Diário dos Açores

Quem é a Pessoa Idosa? Humanismo e Transcendência

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Quem o jovem? Quem o define? Quem tem autoridade de o definir? Sabemos  hoje, através dos Relatórios Internacionais, que a categoria de Criança vai até aos dezoito anos. Mas sabemos que a Criança aspira a sair da sua condição, desde cedo, porque quer “ser grande” e diz “já sou grande”. De facto a autonomia é uma aspiração. E na área da Saúde usa-se e abusa-se do termo “autonomia”,  quem diz Saúde diz Educação.  Abusa-se da expressão “está acamada”, quando muitas vezes a Pessoa tem uma mobilidade apoiada e quando muitas dimensões de si estão plenas. Pensemos na Pessoa como um Todo: físico, psíquico, mental e espiritual, numa difícil harmonia. Tem-se descurado muito o acompanhamento espiritual. O Espírito é a Potência mais forte de nós. Durante a Covid muitos idosos foram entregues à sua sorte, por razões que se compreende e não se compreende foram quase sós para a sua última morada. Aquando da Covid, o Mestre que segui, no fundo, o Médico e a Autoridade que segui no fundo foi Jesus Cristo, que se aproximou dos leprosos. Não fez confinamentos. Durante a Covid tive muito presente a atitude premonitória de Bento XVI: a Clausura. De modo livre fez Clausura, a Clausura tornou-se a maior Abertura, abertura em relação a si, a Deus e aos outros. Privou-se deliberadamente. Clausura, maior Abertura. Para estar mais próximo de Deus, em Adoração, em Oração, em Meditação. E tudo isto faz falta nesta Sociedade alienada na corrupção, na ganância, no lucro pelo lucro, no dinheiro corruptível. Bento XVI, ele mesmo uma Pessoa Idosa, deu exemplo de como se pode decidir ser idoso, de modo ativo, desde logo do ponto de vista espiritual, numa sociedade afogada na maldade, na mentira, numa sociedade que “voltou as costas a Deus” como tantas vezes afirmou Bento XVI. Quem ouviu João Paulo II denunciar tantas vezes o “capitalismo selvagem”?, e esse capitalismo selvagem continua a destruir a Sociedade, onde os bens materiais devem ser distribuídos, como manda a Doutrina Social da Igreja. Não temos líderes para seguir, os Princípios e os Valores têm sido postos de parte da Sociedade, que tem caído numa perigosíssima desumanidade. Como já afirmaram os maiores escritores e filósofos, de todos os quadrantes, numa Sociedade sem Deus tudo é possível. Vivemos numa sociedade de contra-valores que desprezam a pessoa. E se desprezam a pessoa em todas as idades onde estão os Cuidados com a Pessoa Idosa? A Pessoa Idosa, mesmo no seu leito de dor, é uma Presença de Amor para quem cultiva o Amor. O Papa Bento XVI falou em “Declinar”. Verbo luminoso. Quem está a ajudar o Idoso a Declinar, - a elevar-se - desejavelmente deve estar na sua ou na casa de um dos seus filhos ou de outra pessoa que se ofereça para essa misericórdia que nos faz aprender os Valores de Deus, os valores culminantes. Só por referência a Deus podemos ter verdadeiros valores humanos que ajudem a resgatar a humanidade de si mesma. Quem segue o face book ou outras redes sociais dá-se conta de que as pessoas estão descrentes no ser humano, dizem que já não acreditam no outro, que não existe amizade, etc. O facebook faz um retrato da sociedade, com sentido da realidade. Mas também dá exemplo de solidariedade, de amizade, de compaixão. O facebook, tal como qualquer meio de comunicação, deve ser seguido de modo reflexivo. As sociedades de hoje não têm norte. Faz-se a apologia do Diálogo entre Gerações, que está por realizar, para que seja um fator regenerador da Sociedade.
Com que valores os jovens estão a ser educados? A Educação hoje tem valores permanentes e duradoiros tão mais necessários quanto esta sociedade, já chamada de “líquida” é mais gasosa do que outra coisa? Se é verdade que “todo o mundo é composto de mudança” esta é mais uma razão de compreender a mudança nos valores de permanência, que devem subsistir para além de tudo o que se evapora. Deixou-se de falar na Metafísica e Deus tem de estar de volta. Onde está a consciência moral? Só por referência a Deus há, no fundo, consciência moral e Respeito pleno. É tempo de falar e praticar os valores fora de moda, só eles nos podem aguentar numa Educação ao Longo da Vida. Claro que a Vida é mudança e dinamismo mas a Mudança tem de dar-se em conhecimentos válidos para a vida e em valores que nos possam ajudar a ser pessoas para melhor sabermos quem é a Pessoa Idosa. A Pessoa Idosa não se refere a um critério sociológico, a uma condição social, nem de Idade. A Pessoa Idosa é aquela que precisa de nós e que não se aliena na imposição de um ativismo mas em exercícios, plurais, que mantenham a Pessoa ativa em todas as suas dimensões, em especial em fase mais avançada da vida.  Estou convencido que uma dessas dimensões é a dimensão religiosa, que torna a pessoa sempre em identidade consigo mesma, no mais fundo de si mesma que a fez e faz reconhecer-se como Pessoa, no seu Ser Quem é. No recrutamento de Cuidadoras quem tem o Cuidado de saber se é uma Pessoa religiosa, que alimente no idoso essa dimensão, que clama ser cuidada em conjunto com todas as outras. E os próprios familiares tiram tempo para rezar e cantar cânticos religiosos que fazem exultar a pessoa? Os familiares – de todas as famílias - são os “Cuidadores More”, inalienáveis, e, como tal, devem ser Responsáveis e Responsabilizados.
Quem é a Pessoa Idosa? A Pessoa Idosa é aquela que na sua plena Identidade nos indica o caminho e nos dá os sinais para ser Cuidada, para sabermos como cuidar, certamente com todos os conhecimentos de Saúde e outros que nos ajudam a Cuidar. A Pessoa que é Cuidada é que ensina se o/a Cuidador/a sabe Cuidar. Como estão a ser (de)Formados/as os/as Cuidadoras? A Ética cumpre-se na prática, na convivência.
A simples Presença de um Idoso inspira um Respeito Sagrado que nos faz olhar para Deus. A Pessoa Idosa precisa de ser Cuidada em todas as dimensões e no acompanhamento do idoso aprendemos, sempre, a cuidar sempre. O Idoso não é um objeto de uma empresa de cuidados, o/a Idoso/a é a Pessoa que clama por nós como “o outro totalmente outro”, como nos diz Levinas.
Falamos na Autonomia do Idoso. Tenho sempre presente João Paulo II nos últimos dias da sua vida. Quem é o Idoso?, a Pessoa Idosa? A Pessoa Idosa é Sujeito da sua Vontade e a Arte de Cuidar dos Idosos é deixar-se cuidar pelo idoso, isto é, fazer com que o Idoso queira o que nós sentimos que são as suas necessidades indeclináveis.
Mas no fundo quem é a pessoa com autonomia? Quem a tem? E continuo a sentir que todos desejam ser e estar conscientes, responsáveis e livres. Sempre entendi que o emaranhado de conceitos nem é Filosofia nem ajuda à vida. Desde logo é preciso pensar: quem somos? O que somos? Somos auto-subsistentes ou somos seres de relação? Como Cristão e Católico a questão – que o não é-fica, logo, resolvida: somos seres de Relação. O nosso Deus, o meu Deus – que não tem nada de privado, embora sentido na minha mais profunda Intimidade - é um Deus de Relação, é o Deus da Santíssima Trindade, é o Deus da Máxima Potência: Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito Santo. É o SENHOR do Universo e é o Deus que está connosco, por exemplo, a comer uma fatia de massa sovada nas Festas do Divino Espírito Santo nos Açores e nas Diásporas, onde moram, e habitam, tantos emigrantes que levaram Deus no Coração e figurativamente O vêm na Coroa, na Bandeira e na Pomba branca que representa o Espírito Santo que desceu sobre Jesus, no seu Batismo, no Rio Jordão: “Alva Pomba que meiga apareceste ao Messias no Rio Jordão”. Deus é um Deus Pessoa, é Um Deus Relação, e está no rosto do outro que nos interpela, principalmente os mais vulneráveis que nas nossas vidas são – devem ser - a nossa Missão.
E o Idoso doente é o nosso Irmão em Cristo. No livro “Ao lado do doente. O Sentido da doença e o acompanhamento dos doentes” podemos ler: “O Cardeal Veuillot, na cama do hospital, durante a doença de que haveria de morrer, afirmou: “Sabemos pronunciar belas frases sobre a doença. Eu mesmo disse-as com entusiasmo. Dizei aos padres que se calem. Nós não sabemos o que é, e por isso, choro.” É importante recordar este testemunho, no momento em que assumimos o risco de falar da doença e do sofrimento. De facto, o “enigma do mal”. O “enigma do irredutível sofrimento” de que fala Ricoeur, resiste a toda a sabedoria e sanciona o fracasso de cada discurso, sobretudo do discurso concetual. Além disso, muito simplesmente, mais do que falar da doença, seria preciso observar e escutar o doente, aquele que, na sua situação de sofrimento, tem alguma coisa a dizer-nos e a ensinar-nos, aquele que pode revelar-nos a nós mesmos, colocando-nos em grandes dificuldades acerca do “sentido” da vida” (In “Ao lado do doente. O Sentido da doença e o acompanhamento dos doentes, da autoria de Enzo Bianchi e Luciano Manicardi, ed. Paulinas, p. 9).
Tornar-se Presença – mais do que estar presente – faz a Doença ser mais Saúde. A Pessoa Idosa é quem, na sua essência, nos interpela sobre o Sentido da Vida e o Caminho para Deus, na Transcendência de nós, de cada Pessoa e de todos nós.

 

 *Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

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