Diário dos Açores

Café para todos

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Em 1976, os “pais fundadores da nossa autonomia” criaram um sistema eleitoral misto para a Região Autónoma dos Açores. O mesmo assegura a representação territorial das nove ilhas (dois deputados por ilha, com independência da dimensão demográfica de cada uma delas) e, em simultâneo, a representação proporcional da população, que resultado número de eleitores inscritos em cada um dos nove círculos eleitorais (cada ilha corresponde a um círculo eleitoral).
A necessidade de criar uma câmara parlamentar que garanta a representação do território é normalmente assegurada em Estados com uma organização política de carácter federal - como é o caso dos Estados Unidos, cujo Senado assegura a representação territorial dos Estados que integram a federação (cada Estado elege dois senadores, com independência do peso populacional de cada um dos 50 Estados) – e em arquipélagos dotados de soberania ou autonomia política.
Neste tipo de territórios de natureza federal ou arquipelágica, a criação de um sistema parlamentar bicameral é muito comum. Veja-se, novamente, o caso dos Estados Unidos, que para além do Senado conta com a Câmara dos Representantes, no âmbito da qual o número de eleitos de cada Estado resulta da dimensão da respetiva população (eleitores).
Nos Açores, a representação territorial e proporcional da população é assegurada através de uma única câmara parlamentar, algo que se conseguiu através da lei eleitoral que teve em conta estes dois aspetos.
Em 1976, os legisladores atribuíram à ilha do Corvo, apesar da sua reduzida dimensão populacional, um “status político” em tudo idêntico às restantes ilhas dos Açores. Este facto revelou-se decisivo para o futuro desenvolvimento económico e social da ilha. Sem a existência de representantes diretamente eleitos na ilha, a capacidade de influenciar o poder regional e captar investimento público não existiria.
Veja-se, a este respeito, o que aconteceu à ilha Graciosa, no âmbito do sistema político autónomo de que goza a Comunidade das Canárias (os Açores não são o único arquipélago que conta com uma ilha com esta designação). A ilha tem uma população e um território muito reduzidos (cerca de 650 habitantes e apenas 27 km2), tal como a ilha do Corvo. No entanto, o seu “status político” é muito diferente. A ilha Graciosa não tem um círculo eleitoral próprio. Integra o da ilha de Lanzarote, que tem cerca de 150000 habitantes. Ou seja, não elege diretamente nenhum deputado e o seu peso no círculo eleitoral que integra é residual. Só agora, em 2018, é que viu reconhecida a sua condição jurídica de ilha habitada.
A falta de peso e influência no sistema político das Canárias retirou à população capacidade reivindicativa. Falta-lhe um grande conjunto de equipamentos imprescindíveis e a sua população é cada vez mais sazonal. Está ainda vedada aos seus jovens a possibilidade de completarem a escolaridade obrigatória na sua ilha. Mas, ao contrário da ilha do Corvo, contam com o apoio que significa a proximidade de Lanzarote (que fica a apenas 30 km da Graciosa), uma ilha que supera a dimensão de São Miguel.
A nossa autonomia teve, desde o início, uma visão diferente para a ilha do Corvo. Ao longo dos meus mandatos tenho feito tudo o que está ao meu alcance – com os instrumentos que nos foram legados por aqueles que desenharam a nossa autonomia -para resolver muitas das questões que prejudicavam o seu desenvolvimento nos âmbitos económico, social, cultural, educativo, desportivo ou mesmo energético.
Faço, naturalmente, o mesmo por todas as ilhas, mas na ilha do Corvo existem questões que as outras ilhas já superaram. Têm outros problemas, alguns de enorme gravidade, mas os mesmos têm uma natureza diferente. A ausência, até há bem pouco tempo, de políticas desportivas e culturais (o Corvo era a única ilha que não contava com um museu) não tinha qualquer justificação e a criação destas valências implicou um investimento mínimo. O mesmo se diga na área da educação ou até em áreas como a produção de energias renováveis. O que é que justificava o facto de a ilha do Corvo continuar a ser, até há bem pouco tempo, a única no âmbito da qual não se produzia energia a partir de fontes renováveis? Nada, como é evidente.
Nenhuma outra ilha enfrentou, nestes tempos modernos, períodos de 50 dias consecutivos sem abastecimento marítimo, embora o caso da ilha das Flores fosse também extremamente grave. Todos concordam que esse era um problema que tinha de ser resolvido. O mesmo se diga das recentes ligações aéreas à ilha do Corvo na época alta. Algo que todas as outras ilhas já usufruem, desde há muito, inclusivamente na época baixa. Funciona? Tem procura? Tentem marcar uma viagem para a ilha do Corvo e terão a resposta.
Estão a registar-se avanços constantes em todas estas áreas, como tem de ser. Sem megalomanias, com responsabilidade e solidariedade. Entristece-me apenas o facto de existirem políticos cujos propósitos de afirmação passam por atacar estes avanços em nome não se sabe muito bem de quê. Fiquem a saber que essa é a minha linha vermelha. Não admito retrocessos autonómicos em nenhuma das nossas ilhas. Avançamos juntos. Ombro com ombro. Esse é o nosso mandato desde 1976 e assim continuará a ser.

Paulo Estevão *

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