Diário dos Açores

Música no Verão

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Estão as nossas Ilhas em verdadeira euforia festivaleira, tal é a forte vontade de festejar que anima as pessoas, após dois anos de confinamento causado pela pandemia. Os festivais sucedem-se sem parar, por vezes até têm ocorrido vários na mesma data e em localidades relativamente próximas. Não há ilha nem concelho que não tenha o seu ou até vários, em rápida sucessão; e agora há também que contar com os festivais de freguesia, com os seus cartéis todos notáveis.
Cheguei a pensar em preencher este texto apenas com a menção dos vários festivais, seus promotores e artistas convidados, mas concluí em breve que teria de exceder em muito as dimensões a que estão habituados os meus leitores...
Felizmente, a tantas e tão grandes aglomerações não tem correspondido qualquer disparo dos casos de doença, o que confirma que as medidas em tempo adoptadas pelas autoridades sanitárias regionais foram as adequadas e suficientes. Convém reconhecer isso e congratular-nos com a prudência do Governo Regional e dos serviços dele dependentes!
Devo confessar que não tenho marcado presença nos mencionados festivais e não é por falta de curiosidade relativamente ao tipo de música neles proposta. Acontece é que em regra obrigam a deslocações nocturnas e com estacionamento problemático, o que começa a ser para mim um obstáculo sério. Além disso, o tempo, ou talvez seja apenas a previsão meteorológica dele, nem sempre tem estado muito convidativo; mas isso não impressiona, pelos vistos, a generalidade dos festivaleiros, em regra bastante mais jovens.
Tenho-me pois ficado pela música de Verão em casa, no conforto da sala de estar e na alta definição, de imagem e som, que a televisão proporciona; e devo declarar que o meu tempo não tem sido perdido. Em vários canais do cabo é fácil encontrar concertos de alta qualidade, com os melhores solistas e as melhores orquestras, óperas inteiras, excelentes bailados com as companhias mais prestigiadas, sem falar do jazz, com os mais célebres conjuntos à distância de um clique.
Além disso, tenho acesso ao arquivo da Orquestra Filarmónica de Berlim, onde se podem encontrar as peças clássicas e muitas ainda em estado experimental, estas de compositores em plena carreira. E é por aí que vou verificando como tem profundamente evoluído o panorama musical nos nossos dias.
Nas gravações mais antigas, nos tempos de maestros como Furtwangler ou mesmo Karajan, as orquestras eram todas compostas de homens, à excepção das harpistas, que não me lembro de ter visto alguma vez tal instrumento tocado por um elemento masculino. Ah! E os homens eram todos brancos! Nos tempos mais recentes o panorama mudou totalmente: as melhores orquestras competem pelos melhores executantes e estes podem ser homens ou mulheres, brancos, negros ou asiáticos. A princípio, as mulheres ocupavam lugares secundários, mas hoje é comum que sejam concertinas ou chefes de naipe; nos tempos ainda mais recentes há mesmo cada vez mais mulheres a dirigirem orquestras, ocupando o lugar central e dele desalojando a antiga figura masculina do maestro dominador.
Não falemos já do caso dos solistas, onde também a figura do homem está cada vez mais concorrendo com mulheres, no piano, no violino e até nos instrumentos de sopro. Não me lembro de ter já visto percussionistas femininos, mas isso não quer dizer que não as haja... E toda esta grande mudança tem sido feita de acordo com os ares do tempos e sem qualquer prejuízo na qualidade da música executada, antes pelo contrário! Por vezes surgem situações inesperadas, com a de uma maestrina chinesa, de compleição franzina, a dirigir a Orquestra da Sala Real de Concertos de Amesterdão, num concerto de Tchaikovsky, com uma violinista norueguesa, uma verdadeira “virtuose”, com a altura de uma amazona das sagas vikings... Mas a execução foi perfeita!
Qualquer grande orquestra hoje tem músicos de vária origem, testemunhando como a ultrapassagem das fronteiras nacionais, nos domínios da Cultura, é um fenómeno irreversível. Até a nossa Sinfonieta de Ponta Delgada tem entre os seus membros músicos oriundos de outras paragens, concretamente. Da Ucrânia, hoje em dia tão martirizada pela guerra desencadeada pela invasão russa.
Tenho falado de grandes orquestras, mas o mesmo se passa nos conjuntos de jazz, que são cada vez mais internacionais. E dá gosto ver lado a lado, dando o seu melhor para a execução de obras musicais de valor perene, pessoas de tão variado aspecto, unidas todas numa tarefa comum. Que um tal clima de bom entendimento se pudesse generalizar, é afinal o que todos os homens e mulheres de boa vontade no fundo firmemente desejam.  

*Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.

João Bosco Mota Amaral*

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