Diário dos Açores

Há Poucos Açorianos nos Açores

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Mais uma vez, ao ler o recém-editado livro “Só o Esquecido é Passado”, a prosa reunida de Pedro da Silveira, um açoriano da ilha das Flores que deu atenção a todo o arquipélago, veio-me à cabeça esta ideia: há poucos açorianos nos Açores. Há gente da sua ilha, da sua freguesia da sua ilha, da sua rua ou praça da sua ilha.  Açorianos, universais dentro do conjunto, são poucos.
Existem conhecidas razões históricas para isso. Mas persiste, julgo, penso, tenho visto, uma atitude pequenina. Com pouca visão. Com pouca vontade de valorizar com sendo um este corpo diverso.
Uma aproximação interior cultural e política, preservando diferenças, podia levar-nos bem mais longe do lugar onde estacionámos. Tornaria até mais justas as reivindicações recorrentes junto do Estado português.
Não há bairrismo que impeça um açoriano de amar os Açores para além da circunstância, dos seus senhores e actores divisionistas – que são mais frágeis do que julgam. O bairrismo é, a maior parte das vezes, ridículo. E desmontar o ridículo é um gesto que se pode aprender. Ignorá-lo é um golpe fatal.
 É raro encontrar alguém no arquipélago que se possa denominar açoriano com propriedade.  Que possa assumir, com legitimidade, que faz parte de uma família e de uma geografia cultural e humana. Como facto ou como desejo.
Tudo isto me leva à ideia de um desafio. A de se abolir durante o tempo a conversa do “açoriano”. Não é por ordem – que de ordens percebo pouco. É por vontade. Faço uma proposta – venha quem quiser vir. Cada pessoa que se dissesse açoriana teria de provar que o é – que não é só micaelense, mariense, terceirense, faialense, etc. E a prova qual seria? Dizer alguma história de outra ilha que não a sua, viajar até a essa ilha, conhecer pessoas, costumes e expressões, provar pratos e copos, defender junto de viajantes que é decisivo visitá-la, fazer um elogio no que se entende que o merece, ler  com interesse um livro sobre a História da arquipélago, assumindo rimas e diferenças (as suas histórias dentro da História). Mais: começar a partilhar causas com outra ilha, podem ser pequenas, quase irrisórias, mas são. Um jogo à procura de alguma verdade.
Pedro da Silveira, com todos os seus defeitos de superfície, tinha uma virtude funda: a de querer que os Açores sejam valorizados no seu todo. Podia ter os seus ódios e ressentimentos, mas, na sua pesquisa, no que fez de sério e que está aí para ser desfrutado, no que interessa, não discriminou ninguém. Insuspeito de reaccionarismos, nunca hesitou em criticar o colonialismo de Lisboa em relação aos Açores.
Foi compreensivo, atento e crítico. Escreveu:  “Nos Açores só houve tipografia desde o fim de 1829. Do que, junto, se concluirá: tivesse sido introduzida a imprensa mais cedo no Arquipélago, não sucederia assim, e decerto bem outra seria, mais rica (não só na poesia), a sua literatura do primeiro período colonial”. Mas também exigiu mais. Em 1945 criticou o que considerava serem imitações literárias açorianas do que se fazia fora e desafiou os novos a perseguirem uma “esperada literatura de características açorianas”. Uma literatura que exprimisse “o drama da sua gente, da sua terra cercada de mar”. Se isto tinha de ser assim? Não. Era a sua perspectiva. Construída com afecto. Com o  amor que lhe permitiu dedicar uma vida de pesquisa à cultura do arquipélago.
Em 1995 lamentou que a História da Literatura Açoriana estivesse por fazer. E acrescentou: “tal como, também, ainda não temos uma História dos Açores digna do título”.
Pedro Silveira nunca o verbalizou mas sabia-o, com certeza. Não é sério alguém dizer-se parte de uma família quando não a valoriza.

Nuno Costa Santos *

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