Diário dos Açores

Mulheres não dão à luz só a músicos, também às músicas

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Para mim, é um problema quando o meu próprio computador sugere mudar a palavra compositora para compositor. Até irrita-me! E este é o assunto mais fácil de se resolver, quando se fala de temas de género, porque basta adicionar uma letra à palavra. Muitos outros assuntos, infelizmente, já não são tão fáceis de se ultrapassar.
Desde criança vivi rodeado de mulheres. Minha mãe e duas irmãs; as Irmãs da Casa de São José da Candelária; as professoras da escola primária, todas mulheres; Terry e as meninas do Monte quando no Externato da Madalena; colegas do programa de teatro na Universidade de Toronto eram 70% do sexo feminino; a maioria das artistas que apresentei nos meus anos de atividade profissional no Canadá: mulheres! E hoje, com a MiratecArts, 60% são colaboradoras registadas na plataforma DiscoverAzores.eu e, mesmo assim, nem sempre parece!
Há um ano, fui muito criticado, pessoalmente e em público, quando publiquei a crónica “Onde andam as mulheres da música nos Açores?”. Porquê? Porque elas existem. Aparentemente, eu nunca vi seus nomes em pequenas letras, quando as colocam abaixo dos cabeças de cartaz! A crónica foi um sucesso porque suscitou um impulso de registos do género feminino na MiratecArts, mas mesmo assim não suficiente para atrair propostas para o Festival Cordas, que este ano recebeu mais de 90% de contactos do género masculino.
No passado ano, foi publicado o relatório “Be the change - Women Making Music” por MIDiA Research, o qual anotava que 81% das pessoas no estudo indicaram que “não acreditam que as mulheres obtêm o nível de reconhecimento que seus colegas homens alcançam.” Outra descoberta preocupante do estudo é que dois terços das mulheres identificaram o assédio sexual ou a objetificação como um desafio chave na música, tornando-o de longe o problema mais citado no estudo. Há poucos meses, uma música das nossas ilhas comunicou comigo que um festival tinha-lhe pedido “uma foto mais sexy” - será que pedem o mesmo aos homens?
Nunca falamos o suficiente sobre estes assuntos. Mas, este ano, no Festival Cordas, vamos ter a chance de conversar com mais mulheres, porque a percentagem feminina subiu um pouco, ultrapassando 25% de participantes. Aconteceu, porque a Sara Cruz está a liderar uma semana de residência com duas mulheres das cordas portuguesas: Ana Mariano e Bia Maria. Aconteceu, porque a Marta Pereira da Costa, que já passou por cá, foi uma das mais votada pelo público para voltar ao Pico. Aconteceu, porque a espanhola Ana Alcaide, que já conheço há vários anos, finalmente conseguiu enquadrar os Açores no seu calendário. E, porque há mulheres em grupos de música clássica, e a acompanhar homens em duos e trios.
O cartaz generalista do Festival Cordas, pela primeira vez em sete anos, é de uma mulher a solo, Sara Cruz. Acredito ser um passo em frente, mas ainda muito longe de equilibrar a programação, os tais 50/50, ou até o dia de se conseguir mais mulheres que homens no cartaz. Alguns de certeza perguntam: será necessário de o fazer acontecer? Enquanto as mulheres se sentirem discriminadas devemos continuar a trabalhar para melhorar esta parte da nossa sociedade. Mas, agora, espero que elas também não tenham medo de chegar à frente e fazer parte do que aqui estamos a construir, que tem nada a ver com tokenismo, mas tudo a ver com mostra e destaque de quem faz. Porque, comentários de café como “mulheres são boas é para fazer homens” ainda se ouvem, hoje em dia, nas nossas freguesias!
O Festival Cordas acontece de 16 a 25 de setembro no concelho da Madalena, na ilha do Pico. Para conhecer melhor estas e outras mulheres das cordas dos Açores, e além arquipélago, e os homens que as acompanham, ou tem outros assuntos a transmitir às nossas audiências, através da sua música original, ou recorrendo à música clássica e tradicional, visite FestivalCordas.com e junte-se nas redes sociais da MiratecArts.
O estudo da MIDiA Research termina com o seguinte parágrafo: “Embora a representação geral das mulheres na sociedade tenha aumentado nas últimas décadas, 84% das mulheres ainda sentem que existe uma percepção de que se espera que as mulheres assumam o papel principal dos deveres familiares. O sector da música quer que as artistas femininas sejam jovens – em parte um sintoma da obsessão jovem da indústria, mas também para que as mulheres se tornem bem-sucedidas antes, que se suponha, que decidam assumir o papel da maternidade.”


* MiratecArts

Terry Costa*

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