Diário dos Açores

A Antologia do Conto Açoriano

Previous Article A família e a liberdade

Rumo ao centenário de Pedro da Silveira (3)

Em carta escrita a 26 e 27 de Dezembro de 1954, Pedro da Silveira agradece ao seu amigo micaelense Manuel de Sousa de Oliveira (nessa altura a residir e trabalhar em Viana do Castelo)1 as informações que este lhe enviara sobre Armando Côrtes-Rodrigues e Rodrigo Guerra (contista, 1861-1924). Tratava-se, afinal, de dois nomes a incluir na antologia do conto açoriano que Pedro da Silveira andava a preparar e pretendia entregar ao editor em Janeiro do ano seguinte.
Mas a carta vale ainda por aquilo que Pedro da Silveira adiantava em termos de metodologia e organização:
«Contra os hábitos um pouco aristocratizantes dos nossos irmãos carcamanos, dou guarida, neste trabalho, ao conto popular. No fim de contas, o conto popular (tal como a poesia popular – cancioneiro, romanceiro, etc.) está na origem da formação das literaturas. Ignorá-lo ou desprezar tal contributo é uma mutilação infame. Assim, vou introduzir, em apêndice, quatro ou cinco contos populares.»
E seguia-se a indicação dos exemplares selecionados: uma versão de Teófilo Braga (Santa Maria), outra de Armando da Silva ( S. Miguel), uma de João Afonso (Terceira), uma do Corvo (Carlos Fragateiro) e ainda, se se encontrasse, uma da Graciosa.
Mais ou menos pela mesma altura, um jornal de Ponta Delgada (talvez A Ilha, a avaliar pelo grafismo de um recorte que possuo sem registo de data) adiantava mais pormenores.
 Seria uma edição da Portugália Editora e no âmbito da colecção Antologia do Conto Universal. Os nomes incluídos por Pedro da Silveira eram: António de Lacerda Bulcão, Augusto Loureiro, Ernesto Rebelo, Teófilo Braga, Florêncio Terra, Rodrigo Guerra, Marcelino Lima, Carlos de Mesquita, Nunes da Rosa, Urbano de Mendonça Dias, Maria Machado, Armando Côrtes-Rodrigues, Júlio Dutra de Andrade, Vitorino Nemésio, Alfred Lewis, Diogo Ivens, Armando Cândido, Carreiro da Costa, Diniz da Luz, Borges Garcia, Eduardo Vasconcelos Moniz, Fernando de Lima, Ruy-Guilherme de Morais, etc. (além dos contos populares  já referidos por Pedro da Silveira).
Refira-se aqui o facto de Pedro da Silveira ter ido à diáspora açoriana nos EUA «buscar» o seu conterrâneo imigrante Alfred Lewis e de apostar nalguns nomes ainda novos (como viria igualmente a verificar-se, vinte anos mais tarde,  na  sua «Antologia de Poesia Açoriana»).
A verdade, porém, é que esse projecto nunca chegou a ver a luz do dia, apesar de tão adiantado,
A justificação seria dada mais tarde pelo próprio Pedro da Silveira: num texto escrito em 2002, por ocasião do centenário de Alfred Lewis (nascido Alfredo Luiz, em 1902 – e não em 1922, como imagina a Wikipédia) e guardado no seu espólio; Vasco Rosa publicou-o  no n.º 3 da Revista Grotta (Letras Lavadas, 2018-2019) e incluiu-o na antologia breve de Pedro da Silveira, Minha Pedra da Vida (Câmara das Lajes das Flores, 2022).
Aí, muito lapidarmente, escreve Pedro da Silveira:
«A antologia é que não foi avante, devido a que o editor, Sr. Agostinho Fernandes, a certa altura se lembrou, estranhamente, de me impor lhe obtivesse, nos Açores, um subsídio. Claro está que lhe disse que não pedia tal, nem sequer admitia que um livro meu fosse subsidiado pelo «Estado Novo» salazarento. Assim, amigos como dantes: cada um no seu.» (Minha Pedra da Vida, p. 44).
Nesse texto de 2002, Pedro da Silveira refere ainda que a antologia do conto açoriano foi sendo sucessivamente acrescentada e modificada e esteve mesmo para sair em 1977, após a sua «Antologia de Poesia Açoriana» (Sá da Costa, 1977), coisa que também não aconteceu. Mas sairia (escreve ainda Pedro da Silveira) «já algo diferente (….) com o mesmo conto de Alfredo Luiz [«A batalha perdida», com tradução de Fernando Veríssimo e do próprio Pedro da Silveira], entre os de mais trinta e seis autores, ainda este ano ou já no que vem.»  Mais um anúncio não concretizado.
Mas no espólio do poeta, à guarda da  Biblioteca Nacional de Portugal, entre as várias antologias referenciadas, encontra-se uma volumosa «Antologia de contos açorianos» que   atestará, só por si e  embora  não editada, mais uma parcela importante da investigação  de Pedro da Silveira ao serviço dos Açores e da sua  literatura.

1 Agradeço à Fundação Sousa d’Oliveira a cópia digitalizada da correspondência de Pedro da Silveira para Manuel de Sousa de Oliveira.

Urbano Bettencourt *

Share

Print

Theme picker