Diário dos Açores

Pedro da Silveira e Cesário Verde

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Centenário de Pedro da Silveira, XVII

Dois anos de trabalhos de identificação, divulgação e edição da obra de Pedro da Silveira aproximam-nos cada vez mais da complexidade do seu legado, permitindo intuir nexos ou casualidades e deste modo começar a entender alguma coisa do que poderíamos chamar a sua biografia literária, da Ilha das Flores até Lisboa, da velha biblioteca de Angra do Heroísmo (cuja importância para ele ainda está por estabelecer cabalmente) até à Biblioteca Nacional. Antes mesmo da sua mudança para Lisboa, em Março de 1951, o leitor voraz, poeta e etnógrafo florentino vestira-se já de divulgador da literatura caboverdiana e brasileira na imprensa micaelense, reivindicando a autonomia identitária das letras açorianas e debatendo o seu renascimento através dos livros de Vitorino Nemésio e outros. Além disso, tornara-se-lhe claro que só uma edição qualificada da poesia de Roberto de Mesquita (1871-1923) — que a Almas Cativas juntasse manuscritos inéditos e dispersos de imprensa — seria capaz de dar ao santacruzense o merecido destaque.
A consciência desse imperativo tinha, aliás, precedentes históricos indesmentíveis, que aliás atingiam directamente dois dos poetas que maior influência haviam tido sobre a geração a que Pedro pertencia. Tanto Camilo Pessanha (1867-1926) como Cesário Verde (1855-86) só postumamente tiveram os seus versos postos em livro, pela mão de João Osório de Castro e de Manuel Sousa Pinto, respectivamente, em edições afinal de contas tão imperfeitas e descuidadas como aquela que Marcelino Lima havia produzido em 1931 a partir dos papéis de Roberto. Tornava-se, portanto, imprescindível tentar localizar nas estantes e gavetas de amigos e colegas (ou seus herdeiros) dos irmãos Mesquita na Universidade de Coimbra, e nos jornais e revistas em que simbolistas e afins haviam colaborado, quaisquer documentos que permitissem publicar da melhor maneira possível a obra poética de Roberto — e a ida de Pedro da Silveira para Lisboa sem dúvida possibilitar-lhe-ia esse protagonismo, porém concretizado tardiamente, em 1972 (depois da expectativa de poder fazê-lo pela Livraria Editora Andrade, de Angra, desde 1945).
Mas se a sua «fixação» em Roberto de Mesquita perdurou até ao fim da sua vida, como Urbano Bettencourt sublinhou recentemente, também é justo dizer que Cesário Verde recebeu dele tantos ou maiores cuidados e atenções, e também ao longo dos anos e desde cedo. Tenha-se em mente o poema sobre a sua Fajã Grande em cujo subtítulo indica «(Propositadamente escrito à maneira de Cesário Verde)», incluído no seu primeiro livro, A Ilha e o Mundo de 1953. Transportar para o meio do mar a lição do autor d’«O Sentimento de um Ocidental» — sendo este ocidental já um um grande «sinal» de empatia em si mesmo! —, significava claramente o reconhecimento precoce duma influência sobre o modo poético de registar o quotidiano. Mas é também com Cesário Verde, ou por Cesário Verde, que Pedro da Silveira nos dá a primeiríssima prova da sua forte capacidade de investigador literário, e a confirmação de que, instalado em Lisboa, alargou de imediato e exponencialmente o espectro das suas inquirições em bibliotecas, arquivos, alfarrábios e tertúlias. Importa notar isto. Os seus comentários, na Seara Nova, à edição d’O Livro de Cesário Verde organizada por Joel Serrão em finais de 1953 — apenas dois anos apenas — surpreendem já pelo notório domínio da «filologia editorial» ali demonstrado, sem trabalhos precedentes que o ilustrem, e o espírito de serviço que o norteou. Debaixo do modesto título de «Notas amigavelmente dirigidas ...», essas 40 páginas de contributos e recomendações não têm paralelo — desde então — no que alguém escreveu sobre a obra e a figura do poeta de vida breve. Lido esse trabalho, fácil e lógico se torna concluir que, em muitos poucos anos, Pedro da Silveira conquistou na capital uma posição de prestígio e respeito entre aqueles que se dedicam à história da literatura portuguesa. E sem exagero se pode dizer que a sua Cronologia publicada a quase três décadas depois disso, no catálogo da exposição que na Biblioteca Nacional dedicou a Cesário Verde (e foi muito orientada nele), ou o inventário das casas em que viveu, feito para essa mesma ocasião e efeméride, mostrando uma campanha reincidente, não podem deixar de ser tidos em devida conta na nova biografia do poeta de Lisboa que Maria Antónia Oliveira, prestigiada biógrafa de Alexandre O’Neill (2007), prepara actualmente.
As 100 páginas que Pedro da Silveira dedicou a Cesário Verde serão publicadas no segundo tomo da Prosa Reunida da Edição do Centenário, que o Instituto Açoriano de Cultura publicará nos próximos meses. O primeiro tomo, com c. 600 páginas, de temática sobretudo açoriana, será lançado amanhã, no Museu das Lajes das Flores, juntamente com a Poesia Reunida, numa nova edição, revista e aumentada, de Fui ao Mar Buscar Laranjas, editado por Urbano Bettencourt.

Vasco Rosa *

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