o que pensa das  circunstâncias que terão originado a inesquecível revolução portuguesa acontecida em Abril 1974?
Resposta: Começaria por lembrar que vivemos rodeados por gente decente, todavia amedrontada pela  sombra do futuro. No primeiro trimestre de 1974, o Estado português  continuava a marchar de costas-viradas para a Europa democrática. A questão colonial atingira um beco militar sem saída: na época, o ditador Salazar (considerado zeloso apóstolo do colonialismo sereno)  havia já dito publicamente o seguinte : “quem nos quizer roubar as jóias, terá que nos cortar os dedos”…
Por outro lado, o ex-monárquico Marcelo Caetano (mesmo após a sua conversão à causa republicana (1953) não era considerado salazarista incondicional. O distinto professor de Direito Administrativo inclinava-se para fortalecer o próprio marcelismo de recurso - espécie de fascismo suave, ecuménico cujo projecto político (1969) merecera a hissopada do “Opus Dei”, bem como  o apoio de outros sectores do catolicismo militante: Acção Católica, Movimento Decolores, etc.

 …  eis alguns dizeres emocionais da época oriundos de Espanha:
           Si quieres estar alegre
            y pisar fuerte en la vida
            con el alma de colores
            procura ser cursillista
 
            no queremos ser beatos
            ni de cabeza torcida
            sino ser santos alegres
            como son los cursillistas
…/…
Em Abril 1974, a revolução dos cravos (melhor dizendo: o colapso da demorada ditadura salazarista), aconteceu como “chuva no molhado”, ou seja,  uma explosão romântica para os sectores oposicionistas.

2 – Pergunta: Como analisa as características político-partidárias mais salientes do PSD e do PS?
 
Resposta: Apesar de se reclamar  do ideal económico social-democrata, o PSD/PPD continua a oscilar para o humanismo católico. Curiosamente, embora sob a capa “social-democrata”, o PSD jamais conseguiu o ingresso formal na Internacional Socialista.
Não seria difícil aceitar emocionalmente o facto de que o PS foi o pioneiro na arte de criar slogans no seio do marketing eleitoralista. Eis alguns exemplos: “Socialismo em Liberdade”; “Europa Connosco”; Autonomia na Constituição”, etc. …

3 – Pergunta: Nos Açores, os partidos políticos gozam de autonomia, ou são meras filiais ideológicas do respectivo patronato lisboeta?
 
3 – Resposta: Não é novidade recordar o seguinte: na época, a revolução de Abril  chegou aos Açores via telefónica. O próprio PS precisou de algum tempo para evoluir rumo ao conceito de Autonomia política, antes da consolidação da tão desejada Democracia.
Em Abril de 1974, havia mais comunistas no Instituto Superior Técnico (Lisboa) do que no arquipélado açoreano.  A Oposição estava tacticamente congregada numa frente comum anti-fascista; curiosamente, alguns dos corajosos independentistas da época  eram considerados anti-fascistas convictos. Nos Açores daquele tempo (1974-1984) ser “apanhado” na lista socialista era quase como ser deista!…
A propósito, recordo vivamente a época em que começámos a transplantar as estruturas e as palmeiras  iniciais do PS/A, mercê da cordialidade da dúzia e meia de democratas (dois advogados; dois médicos; um sacerdote católico; agentes de Ensino; vários empregados de escritório…
Sim, o tempo não perdoa. Já vou terminar esta homilia: “não mais deveres sem direitos – não mais direitos sem deveres”. Nos Açores, o poder politico refugia-se no seio do Executivo: o Parlamento Regional limita-se à função de moldura democrática da desejada Autonomia presidencialista… fingindo ignorar que em ambos arquipélagos luso-atlânticos, o regime parlamentarista continua a testemunhar a aposta constitucional da República portuguesa… para não ficar à mercê dos igrejeiros do açorianismo apostólico…  


(*) Texto escrito de harmonia com a antiga grafia.

João Luís de Medeiros*

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