Diário dos Açores

Ilha Montanha em festa

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1.-De uma semana para a outra o tempo alterou-se, o sol desabrochou e o calor há muito desejado, é dono e senhor destas pedras negras onde medram algumas uvas e figos, pois o ano não vai ser de boas colheitas.
A incerteza do que a terra pode produzir, não impede agricultores e vinhateiros de tudo fazerem para retirarem bons proveitos das suas propriedades.
Mesmo com a falta de mão de obra de que todos se queixam– para onde foram os braços desta terra e desta gente?- ninguém parece desistir de cultivar as terras, sobretudo as situadas ao pé de casa. É que uma horta é sempre um bocado precioso que até os mais idosos gostam de cultivar para nunca faltar batatas, legumes e até fruta. Estes, no entanto, vão rareando pois os mais novos já se habituaram ao “fast-food” e aos enlatados. Os hábitos alimentares antigos vão desaparecendo.
Há dias, encontrei na farmácia um amigo dos tempos de criança e a conversa foi inevitavelmente parar aos cuidados de saúde.
    -Sabes, José, já vão quase 83. A gente bem quer fechar a boca por causa do colesterol, mas lá vêm as matanças de porco: os torresmos, a linguiça e os inhames, mais um copo ou dois de vinho às refeições e o nosso corpo é que paga...
    -Mais uma morçela frita, um caldo de peixe bem picante e uns bons “padaços” de queijo, e está o caldo entornado!... – acrescentou um parceiro que seguia a conversa.
    - E já para não falar dos jantares das coroações que ainda as há por aí e que não se pode recusar – continuou o António. - Até agora não me queixo de nada e isso é o mais importante! – rematou, despedindo-se dos presentes, num gesto delicado e simpático, como se estivesse gozando os seus vinte anos, altura em que o conheci.
 Nestes dias de verão, o petisco mais procurado, para além de um bom prato de lapas, é o caldo de peixe e uma boa posta de írio grelhado na brasa, servido com batata branca e um copo de  vinho do Pico. É de comer e chorar por mais. No final da refeição, um cálice de aguardente de néveda, uma aguardente de amora ou uma angelica velha completam o menu, pois proporcionam uma digestão agradável e uma noite tranquila.
    Vale a pena experimentar o pitéu.
    2.-Enquanto uns passeiam por estas pedras negras, desfrutando da frescura do verde escuro de faias e incensos, pau branco e lourais, os lavradores olham descontentes para as terras de milho e erva para o gado, maldizendo a seca e os prejuízos de sementeiras que não medraram nem à primeira, nem à segunda, nem à terceira tentativa.
    -Se não nos derem um subsídio para estes prejuízos, não sei como é que vai ser ...– cramava uma mulher da Silveira, num posto de abastecimento de combustíveis. - As despesas são cada vez maiores e ninguém olha por nós. Os homens de fora já estão a cem euros ao dia e não há; os seguros não pegam nestas culturas e a gente é que temos de fazer pela vida!... Tudo isto está a acabar! Esses senhores depois é que vão ver a falta que fazemos!... – desabafava a mulher, consciente da sua razão, embora os fregueses ao lado não lhe dessem muita atenção.
Cem euros por dia a um trabalhador do campo – e não os há, pois todos notam a sua falta – é um salário apreciável, sobretudo porque o salário mínimo está longe de atingir esse valor. Mas é o que se pratica por aqui, num mercado laboral com regras muito próprias que ninguém questiona. Caso contrário não se consegue um trabalhador para a terra...
No setor da construção civil, outras regras se foram estabelecendo, consoante as necessidades.
Descontos para a segurança social só incidem na féria de alguns dias da semana. Nos outros o pagamento é por inteiro.
É voz comum que fazendo-se mais ou menos descontos para a segurança social, a reforma é sempre irrisória e mal dá para os medicamentos e para uma vida digna. É por isso que muita gente, enquanto pode trabalhar, faz as suas poupanças do pouco que lhe resta, para acorrer a uma situação que possa surgir, ou para fuma compra extra que também dê prazer à vida.
3.- No meio deste viver tranquilo, os picoenses dão uma atenção especial às festas de verão.
Depois da Festa de Santa Maria Madalena, há uma semana, acompanhada de perto pelas gentes do outro lado do canal, chegou o festival “CaisAgosto”.
Começou quarta-feira e decorre até domingo, concentrando milhares de jovens do grupo central, designadamente das ilhas do Triângulo.
Em tempos, houve quem teve a felicidade de criar um slogan que, na altura, poderia ser considerado ousado: “O Triângulo é um espetáculo!”
Passados alguns anos, a evolução turística e a mobilidade inter-ilhas gerada pelo transporte marítimo de passageiros e viaturas contribuiu, largamente, para a aproximação dos açorianos de todas as ilhas.
O cancelamento, sem explicação convincente desse tipo de transporte, trouxe consequências negativas para uma parte significativa da população açoriana que tem no mar o elo de aproximação de gentes e culturas.
Mas essa é outra estória de contornos mal esclarecidos que só a história económica saberá deslindar.
As Festas continuam por aqui, prosseguirão depois na Semana do Mar, no Faial, enquanto as ilhas são visitadas por gentes de outras culturas e línguas diferentes.

Que venham por bem!

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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