Diário dos Açores

Quantas letras tem uma música?

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“Vinte e seis letras, e mais uns sinais de pontuação,
e temos palavras infinitas em mundos infinitos. (…)
O que é isso, senão um milagre?”

Há livros imprevisíveis, que se calhar não damos nada por eles e que, posteriormente, se revelam deveras poderosos e marcantes.
Foi o que me aconteceu ao ler “Nós tínhamos que acontecer”, de GayleForman, da Editorial Presença. Categorizado como leitura para jovem-adulto, este livro chegou à livraria onde vivo todos os dias e chamou a minha atenção.
Ver um livro dentro de uns auscultadores naquela capa fez-me de imediato pensar que ligação teria aquela inevitabilidade, o Nós tínhamos que acontecer. E a ligação é muito óbvia e natural; podemos pensar que não, mas é.
Toda a canção conta uma história, assim como todo o livro, e muitos escritores escrevem ao som de música, como companheira perfeita para aquele momento solitário que é escrever.
O que acontece neste livro é que a sua personagem principal é tudo menos crente naquela relação entre o livro e a música, ou melhor na própria música. Ele, o Aaron, é um rapaz simples, que vive num bairro pacato e que, ao contrário dos seus amigos, não foi para as grandes cidades estudar. Ficou com o pai, Ira. Sozinho. Sendo mais vezes pai do que filho, mais triste do que feliz, mais desamparado do que alentado, certo de que “o Ira pode ser A Árvore generosa, mas o rapaz com o machado que a corta, ramo após ramo, esse, sou eu”.
Este rapaz perdeu igualmente a paixão pelos livros, que tanto eram seus companheiros, assim que o seu irmão partiu devido a vícios poucos saudáveis e/ou dignos. Mas como se esta partida não fosse suficiente, a mãe também sai de cena, deixando para trás a história de uma família feliz e de uma livraria que era a menina dos seus olhos, tanto que para Aaron a “mãe sempre percebeu que as livrarias eram sobre as pessoas que existiam dentro delas, tanto nas páginas como fora delas”.
Sim, este é um livro sobre livros, uma apoteose ao mundo das histórias. Um livro onde a esperança nem sempre reina, porque “como eu, ele tem a perfeita noção de que, uma vez desaparecidas, as coisas nunca mais voltam”.
Fica, então, o Aaron com o seu pai e com uma livraria de livros antigos que, não obstante o restante, continua com a porta aberta.
Tudo parece desmoronar, mas a história vai-se desenrolando em capítulos que têm como título nomes de outros livros, como se fosse um referencial de boas práticas da literatura; livros que a personagem leu, quando ler era uma paixão, e que por alguma razão conduziram a sua vida.
É assim que vamos conhecendo Aaron e, mais tarde, aquela que vai tentar mostrar que viver com a música e a literatura é mais do que uma possibilidade, é uma obrigatoriedade. “Não acreditei antes, quando ela me disse que os livros e as canções eram formas diferentes de contar uma história. Mas começo a acreditar.”
Seja como for, não vou dedilhar aqui toda a história, muito pelo contrário. Quero apenas deixar a mensagem que catalogar os livros às vezes é um erro; ou pelo menos acharmos que já não é tempo de lermos determinados temas é um erro.
É que “o tempo nem sempre serve de medida para coisas como o amor”. Serve sim para nos sentirmos bem e felizes com os livros que cabem dentro de nós.

Patrícia Carreiro*
* Diretora da Livraria Letras Lavadas
Editora da 9idazoresnews.com

 

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