Diário dos Açores

Viagens nos tempos que correm

Previous Article Pacote cultural Açores 2023: jogar golfe?
Next Article Conferência em Santa Maria aborda “reinvenção do contexto geo-estratégico” dos Açores Conferência em Santa Maria aborda “reinvenção do contexto geo-estratégico” dos Açores

1- Foi um instante. Em pouco mais de meia hora deixei as delícias de um clima agradável, onde a natureza exuberante, quase virgem, se casa com a constante paisagem insulana e o arquipélago afirma identidades próximas e solidárias.
Do ar já não se vislumbram ilhas ao longe, nem portos de desembarque que alimentam saudades. Mar sem passageiros não é catalisador da açorianidade que sustenta este povo ilhéu.
O avião aproxima-se, calmamente, da ilha verde e a nossa esperança é aterrar sem sobressaltos.
Uma nuvem espessa, porém, afronta, por momentos, a aeronave completamente cheia. Ouvem-se gritos, há sustos contidos e até risos que se calam num silêncio de alívio do perigo que só os mais desprevenidos pensavam não poder acontecer neste fim de verão.
Passada a turbulência, o Q 400 circunda o porto da cidade maior e ruma à pista, onde uma brisa de sentido contrário impede uma tranquila aterragem.
Em trinta minutos, as nuvens aproximaram-nos do céu e afastaram-nos do oceano que cerca e aconchega as nove ilhas na alegria e no infortúnio.
Ao cabo de dois meses na “Ilha Maior”, as memórias desse destino natal foram tão fortes que regressei à infância, quando embarcava os sonhos num imponente paquete que navegava entre o Pico e São Jorge e se perdia na imensidão do oceano...

2. Durante a estadia apercebi-me do aumento de produtos alimentares e de outros bens de primeira necessidade.
É de notar que o consumidor anónimo, por norma, não discute preços. Talvez porque a pequena dimensão do mercado e a fraca concorrência dos operadores obriga a que tenham de cingir-se à oferta existente. Isso, porém, não impede que os empresários, com frequência, justifiquem, com ou sem razão, os aumentos dos produtos.
É sabido que nem todas as subidas de preço derivam do conflito militar infligido pela Rússia à Ucrânia.
Por exemplo, são publicamente conhecidas as diferenças do preço do leite pago à produção nas diversas ilhas, bem como as reivindicações da classe junto da indústria de laticínios.
Não se percebe, pois, que no espaço de dois meses, a manteiga comum produzida nos Açores tenha sofrido um aumento tão significativo -cerca de 50 cêntimos, nalguns casos – enquanto o queijo se mantém a preços mais ou menos constantes.
São preços livres num mercado aberto, é verdade, mas se no Índice de Preços do Consumidor (IPC) há produtos que em julho de 2022, segundo dados do SREA, tiveram variações negativas “Vestuário e calçado”( -2,10%) e “Educação”(-1,48%), e até as despesas da saúde baixaram  de 1,60% em dezembro de 2021 par 0,49% em junho, não se entende estas diferenças, sobretudo por se tratar de bens importados, sujeitos às subidas nos transportes.
Falta de fiscalização? ou aproveitamento dos agentes económicos, como se verificou no turismo, nos setores da restauração, rent-a-car e similares que poderão fazer perigar uma atividade económica que teve um crescimento muito acentuado nesta época alta? São perguntas que merecem resposta.
    
3. Esta semana o Primeiro Ministro anunciou uma série de medidas para fazer face à subida da inflação e repor o poder de compra dos cidadãos.
Segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística) o IPC, em agosto, no continente, diminuiu para 9% (9,1% em julho) e nos Açores a taxa de variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor, “Total” de julho, situou-se nos 6,29% (SREA).
Grande parte das verbas a “devolver aos portugueses”, segundo o Ministro das Finanças, advêem do crescimento da receita do IVA que pode atingir acréscimos entre os 20 e os 25% até ao final do ano, devido à subida da inflação.
Na R.A. dos Açores os efeitos inflacionários costumam repercutir-se mais tarde.
De qualquer modo, as receitas extraordinárias do IVA arrecadadas até julho, rondam os 18 milhões de euros, pelo que compete ao Governo Açoriano devolver aos cidadãos, nomeadamente à classe média, o que o erário público recebeu a mais. E não se alegue que o GRA, desde o início do ano, baixou os impostos e tomou medidas para combater a crise económica gerada pela Covid 19.
As consequências da guerra na Ucrânia criaram novas dificuldades económicas que acrescidas “aos efeitos desfavoráveis da localização ultraperiférica da Região, da insularidade e do isolamento”1 devem ser minimizadas pelos governantes, por se tratar de um “direito à justa  compensação e à discriminação positiva com vista à atenuação dos custos da insularidade e do carácter ultraperiférico da Região”.2
Nesta como noutras crises, manda o Regime Autonómico que se tome as medidas adequadas segundo as competências estatutárias, para que os açorianos acreditem que os agentes políticos têm capacidade e competência para decidirem o que se impõem, sem esperar que outros organismos do Estado o façam.

4.- O Jornal da Madeira anunciou hoje (8/09/2022) a realização no Funchal de uma cimeira insular na próxima semana, entre 12 e 14. Bolieiro far-se-á acompanhar do vice-presidente e de mais oito membros do seu gabinete (o Executivo tem 11) e respetivos dirigentes.
Num tempo de crise, em que tudo apela à contenção de despesas face às dificuldades da maioria da população açoriana, seria prudente que os governantes e demais políticos se contivessem nos gastos pagos por todos nós e recorressem às plataformas digitais para tomarem decisões, como aconteceu durante a pandemia em muitos setores de atividade.
De contrário, fica a ideia de que a Cimeira Madeira-Açores é uma cerimónia protocolar que a opinião pública poderá designar de “passeata”.
    Neste como em outros acontecimentos políticos, o que parece...é.


1Estatuto Político-administrativo da RAA artº3º alínea f)
2Idem, artº 7, alínea b)


*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

Share

Print

Theme picker