Diário dos Açores

Autoridade e Direitos da Pessoa Humana

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A Autoridade, toda ela, qualquer que seja a sua natureza e estatuto, está ao serviço da Pessoa Humana. Os Direitos do Homem, inscritos ao longo dos séculos, numa difícil evolução, fruto de muitas e ardorosas lutas, em proclamações incontestáveis, são um limite do Poder e não podem ser por este violados sem graves prejuízos para a própria estabilidade social.
Vem isto a propósito da redução autoritária das pensões de sobrevivência devidas a viúvas de funcionários públicos, sob invocação de supostas “dívidas” dos beneficiários, algumas delas datadas da década de 60 do século passado e portanto já prescritas. Acresce que nunca anteriormente a entidade pública competente alertou quem quer que fosse para a existência da tais dívidas, que agora pretende cobrar, definindo por sua única iniciativa os termos em que o irá fazer, na prática reduzindo o valor das pensões em causa.
Estamos perante um manifesto abuso de poder, que os tribunais estão examinando e até em alguns casos concretos já se pronunciaram contra as pretensões da dita entidade pública. Mas não é possível encolher os ombros e fingir que não se está passando connosco, porque qualquer abuso de poder a todos afecta pela perturbação que causa no equilíbrio social.
Conviria saber quantas pessoas foram notificadas das famosas pretensas “ dívidas” e quantas delas tiveram discernimento e meios para levar a questão aos tribunais. Temo que bem poucas estejam nessa últimas circunstâncias. O que quer dizer que por sua própria autoridade a entidade que paga as pensões em nome do Estado estará reduzindo as suas despesas à custa da redução de pensões de sobrevivência, muitas delas de valor próximo da miséria. Mas já se sabe que os valores mais baixos, por serem em maior número, acabam por significar no seu conjunto quantias avultadas.
Impõe-se a intervenção do Governo da República, para se pôr termo a situação tão chocante! Os dirigentes da entidade pública em causa devem ser instruídos no sentido de não tentarem cobrar supostas dívidas, sem as reclamarem através dos tribunais; e, obviamente, nem se podem considerar importâncias já extintas pelo decurso do tempo, ainda por cima por incúria da própria entidade que agora as reclama ou dos seus funcionários e agentes.
Lembra-me a presente situação o caso de alguns serviços das Finanças que, nos últimos dias de cada ano, atacavam os contribuintes, exigindo-lhe o pagamento de impostos, realmente devidos ou não, ou penhoravam a esmo bens de supostos contribuintes relapsos, em alguns casos por valores irrisórios. Denunciei tais comportamentos abusivos em intervenções parlamentares na Assembleia da República, insurgindo-me contra o que estava por detrás de tais violências, que era nem mais nem menos a fixação prévia e superior de valores de impostos a cobrar em cada circunscrição, como se o Estado democrático pudesse funcionar por fixação de objectivos, como uma empresa privada, movida pelo lucro e, em certos casos doentios, não recuando perante a exploração dos trabalhadores.
Também me parecem inaceitáveis os arrastamentos dos casos judiciais. E não me refiro apenas aos mega processos, ligados ao colapso financeiro do Estado, provocado pela incompetência e pela ganância de personagens que estão a ser julgadas há anos e vão continuar a sê-lo até que os respectivos processos se esgotem por prescrição ou morte dos acusados... (Pelo menos, é o que parece!) Já me tenho insurgido contra a abertura de processos e a constituição de arguidos com base em denúncias anónimas, que considero um grave retrocesso civilizacional. Mas manter os processos em banho maria durante anos e as acusações pendentes sobre os arguidos  parece-me um exagero.
 Os arguidos , lá por o serem, não deixam de ser cidadãos em plenitude de direitos. E um deles é que a sua situação seja definida com brevidade. Vem-me à memória o caso de um antigo Presidente da Câmara que foi arguido num processo resultante de uma denúncia anónima, extinto pelo despacho da entidade competente por reconhecer estarem prescritos, à data em que foi feita a denúncia, quaisquer possíveis comportamentos ilegais. Mas isto alguma meia dúzia de anos depois...
Alertei pessoalmente o então Presidente da nossa comarca para a publicação integral  de uma sentença sobre mau uso de dinheiros europeus, na qual se incluíam referências à vida privada de pessoas envolvidas, com óbvia violação das normas de direitos humanos que protegem a privacidade individual. Na altura já não era Deputado à Assembleia da República, mas não posso esquecer que fui, durante quase 20 anos, membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, organismo vocacionado para a promoção e defesa dos direitos humanos em todo o nosso Continente, e até durante dois anos Vice-Presidente da mesma. O excesso de zelo judicial foi reconhecido, com prontidão.
Uma das garantias fundamentais dos Direitos do Homem é o princípio da não retroactividade das leis. Qualquer alteração legislativa só pode reger as situações futuras. Os direitos adquiridos devem ser respeitados.


*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)

João Bosco Mota Amaral*

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