Diário dos Açores

Partiu aos 96 anos Maria Fernanda A última sobrevivente e filha de Cecília Meireles

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Conhecia-a em 1978, na Brown University, em Rhode Island, onde tinha ido, acompanhada pelo filho Luís Fernando, e ali dando um recital de poesia da autoria  de sua mãe, a Poeta Cecília Meireles (1901-1964), com o título Muses of Portugal, sendo aquele promovido pelo Center for Portuguese and Brasilian Studies.
No mesmo dia foi lançado um livro da autoria de Henry Keith e Raymond Sayers, intitulado Cecília Meireles, poemas em tradução, em português e inglês, sendo dedicado à memória de Cecília e do seu segundo marido Heitor Grilo.
Nesse mesmo livro, deixou-me um autógrafo muito simpático: ‘’Para Victor Meirelles, o meu ‘’irmão’’ de Sangue’’. E assinou: ‘’Maria Fernanda, 1978’’.
Por essa altura, e também convidada para esse evento, esteve Natália Correia, tendo ficado hospedada em minha casa durante alguns dias de que guardo as melhores recordações da Poeta, mas, e... sobretudo da Mulher.
Mas, voltando a Maria Fernanda, estivemos de conversa alguns minutos, trocando impressões e vivências…  A ilha como tema central, a memória quer da bisavó Jacinta da Conceição Garcia Benevides, quer da avó Matilde, e as ligações familiares à ilha de S. Miguel, do mar que as afastou do torrão onde nasceram, levando-as para um outro e desconhecido lugar do mundo para recomeçarem as suas vidas. Memórias, enfim, desse longínquo tempo  em que era imperiosa a necessidade de embarcar à procura de chão firme e pão na mesa.
As condições na terra onde tinham sido geradas não lhes oferecera a oportunidade de ficarem.
Mas, o destino tem os seus caminhos, e por eles, lá seguiram, aceitando-o, com os seus riscos, incertezas, desilusões e muita fé.
Filha de dois grandes artistas: de Cecília Meireles (7.11.1901-9.11.1964), poeta, e do pintor e ilustrador  Fernando Correia Dias (1892-1935), Maria Fernanda herdara de ambos a verve e a sensibilidade criativa, derivando para o teatro, cinema e televisão.
No teatro, desempenhou com grande sucesso o papel da ‘’neurótica Blache DuBois’’, em ‘’Um Elétrico Chamado Desejo’’, de Tennessee Williams, tendo obtido com esse papel vários prémios, entre os quais, o Prémio Molière de melhor actriz.
Na televisão, interpretou personagens icónicas, tais como Salomé, George Sand, entre outras grandes figuras, e na TV Globo,  deu corpo em novelas de grande sucesso:  ‘’Gabriela’’,   ‘’Pai Herói’’ (1979) e ‘’D. Beija’’ (1986).
Também foi ‘’Dona Maria I, a Rainha Louca, em ‘’Carlota Joaquina, Princesa do Brasil’’, desempenhando muitos outros papéis.
Em ‘’Gabriela’’ (1975), foi D. Sinházinha, na adpatação do célebre livro de Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela, de que muitos se devem lembrar, já que ninguém em Portugal  desgrudava os olhos da televisão à hora em que era televisionada.
Nem mesmo os afazeres políticos impediam os seus titulares de assistirem à “Gabriela”, dando azo à suspensão ‘’de reuniões na Assembleia da República, adiadas para uma hora posterior’’, tal foi o êxito engendrado  nos idos anos de 1977.
Foi encenadora de grandes obras e de autores de teatro como: Tchékhov, Jean Genet, Brecht e Shakespeare, tendo ela própria interpretado a personagem de Ofélia, em ‘’Hamlet’’.
Também teve desaires políticos, ‘’sendo presa em Brasília, pela Polícia Militar, quando estava a representar ‘’Um Eléctrico Chamado Desejo’’, não do agrado do governo vigente, com laivos ditatoriais e censórios,  e que ‘’originou protestos da classe artística’’.
Embora lhe carregassem  sobre os ombros os sobrenomes fortíssimos dos seus progenitores, usou sempre os dois que recebeu nas águas baptismais: MARIA FERNANDA, o que a distanciou e lhe deu a oportunidade de fazer a sua brilhante carreira sem ser à sombra da notoriedade dos pais.
Maria Fernanda Meireles Correia Dias, nasceu na cidade do Rio de Janeiro a 27 de Outubro de 1928 e faleceu ‘’em virtude de complicações respiratórias’’, no passado dia 30 de Julho,  aos 96 anos de idade, na Casa de Saúde de S. José, no bairro de Humaitá, para onde tinha sido levada no dia 26  (terça-feira) de Julho. Teve a sorte de estar apenas quatro dias internada, a única filha sobrevivente  de Cecília Meireles e de Fernando Correia Dias.
A sua vida foi rica e cheia, só deixando de exercer a sua profissão em 2004, como nos diz Marcelo Del Cima ‘’em Teatro com a peça ‘’A Importância de Ser Fiel’’, com o Grupo TAPA. A partir de então, a actriz decidiu retirar-se dos holofotes e passou a viver, como ela própria dizia, em estado de total contemplação, dedicada à leitura  e à vida com o seu único filho, Luiz Fernando’’, fruto do casamento com o  director de TV, Luiz  Gallon, com quem fora casada, entre 1956 e 1963.
Embora ligada aos Açores por laços de franca espiritualidade, nunca cá veio fazer o percurso que sua Mãe havia feito em 1951, estreitando relações e criando duradouras amizades, sobretudo com o Poeta Armando Côrtes-Rodrigues, com o qual manteve um largo contacto epistolar.    
E tão pouco como o fez sua sobrinha Fernandinha Meireles Correia Dias,  filha de sua irmã Matilde, que em Julho de 2000,  veio em romagem de saudade para percorrer os mesmos lugares que as Avós trilharam, tal era a lembrança das estórias recheadas de cenas encantatórias ouvidas desde o berço.
Não o  fez, é certo, mas já as poderá ouvir de novo, deitada no regaço daquelas Mulheres que lhe ensinaram a ver e a ouvir as palavras que formam os versos,  como pirilampos iluminando a noite e aquecendo  de novo o coração, que ora deixou de bater, nesse coração onde jorrava sangue açoriano, portuense e brasileiro.

A nossa homenagem!  
 Maria Fernanda Meireles Correia Dias

Victor de Lima Meireles *

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