Diário dos Açores

Em prol de um destino humanizado

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Neste mundo globalizado os grandes centros urbanos, produtores de informação, de ciência, de cultura e, naturalmente, de outros bens de consumo, sobrepõem-se às pequenas comunidades rurais e às periferias urbanas, num processo de exclusão que menoriza virtualidades e favorece a desintegração.
Não é de agora este processo de subvalorização social. Apesar da expansão e democratização das redes digitais, os grandes emissores de mensagens, sejam elas quais forem, pretendem sempre atingir um número crescente de recetores; desse modo expandem o comércio-eletrónico e facilitam a aquisição de bens de consumo, sem grandes custos para o utilizador das redes sociais. Ganha a economia dos tempos livres, ganham os consumidores e os próprios destinos mais inóspitos, cuja procura interessa cada vez mais visitantes.
A meu ver, esta é uma das razões que justificam a crescente deslocação de visitantes nacionais e estrangeiros às várias ilhas açorianas.
Esta situação pode enquadrar-se num fenómeno passageiro. No entanto, tudo indica que o processo de crescimento e o número de visitantes transportados por companhias aéreas que até agora não manifestavam interesse em voar até aos Açores, demonstra que o arquipélago continua na moda e assim irá acontecer nos próximos anos.
Quais as implicações ambientais, sociais e económicas do crescente fluxo de visitantes é uma questão pertinente que merece ser analisada e aprofundada. Sobretudo porque vivemos em ilhas com condicionalismos vários que ultrapassam em muito a falta de mão de obra para os diversos serviços afetos à atividade turística.
Estudos económicos recentes revelam existirem concelhos picoenses, em declínio demográfico, onde o parque habitacional valorizou-se muito devido à procura dos visitantes estrangeiros cuja capacidade financeira suplanta a da maioria dos residentes, nomeadamente os jovens.
Há mesmo pequenas localidades nas zonas leste e norte da Ilha do Pico onde é voz comum ouvir dizer-se que jovens e residentes que pretendem fixar-se na sua terra natal, não têm capacidade para adquirir terrenos a preços acessíveis e construir o seu lar.
O problema faz pensar!...
De tal forma que, um dia destes, um jovem e promissor artista plástico afirmava que o melhor tempo do ano era o inverno, pois a ilha tinha menos gente, as pessoas conviviam e divertiam-se na mesma e os preços eram mais acessíveis. Segundo ele, os jovens correm o risco de, por falta de condições de acesso à habitação, terem de sair da sua terra e procurar outros destinos para trabalhar e viver.
O certo é que, um pouco por todo o lado, existem investimentos hoteleiros localizados em áreas onde os residentes julgavam não se poder construir. Ou porque estão demasiado próximos da orla marítima, ou porque se situam em áreas ambientalmente protegidas.
Seja como for, a questão coloca-se em várias ilhas onde a carga turística aumentou e trouxe constrangimentos de vária ordem a que importa estar atentos.
A imprensa, nomeadamente o DA, tem sido paladino da proteção do ambiente, da paisagem e da cultura açorianas, numa ação a todos os títulos louvável que importa manter e, se necessário, desenvolver. Não no intuito de (como há anos parecia acontecer) impedir o arquipélago, as suas gentes, belezas naturais e cultura de se manterem imunes a formas de vida e de pensar de outras gentes e culturas.
O turismo é um fator de aproximação e internacionalização de povos e destinos e, como tal, deve ser encarado como um valor.
Simultaneamente, há que ter em atenção que essa atividade económica não pode penalizar a vida dos residentes, agravando as suas condições de vida e impedindo-os de fixarem-se na terra que os viu nascer e onde preferem viver.
O problema é demasiadamente sério para ser encarado apenas na perspetiva parcial e particular da atividade comercial e dos investimentos que lhe estão associados.
Desumanizar e desculturalizar um destino turístico, esquecendo a sua História e as suas gentes é descaracterizar um território, por mais belo e atraente que seja.
Esta é uma tarefa que deve envolver todos, pois viver numa ilha é uma opção condicionada a vivências ancestrais que cada açoriano transporta no seu íntimo.
Que esta forma de ser e de viver não seja trocada por “resorts” paradisíacos de capitais “desconhecidos”. É o que desejo, vivamente.

 

*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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