Diário dos Açores

Pedro da Silveira na Universidade dos Açores

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Às comemorações do centenário do nascimento de Pedro da Silveira, iniciadas na sua ilha natal no começo do mês em curso, não podia deixar de associar-se a Universidade dos Açores, o que fez mediante a realização de um Colóquio, na semana passada, subordinado ao muito apropriado título “Pedro da Silveira - faces de um poliedro cultural”.
Nascido na longínqua ilha das Flores, filho de um emigrante açoriano de torna viagem, por sua vez nascido na Califórnia, Pedro da Silveira experimentou no âmago da sua vida a nossa insularidade, vivendo sucessivamente em várias das nossas ilhas até fixar residência em Lisboa, onde se projectou como investigador e crítico literário, e também como escritor, espalhando as suas inegáveis capacidades em múltiplas colaborações em vários jornais e noutras publicações.
Julgo que só me cruzei com ele uma única vez, numa ruidosa reunião realizada na Casa dos Açores, em Lisboa, num dos dias seguintes à Revolução do 25 de Abril, por sinal com os ânimos revolucionários dos participantes bastante exaltados; e não me pareceu que tivesse grande simpatia por mim e pelo trabalho realizado na promoção dos interesses dos Açores nas circunstâncias políticas do período imediatamente anterior.
Eram de resto bem conhecidas as suas simpatias pelas correntes mais à esquerda, que em breve viriam a ser dominantes no panorama político nacional. Mas retenho a sua imagem, marcada por óculos de lentes fortes, e a sua voz, aguda, entusiástica e fortemente crítica.
Nada disso me afasta de admirar a poesia de Pedro da Silveira, largamente analisada ao longo dos dois dias de duração do Colóquio agora em referência. Julgo mesmo que se trata de uma das mais felizes concretizações da inspiração produzida pela nossa peculiar insularidade, que na expressão de Vitorino Nemésio ficou cunhada com o termo “Açorianidade”.
Mas o mérito de Pedro da Silveira não se reduz aos seus valiosos poemas. Como crítico literário e investigador de temas açorianos, ele contribuiu, além do mais, para valorizar outros poetas das nossas ilhas e pelas mesmas inspirados, como o já citado Nemésio e Roberto Mesquita, o primeiro estrela do panorama cultural português e mesmo internacional (recorde-se que poetou em várias línguas, ensinou em várias universidades e de diversos países e recebeu o Prémio Montaigne, em França, na altura em que os prémios ainda tinham prestígio) o segundo quase ignorado mas nem por isso menos significativo.
Foram numerosos os oradores do Colóquio, entre os quais se destacando vários professores (por sinal, professoras) da Casa, Rosa Goulart, Madalena Teixeira da Silva, Ana Cristina Gil, Leonor Sampaio da Silva; mas também Eduíno de Jesus, Luís Filipe Vieira, Ana Monteiro, Ângela Almeida, Scott Anderson, Urbano Bettencourt, Victor Rui Dores, Francisco Topa, da Universidade do Porto e Aquiles Garcia Brito, das Canárias. Esta simples enumeração permite apreender a variedade dos aspectos da obra de Pedro da Silveira, analisados exaustivamente e sob múltiplas perspectivas.
Faço especial menção de Diniz Borges, por ter vindo de tão longe, desde a Califórnia, para evocar, para além do valor da obra do Autor homenageado, a presença açoriana no Estado Dourado da América, por onde tantos florentinos se fixaram e hoje os seus descendentes prestigiam as suas raízes. Esta intervenção trouxe-me à memória o meu contacto com elementos de tal comunidade, talvez ainda no final dos anos 70 do século passado, em Arkata, no norte do estado, na zona das florestas das sequoias.
Um dos momentos mais interessantes do Colóquio foi, em minha opinião, a mesa redonda que juntou, no Auditório da Biblioteca Pública e Arquivo Regional, no vetusto edifício do antigo Colégio da Companhia de Jesus, restaurado para esta nova finalidade por iniciativa do Governo Regional, durante o mandato do Presidente Carlos César, alguns conhecidos jornalistas e pessoas que escrevem nos jornais, para discutirem o papel de Pedro da Silveira como responsável da página literária do antigo semanário A Ilha, ainda nos anos cinquenta do século passado.
Paulo Simões, Osvaldo Cabral, Vamberto Freitas e Nuno Costa Santos, sob a criteriosa orientação de Vasco Rosa, envolveram-se numa reflexão importante sobre o papel da Imprensa na difusão cultural. Hoje são raras as páginas literárias mantidas regularmente nos jornais, por razões financeiras, antes de mais, como sublinharam os participantes na discussão; mas surgem outras formas de divulgação da produção cultural nos Açores e sobre os Açores, nomeadamente a revista Grota, da responsabilidade de Nuno Costa Santos, com vários números publicados e provas prestadas de valia e importância.
Vamberto Freitas mantém semanalmente no Açoriano Oriental as suas leituras atlânticas, sempre a alertar os seus leitores para o que de melhor se vai publicando nas duas margens do Rio Atlântico, feliz imagem criada por Onésimo de Almeida.
O empenho de Vasco Rosa nestas comemorações centenárias ficou marcando como impulso decisivo para a sua realização.
E com elas ficou a ganhar a Cultura Açoriana, reconhecendo a valor perene de Pedro da Silveira e da sua dedicação aos Açores.

   
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico)

João Bosco Mota Amaral*

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